28/03/2024

Povos do sertão de Alagoas afirmam que “Lei do Marco Temporal” intensifica êxodo de indígenas às periferias das cidades

Os povos Jiripankó, Karuazú, Katokin, Koiupanká e Kalankó divulgaram Carta Aberta contra a Lei 14.701/23, chamada pelos indígenas de ´Lei do Genocídio´

Crianças indígenas fazem intervenção contra o marco temporal durante Assembleia Geral dos povos indígenas do sertão de Alagoas. Foto:Hélio Pereira/Cimi Regional Nordeste

Por Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Nordeste

Durante a Assembleia Geral dos povos indígenas do Alto Sertão de Alagoas, reunida entre os dias 21 e 22 deste mês na Terra Indígena Jiripankó, município de Pariconha, lideranças indígenas expressaram preocupação e completa contrariedade à Lei 14.701/23, que institui o marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas.

Para os povos, em Carta Aberta divulgada ao término da Assembleia, a lei “promove um êxodo forçado dos nossos povos para as periferias dos centros urbanos ou para trabalho em condições análogas à escravidão nas lavouras de monoculturas em outras regiões do Brasil, nos tornando vulneráveis a todos os tipos de violências palpáveis e ao genocídio das nossas populações”.

Os direitos indígenas aos seus territórios são direitos fundamentais e, portanto, cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, pontua a carta.

O documento ainda ressalta os graves impactos ambientais gerados pela lei porque o marco temporal visa abrir terras indígenas, ou mantê-las, sob o domínio do agronegócio, arrendamento de terras, garimpo ilegal, mineração e demais atividades preadatórias que vão de encontro aos esforços para frear as mudanças climáticas geradas pelo atual modo de produção global.

“Consideramos que o direito aos nossos territórios tradicionais não está ligado a uma temporalidade estabelecida pela lei acima citada”, diz trecho da carta.

Leia abaixo a carta na íntegra:

Carta Aberta dos povos indígenas do sertão alagoano à sociedade civil contra a Lei 14.701/2023

 

Nós, lideranças e jovens dos povos indígenas Jiripankó, Karuazú, Katokin dos municípios de Pariconha, e dos povos Koiupanká, de Inhapi e Kalankó de Água Branca, no Alto sertão Alagoano, estivemos reunidos em Assembleia na Terra Indígena Jiripankó entre os dias 21 e 22 de março de 2024 com o objetivo de discutir a conjuntura brasileira em relação aos processos de demarcação dos territórios indígenas e o impacto desse cenário em nossa região. Debatemos sobre as  articulações políticas que têm se formado nacionalmente que violam os direitos constitucionais das nossas populações e agem fortemente contra aos nossos territórios tradicionais, como o movimento denominado “Invasão Zero”, que na Bahia assassinou a pajé Nega Pataxó Hã Hã Hãe e deixou ferido o Cacique Nailton Muniz Pataxó Hã Hã Hãe, além de grupos interessados em negociar os territórios no mercado de carbono.

Uma das principais ameaças é a “Lei do Marco Temporal”, a Lei nº 14.701/2023, a qual vai de encontro ao Art. 231 da Constituição Federal de 1988 e normativas internacionais como a Convenção 169 da OIT, Convenção Americana de Direitos Humanos ou o Pacto de São José da Costa Rica e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, pois tal lei, aprovada pelo Congresso Nacional logo após o julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC – Tema 1031, promove o genocídio social, cultural, memorial, étnico das nossas populações e o direito à vida.

Os impactos que essa lei prevê ultrapassam os limites da dignidade humana, porque violam desde os direitos subjetivos das nossas populações à reprodução cultural, social, humanitário, territorial, patrimonial e étnico, promove um êxodo forçado dos nossos povos para as periferias dos centros urbanos ou para trabalho em condições análogas à escravidão nas lavouras de monoculturas em outras regiões do Brasil, nos tornando vulneráveis a todos os tipos de violências palpáveis e ao genocídio das nossas populações.

Sabe-se que os direitos indígenas aos seus territórios são direitos fundamentais e, portanto, cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, de acordo com o Art. 60, §4º, isto é, não podem ser alteradas e nem se retroceder em tal matéria, pois, os direitos territoriais indígenas são protegidos pelo princípio da proibição do retrocesso, da dignidade da pessoa humana, do direito à cultura e ao meio ambiente saudável das atuais e futuras gerações.

A falta da devida demarcação de nosso território demarcado tem ameaçado a continuidade de nossa tradição, frente ao desmatamento e falta de acesso à nossa caatinga, espaço sagrado e primordial na nossa forma de nos relacionar com o meio em que vivemos. Ainda, retira o domínio das nossas reservas naturais e promove a destruição dos ambientes naturais e do nosso bioma caatinga, bioma único no mundo e sobre o qual somos guardiões ancestrais.

Consideramos que o direito aos nossos territórios tradicionais não está ligado a uma temporalidade estabelecida pela lei acima citada e que, os nossos territórios nos pertencem desde antes da Constituição e a nossa posse é atemporal e imemorial, como disciplina a Teoria do Indigenato dos direitos originários, presente no caput do Art. 231, a qual precisa ser respeitada pela força da CRFB/88.

Sendo assim, nós, povos Indígenas do Alto Sertão de Alagoas, solicitamos a implementação imediata dos GT’s de estudo de identificação e delimitação para a demarcação dos nossos territórios de acordo com o Decreto 1775/1996 tendo em vista que ocupamos essas terras há mais de 1 (um) século e exigimos a revogação integral da Lei 14.701/2023, com a declaração de inconstitucionalidade pelo STF de todos os seus dispositivos.
Pariconha, 22 de março de 2024.

Povos indígenas Jiripankó, Karuazú, Katokin, Koiupanká e Kalankó

Share this:
Tags: