Recomendações ao STF e plano de trabalho para 2025 marcam a 3ª Reunião do CNPI
O Colegiado recomenda à Corte que reafirme constitucionalidade do Decreto 1.775, declare a Lei 14.701 inconstitucional e suspenda o funcionamento da Comissão de Conciliação
O Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) realizou na última semana, de 2 a 5 de dezembro de 2024, sua 3º Reunião Ordinária em Brasília (DF). Ligado ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o colegiado consultivo é responsável pela elaboração e pelo acompanhamento de políticas públicas destinadas aos povos indígenas.
Durante os quatro dias de evento, os conselheiros debateram temas como direitos territoriais, consulta e participação social, saúde e educação escolar indígena, assistência social, proteção, enfrentamento às violências de gênero contra mulheres e meninas indígenas e indígenas LGBTQIAPN+ e a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30).
“O colegiado consultivo é responsável pela elaboração e pelo acompanhamento de políticas públicas destinadas aos povos indígenas”
No primeiro dia do evento (2/12), a bancada indígena que compõe o conselho se reuniu para alinhamento dos temas apresentados posteriormente durante o encontro.
O segundo dia (3/12) foi dedicado à elaboração do Plano de Trabalho de 2025 das seis Câmaras Temáticas (CTs) contemplando temas como direitos territoriais, demarcação, proteção e gestão territorial; autodeterminação, direito à consulta e participação; saúde indígena e assistência social; educação escolar indígena intercultural em todos os níveis e modalidades; proteção e enfrentamento às violências de gênero contra mulheres e meninas indígenas e indígenas LGBTQIAPN+; e direitos indígenas, sociais, culturais e econômicos. As Câmaras Temáticas buscam melhorar o atendimento aos povos indígenas.
“As Câmaras Temáticas buscam melhorar o atendimento aos povos indígenas”
Os avanços nos processos de demarcação de terras, fortalecimento institucional e reconstrução da política indigenista foram destacados no terceiro dia (4/12). “Estão em andamento 149 estudos multidisciplinares para identificação e delimitação de terras. No momento, há 39 terras indígenas delimitadas, das quais 12 encontram-se em fase de contraditório administrativo”, destaca a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, ao apresentar os dados ao Conselho.
Segundo a Funai, “há mais de 530 registros de reivindicações fundiárias indígenas, dos quais 120 estão relacionados à revisão de limites e, pelo menos, 60 envolvem a constituição de reservas indígenas”. Além de “101 procedimentos impactados por decisões judiciais que objetivam a abertura e/ou conclusão dos estudos de identificação e delimitação”, lista o órgão indigenista. O que reforça a necessidade de dar andamento à demarcação das terras indígenas, como tem sido reivindicado pelos povos a cada incidência política realizada na capital federal.
“Há mais de 530 registros de reivindicações fundiárias indígenas, dos quais 120 estão relacionados à revisão de limites”
Os dados foram divulgados no mesmo dia em que o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, assinaram a homologação de três terras indígenas: a Terra Indígena (TI) Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba, do povo Potiguara, que reivindica a demarcação desde 2001, e as terras indígenas Toldo Imbu, território do povo Kaingang no município de Abelardo Luz (SC), e Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC), onde vivem os povos Guarani Mbya e Guarani Nhandeva. Ambas aguardavam há mais de 10 anos pela homologação.
A notícia foi apresentada ao CNPI pela ministra do MPI, Sonia Guajajara, reforçando a importância do ato. “Os Decretos garantem o andamento do processo demarcatório das terras indígenas e são um importante ato oficial de reconhecimento institucional sobre o direito dos povos indígenas à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam,” assegura ela.
“Os Decretos garantem o andamento do processo demarcatório das terras indígenas e são um importante ato oficial”
Sobre as deliberações
Sendo o CNPI a principal instância decisória para elaboração e acompanhamento das políticas públicas destinada aos povos indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou cinco propostas de resoluções para análise do Conselho. Duas delas foram aprovadas após debate. Não havendo quórum para apreciação e votação das outras três resoluções, deliberou-se pela realização de uma reunião extraordinária, por meio de videoconferência, prevista para a próxima quinta-feira (12).
A primeira resolução aprovada pelo conjunto dos conselheiros recomenda ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare a inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, nos termos da ADI 7582 proposta pela Apib. A referida lei estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, ou seja, os povos indígenas só teriam direito às terras que ocupavam ou reivindicavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
“O CNPI a principal instância decisória para elaboração e acompanhamento das políticas públicas destinada aos povos indígenas”
A Suprema Corte já declarou inconstitucional a tese do marco temporal em 2023 no processo RE 1017365 (Tema 1031), de relatoria do Ministro Edson Fachin. No mesmo ano o Congresso Nacional promulgou a Lei 14.701/23 que busca colocar um marco para a demarcação das terras indígenas no Brasil.
“Essa lei contradiz o artigo 231 e 232 da Constituição Federal, esse marco temporal para nós é um genocida, ele vem para destruir, extinguir os povos indígenas com toda a sua luta, suas histórias, suas descendências. Então eles acabam com os povos indígenas em todos os aspectos”, descreve Dorinha Pankará, integrante do CNPI representando os povos da região nordeste.
“Essa lei contradiz o artigo 231 e 232 da Constituição Federal, esse marco temporal para nós é um genocida, ele vem para destruir”
Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma das organizações indigenistas que compõem o CNPI, lembra que na 2ª Reunião Ordinária, realizada em agosto de 2024, “este Conselho aprovou uma resolução cujo conteúdo foi de recomendar ao Supremo a declaração da inconstitucionalidade da Lei 14.701. Na presente reunião, em diversas situações, foi reforçado que a Lei 14.701 está produzindo efeitos e dificultando o processo administrativo de demarcação das terras indígenas. Portanto, essa resolução vem reforçar a posição do CNPI contra a vigência da lei”, explica Cleber Buzatto.
Embora, em quase dois anos de atuação do MPI e da Funai, 13 terras indígenas tenham sido homologadas, na avaliação da presidenta do órgão indigenista a lei do marco temporal tem burocratizado os processos demarcatórios. “Mesmo com todas as questões burocráticas trazidas pela lei 14.701/2023, a Funai tem avançado”, argumenta Joenia.
“A Lei 14.701 está produzindo efeitos e dificultando o processo administrativo de demarcação das terras indígenas”
Para Dorinha “não adianta a gente lutar por direitos, educação, saúde, moradia e outros se nós não temos nossa terra em nossas mãos, porque é dela que nós sobrevivemos. Sempre lutamos para ter nossa Terra livre, entendemos que a Terra é nossa mãe e sem ela não há vida”.
Com este olhar ancestral para os territórios indígenas, o Conselho reforça a necessidade de a Corte reafirmar a constitucionalidade do Decreto nº 1.775/1996, que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas. Assim como avaliam que “suspender o funcionamento da Comissão Especial de Conciliação conduzida pelo gabinete do Ministro Gilmar Mendes é fundamental para garantir os direitos originários dos povos”, destaca Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng (SC).
“Suspender o funcionamento da Comissão de Conciliação é fundamental para garantir os direitos originários dos povos”
A outra recomendação aprovada pelo colegiado é direcionada à União, para que realize um diagnóstico geral do abastecimento de água nos territórios Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Nodia 27 de novembro, a Tropa de Choque da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul protagonizou uma ação desproporcional, que resultou em 50 indígenas feridos, que denunciavam a falta de água que assola ao menos cinco mil Terena e Guarani Kaiowá na região de Dourados.
Nesta segunda Resolução, o CNPI recomenda ao Ministério Público Federal (MPF) que realize a apuração e responsabilize os responsáveis pelos ataques à comunidade Guarani Kaiowá. Ao STF, que exija a apresentação de um plano de reestruturação da Segurança Pública do estado do Mato Grosso do Sul.
As Resoluções entram em vigor na data em que foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU). Ainda não há previsão de quando isso será feito.
“Conselho reforça a necessidade de a Corte reafirmar a constitucionalidade do Decreto 1.775, que dispõe sobre a demarcação das terras indígenas”
Sobre o CNPI
Extinto durante o governo Bolsonaro (2019), o CNPI foi reinstalado em abril de 2024, conforme prevê o decreto presidencial n° 11.509/2023. Para os povos indígenas, esta é uma conquista que busca efetivar a participação democrática na elaboração, acompanhamento, monitoramento e deliberação sobre a implementação de políticas públicas indígenas.
O Colegiado é composto por 64 membros titulares e até dois suplentes de cada representante, todos com igual direito a voz. Destes: 30 são representantes de povos e organizações indígenas (27 com direito a voto); 30 são indicados pelos ministérios, autarquias e órgãos do governo (27 com direito a voto); e quatro são representantes de organizações indigenistas sem fins lucrativos, sem direito a voto.
“O Colegiado é composto por 64 membros titulares e até dois suplentes de cada representante, todos com igual direito a voz”
“O colegiado consultivo paritário é uma conquista da participação democrática indígena na elaboração, acompanhamento, monitoramento e deliberação sobre a implementação de políticas públicas destinadas aos 305 povos que habitam o Brasil”, destaca Kleber Karipuna, um dos coordenadores da Apib, em vídeo produzido e publicado pelo MPI.
Os membros indígenas do CNPI foram eleitos por meio do programa “Participa, Parente!”, do MPI. Com etapas regionais, buscou promover a escuta junto aos povos com objetivo de levantar as demandas territoriais, conforme institui a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
“O colegiado é uma conquista da participação democrática indígena”