29/09/2021

Marco temporal contribui para “processo de extermínio dos povos indígenas”, afirma Ivo Makuxi na ONU

O advogado indígena e assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR) participou de diálogo interativo durante a 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Durante uma mesa de diálogo da 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas (ONU) na manhã desta quarta-feira (29), o advogado indígena e assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Ivo Makuxi, apresentou informações sobre o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definirá o futuro das demarcações de terras indígenas e alertou para o risco de que violações contra os povos indígenas sejam legalizadas pela tese do “marco temporal”, em análise neste processo.

A fala ocorreu durante o diálogo interativo com o Mecanismo de Experts sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU (EMRIP). O diálogo foi realizado por meio de videoconferência, em função da pandemia de covid-19, e teve participação da vice-presidente do CDH da ONU, Keva Lorraine Bain.

O Mecanismo apresentou um estudo sobre o direito dos povos indígenas à autodeterminação, garantido em instrumentos jurídicos internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

Em sua fala, o assessor do CIR, que representou também o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) neste espaço, ressaltou a convergência que existe entre o direito indígena à autodeterminação e a tese do indigenato, que embasa a Constituição Federal de 1988 e se contrapõe à tese do marco temporal, defendida por ruralistas e outros setores econômicos interessados na exploração e na apropriação das terras indígenas.

Ambas as teses estão no centro da disputa no julgamento do STF que definirá o futuro das terras indígenas e que trata, no mérito, de uma ação possessória envolvendo o território do povo Xokleng. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

No início de setembro, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, após os votos do ministro relator, Edson Fachin, favorável aos direitos indígenas, e do ministro Nunes Marques, favorável à tese ruralista do marco temporal.

Em síntese, a tese do marco temporal pretende restringir as demarcações de terras indígenas apenas àquelas áreas que estivessem sob a posse comprovada dos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A teoria do indigenato, por outro lado, reconhece os direitos indígenas como originários, ou seja, anteriores ao próprio Estado.

“Contrária à Constituição e aos padrões internacionais está a tese do marco temporal, que limita o direito tradicional de ocupação das terras, legitimando o esbulho e contribuindo expressivamente para um processo de extermínio dos povos indígenas”

“A interpretação correta da Constituição, em linha com os padrões internacionais, é a de que cabe ao Estado apenas reconhecer o direito de ocupação tradicional das terras indígenas, de acordo com a tese do indigenato, presente no direito brasileiro há mais de três séculos”, afirmou Ivo Makuxi.

O CIR é uma das organizações que atuam como amici curiae – “amigas da Corte” – no julgamento de repercussão geral sobre terras indígenas e é representado, no processo, por Ivo Makuxi. Ele foi um dos advogados indígenas que fizeram sustentação oral na primeira parte do julgamento.

“Contrária à Constituição e aos padrões internacionais, está a tese do marco temporal, que limita o direito tradicional de ocupação das terras, legitimando o esbulho e contribuindo expressivamente para um processo de extermínio dos povos indígenas no Brasil”, alertou Ivo no diálogo com o EMRIP.

Em seu voto favorável à tese do marco temporal, no dia 15 de setembro, o ministro Nunes Marques reconheceu que a tese propõe anistiar invasões, remoções forçadas e expulsões de indígenas de suas terras ocorridas antes da data de promulgação da Constituição Federal.

“Procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, e já acomodados pelo tempo e pela própria dinâmica histórica”, declarou o ministro.

A fala de Ivo Makuxi foi uma das diversas participações previstas sobre a temática indígena pelo Cimi e outras organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil durante a 48ª sessão do CDH. Outras duas manifestações em diferentes espaços e um evento paralelo sobre os direitos indígenas estão previstos para esta semana.

Confira a declaração na íntegra:

Diálogo Interativo com o Mecanismo de Experts sobre os Direitos dos Povos Indígenas

 

Declaração oral de Ivo Cípio Makuxi
29 de setembro de 2021

 

Senhora Presidenta,

O Cimi estende mais uma vez seu apoio e apreço pelo EMRIP, um mecanismo indispensável na luta pelos direitos dos povos indígenas no âmbito global. Agradecemos a elaboração do estudo completo sobre o direito à autodeterminação dos povos indígenas, que reforça a própria Declaração e os dois Pactos da ONU, além de formar parte do jus cogens internacional.

No Brasil, o caso Xokleng, com status de repercussão geral, em análise pela Corte Suprema, toca justamente nesse direito, que foi corretamente abordado pelo ministro relator Edson Fachin. Ele reafirmou a correlação da tese do indigenato com o direito à autodeterminação, fazendo menções em seu voto à Declaração e à Convenção 169 da OIT. A interpretação correta da Constituição, em linha com os padrões internacionais, é a de que cabe ao Estado apenas reconhecer o direito de ocupação tradicional das terras indígenas, de acordo com a tese do indigenato, presente no direito brasileiro há mais de três séculos.

Contrária à Constituição e aos padrões internacionais está a tese do marco temporal, que limita o direito tradicional de ocupação das terras, legitimando o esbulho e contribuindo expressivamente para um processo de extermínio dos povos indígenas no Brasil.

Muito obrigado.

 

Share this:
Tags: