Falta de transporte escolar atrasa início do ano letivo de estudantes em escolas indígenas de Alagoas
Fórum Estadual Permanente de Educação Escolar Indígena reivindica a criação da categoria docente indígena associada a concurso público para combater precariedade trabalhista

A secretária Roseane Vasconcelos ouviu lideranças dos povos Kalankó, Karuazu, Katokin, Koiupanká, além de representantes do Fórum Estadual Permanente de Educação Escolar Indígena. Foto: Cimi Regional Nordeste
Por Assessoria de Comunicação – Cimi Regional Nordeste
O ano letivo não começou em parte das escolas indígenas de Alagoas. Estudantes de aldeias distantes estão sem transporte escolar para chegar à sala de aula. Há terras indígenas onde a escola fica entre sete e dez quilômetros de algumas aldeias. Na última semana, lideranças indígenas procuraram o governo estadual para cobrar uma solução.
“Está sendo um problema. Na reunião com a secretária estadual (de Educação) informamos que iniciamos as aulas com um pingo de alunos, só os mais próximos (das escolas), porque o município não está oferecendo o transporte. A questão envolve outros povos. A situação da educação aqui em Alagoas não é boa”, analisa Paulo Kalankó.
A secretária Roseane Vasconcelos ouviu lideranças dos povos Kalankó, Karuazu, Katokin, Koiupanká, além de representantes do Fórum Estadual Permanente de Educação Escolar Indígena, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A principal pauta envolveu o início do ano letivo nas terras indígenas desses povos.
“A secretaria nos disse que faria contato com os municípios para resolver a situação do transporte. Aqui nessa região de Água Branca, nós usamos vans e caminhonetes. Por ordem judicial, não pode ser mais caminhonete por conta de segurança. Precisamos de sete transportes, sete vans, para dar conta de todos os turnos”, explica o Kalankó.
Conforme as lideranças indígenas, sem a possibilidade de usufruir das escolas indígenas, o preconceito e o racismo nos municípios levam famílias indígenas a esconderem a identidade para assim matricular as crianças e adolescentes nas escolas municipais não indígenas. A violação do direito à educação escolar indígena diferenciada se desdobra em outras violações de direitos humanos.
No caso dos demais povos presentes na reunião, a situação é similar. Entre eles, Kalankó e Karuazu, no município de Pariconha, dependem do Poder Público local para o atendimento da demanda escolar. Isso se dá porque esses povos, entre outros em Alagoas, enfrentam dificuldades para conseguir na Rede Estadual a oferta na educação escolar indígena.
Resolução 05: entraves
De acordo com Resolução 05/2012 do Conselho Nacional de Educação, que institui as diretrizes curriculares nacionais, a oferta da educação escolar indígena é responsabilidade dos estados. Isso inclui transporte escolar, merenda. Porém, municípios podem ofertar por meio do Regime de Colaboração previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Em Alagoas, os povos têm procurado os municípios porque o governo estadual tem tido problemas com a oferta da educação escolar indígena ou tem se negado a ofertá-la por completo, caso da educação infantil. Ocorre que parte dos municípios não possuem um Sistema Básico de Educação, o que gera o quadro denunciado pelos povos.
Os povos que residem no Alto Sertão são os mais afetados pelo desarranjo. Contratações emergenciais resolveram a falta de corpo docente, mas os professores e professoras estão em salas de aula esvaziadas.
Na Terra Indígena Kalankó, município de Água Branca, a aldeia mais distante está a sete quilômetros da única escola
A escola possui cinco salas com capacidade para 450 alunos, com o prédio e instalações entregues neste ano pelo governo estadual. “A (aldeia) mais próxima, Lageiro do Couro, tem 3,5 quilômetros de distância. Corrões e Salgadinho estão a praticamente sete quilômetros de distância, mais ou menos isso”, explica Paulo Kalankó.
No caso dos Jiripankó, no município de Pariconha, há sete aldeias e apenas uma tem escola indígena. Todas as demais aldeias são atendidas por escolas municipais. No caso de uma das aldeias, Moxotó Poço da Areia, o município fechou a escola e a Rede Estadual não assumiu. As famílias encaminham os estudantes para a escola mais próxima, em Pernambuco. Quando o rio Moxotó enche, os estudantes não conseguem chegar à escola no estado vizinho.

Escola indígena Kalankó: inaugurada neste ano, prédio é resultado de uma luta antiga do povo ao lado do movimento indígena. Foto: Daniela Oliveira da Silva/Cimi Regional Nordeste
Direitos trabalhistas e criação de categoria
Em Alagoas, existem 17 escolas indígenas na Rede Estadual para atender cerca de 3 mil estudantes. Até 2003, antes do Decreto 1272, as 15 escolas existentes eram vinculadas aos municípios. As escolas oferecem do ensino infantil ao médio, além de Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI). No decorrer dos anos, o movimento indígena acumulou conquistas, mas ainda há reivindicações.
“Após a Funai deixar de assumir a oferta junto com os municípios (2003), todas as etapas da Educação escolar Indígena Diferenciada ficou com a Seduc (Secretaria Estadual de Educação). Naquele tempo, tínhamos poucas aldeias com escolas e as condições já eram precárias visto que nunca teve uma atenção voltada para o assunto com as particularidades que a temática exige”, afirma Cícero Jiripankó.
O indígena preside o Fórum Estadual Permanente de Educação Escolar Indígena. Em sua análise, a principal batalha tem sido “a questão dos direitos trabalhistas dos professores e professoras e demais profissionais da educação”. O corpo docente está sob regime de seleção simplificada há 22 anos.
“O estado não discute a política de educação no tocante à criação da categoria de professor indígena”
“O trabalho na área da educação se dá na informalidade temporal (um ano com possibilidade de renovação para mais um). Significa dizer que as políticas sobre educação escolar indígena, onde há a previsão dos direitos trabalhistas, são inexistentes. O estado não discute a política de educação no tocante à criação da categoria de professor indígena”, diz.
Cícero lembra ainda que há três anos o governo estadual abriu vagas de trabalho nas escolas indígenas por intermédio de um concurso. “Não chamou sequer um indígena. Não teve reserva técnica, além do governo ter tentado colocar à força pessoas não indígenas para ocupar as vagas. Isso gerou um clima de tensão nos municípios”, conta.

Outro povo contemplado com uma escola neste ano é o Karuazu: aulas tiveram nesta segunda-feira, dia 17 de março. Foto: Daniela Oliveira da Silva/Cimi Regional Nordeste
Municipalização forçada
Para o presidente do Fórum Permanente, o quadro “ruma para uma municipalização forçada do serviço, uma vez que se investe em infraestrutura, em alguns povos, enquanto que outros sequer têm espaço suficiente que suporte a quantidade de alunos, além de outras estruturas precárias”.
Do ponto de vista administrativo, Cícero Jiripankó alerta que não há indígenas no governo aplicando as políticas públicas educacionais diferenciadas.
Gecinaldo Xukuru Kariri concorda com o presidente do Fórum Permanente. “A gente percebe que falta formação, mas acima de tudo gestores capazes de compreender as especificidades da educação escolar indígena diferenciada e da implementação dela em cada povo. Então há episódios de discriminação, preconceito”, analisa.
“Os povos aceitaram o início das aulas para proteger as crianças do preconceito e do racismo regional”
Cícero Jiripankó lembra que este ano foram entregues quatro novas escolas com infraestrutura elogiada. “No entanto, os profissionais iniciaram as aulas sob um acordo da Seduc, que a mando do estado e da gerência regional retirou os alunos da Rede Municipal onde habitam para fazer a lotação. Resultado: houve rejeição”, explica.
A Seduc respondeu à situação com a proposta de um edital de Processo Seletivo Simplificado para essas escolas, no prazo máximo de 60 dias. “Os povos aceitaram o início das aulas para proteger as crianças do preconceito e do racismo regional. Na verdade tudo só se resolverá com o concurso específico e a criação do cargo de professor indígenas”, defende.
Conforme a Seduc, um Projeto de Lei para o concurso específico e a criação da categoria foi encaminhado para a Procuradoria Geral do Estado (PGE), além de discutido na Comissão de Educação da Assembleia Legislativa. No entanto, aponta Cícero, o projeto foi discutido parcialmente com o Fórum Permanente.
“Entramos na Justiça reivindicando o direito de discutir de forma completa o projeto. O governo nos disse que após a PGE dar o seu parecer, voltará a tratar do projeto conosco. Estamos no aguardo”, detalha Cícero.