13/06/2021

Em Brasília, povos indígenas protestam em defesa de seus direitos durante abertura da Copa América

Cerca de 120 indígenas participaram do ato pacífico, impedido pela polícia de chegar até o estádio Mané Garrincha, onde ocorria partida de abertura da Copa América

Manifestação foi bloqueada pela polícia militar a cerca de um quilômetro do estádio Mané Garrincha, onde ocorria a abertura da Copa América. Foto: Adi Spezia/Cimi

Manifestação foi bloqueada pela polícia militar a cerca de um quilômetro do estádio Mané Garrincha, onde ocorria a abertura da Copa América. Foto: Adi Spezia/Cimi

Por Adi Spezia e Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Povos indígenas realizaram na tarde deste domingo (13) uma marcha pelo Eixo Monumental, em Brasília, em direção ao estádio Mané Garrincha, onde hoje, às 18h, ocorre a partida de estreia da Copa América, entre Brasil e Venezuela. O evento acontece no país apesar do alto número de casos e mortes em decorrência da covid-19 e do baixo índice de vacinação da população brasileira.

No ato, cerca de 120 indígenas cobraram a demarcação de suas terras e vacinas para todos, além de denunciar as políticas anti-indígenas do governo Bolsonaro e o PL 490/2007, na pauta de votação no Congresso. Faixas e cartazes com frases com dizeres como “Marco Temporal Não”, “Fora Bolsonaro” e “Copa não, vacina sim” foram carregados pelos indígenas de diversos povos.

A marcha saiu do Acampamento Levante, localizado ao lado do Teatro Nacional, onde indígenas das regiões sul e sudeste estão acampados desde o início da semana passada, manifestando-se em defesa de seus direitos e contra a tese do “marco temporal”.

“Somos contra a Copa América e a favor da vacina para todos os brasileiros e para os povos indígenas, que não foram ainda totalmente vacinados em seus territórios”

Inicialmente, a Polícia Militar havia concordado que a marcha indígena seguisse até  estacionamento do estádio Mané Garrincha, onde o ato seria encerrado. A cerca de um quilômetro do estádio, entretanto, os policiais formaram uma barreira e impediram a continuidade da caminhada.

“É uma manifestação ordeira e pacífica. Eles quebraram com o acordo. Não queremos conflito, mas a tensão está sendo criada pela PM”, informou Dinamã Tuxá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

“Não estamos aqui para fazer mal para ninguém. Viemos em poucos porque não podíamos trazer toda a nossa comunidade, arriscar pegar esse vírus. Só queremos caminhar em paz”, questionou Tiago Mbya Guarani, do pico do Jaraguá (SP). Para evitar o conflito com a PM, os indígenas decidiram encerrar o ato e retornar ao acampamento.

“Agora está acontecendo a Copa América ali. Nós estamos com milhares de brasileiros que precisam ser vacinados, e o Estado continua nos oprimindo”, afirma Kretã Kaingang, também da coordenação executiva da Apib. “Somos contra a Copa América e a favor da vacina para todos os brasileiros e para os povos indígenas, que não foram ainda totalmente vacinados em seus territórios”.

Impedidos de prosseguir até o estádio Mané Garrincha, os indígenas realizaram cantos e danças em frente ao bloqueio policial, mesmo sob forte chuva. Após horas de manifestação, retornaram ao acampamento.

“Vamos permanecer em Brasília até que o STF coloque novamente em pauta o processo de repercussão geral. Não dá para esperar aprovarem todos os PLs no Congresso para só então o Supremo tomar uma posição”

Indígenas cobraram a demarcação de suas terras e vacinas para todos, além de denunciar as políticas anti-indígenas do governo Bolsonaro e o PL 490/2007, na pauta de votação no Congresso. Foto: Adi Spezia/Cimi

Indígenas cobraram a demarcação de suas terras e vacinas para todos, além de denunciar as políticas anti-indígenas do governo Bolsonaro e o PL 490/2007, na pauta de votação no Congresso. Foto: Adi Spezia/Cimi

Mobilização continua

Ao longo da última semana, os povos indígenas presentes em Brasília manifestaram-se e acompanharam as sessões da Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados, onde o PL 490 corre risco de ser votado a qualquer momento. Com a mobilização dos povos indígenas e a pressão de parlamentares aliados, a votação foi adiada sucessivas vezes.

Inconstitucional, o PL 490 abre as terras indígenas para exploração econômica predatória e inviabiliza, na prática, novas demarcações, ao impor a tese do marco temporal e outros dispositivos anti-indígenas. O projeto já está incluído na pauta da reunião da CCJC que ocorre na próxima terça (15), a partir das 13h.

Além disso, os povos indígenas também acompanhavam o julgamento de repercussão geral sobre demarcação de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF). Marcado para ocorrer em formato virtual entre os dias 11 e 18 de junho, o julgamento foi interrompido após pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes, minutos após o início da votação.

O status de repercussão geral dado ao processo pela Suprema Corte significa que a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito às demarcações, além de servir para balizar propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos povos originários – como o PL 490.

A tese do “marco temporal”, que restringe o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras, também deverá ser analisada neste processo.

Por este motivo, os povos indígenas seguem mobilizados, na expectativa de que o processo seja novamente incluído na pauta e o STF reafirme os direitos constitucionais indígenas e afaste qualquer possibilidade de restrição ou reversão do que foi garantido pela Constituição Federal de 1988.

“Somos contra o PL 490 e outros projetos anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional, e vamos permanecer em Brasília até que o STF coloque novamente em pauta o processo de repercussão geral. Não dá mais para esperar aprovarem todos os PLs no Congresso para só então o Supremo tomar uma posição”, reivindica Kretã Kaingang.

Os povos indígenas também acompanham, entre 11 e 18 de junho, o julgamento de medidas de segurança para os povos Yanomami (RR) e Munduruku (PA) e do pedido de um plano a retirada de garimpeiros e invasores destes e de outros cinco territórios, a ser efetivado pelo governo federal. Os pedidos foram feitos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entre outras organizações, no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709/2020.

Share this:
Tags: