PEC 48 e marco temporal são atacados pelos povos indígenas na ONU: “Congresso brasileiro está contra nós”
Na ONU, neste momento, há um clima de pressão sobre o Estado brasileiro por conta das preocupações com o marco temporal
Doto Takak Ire, do povo Mebêngôkre (Kayapó), criticou nesta terça-feira (9) em Genebra, na Suíça, a Lei 14.701/2023, a chamada Lei do Marco Temporal, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, conhecida como PEC da Morte, durante a 17ª sessão do Mecanismo de Peritos das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP).
Na segunda-feira (8), lideranças Yanomami também se pronunciaram com denúncias a respeito da situação da Terra Indígena do povo, invadida pelo garimpo ilegal, e a piora do quadro com o marco temporal ganhando terreno. A relatoria do Mecanismo de Peritos, em face das manifestações Yanomami e Mebêngôkre, se pronunciou afirmando que há tempos vem dialogando com o governo brasileiro sobre os perigos do marco temporal.
Conforme Paulo Lugon Arantes, assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na ONU, “o pedido da relatoria é de que o governo brasileiro dialogue com os atores envolvidos no sentido de rechaçar a tese. A diplomacia brasileira se pronunciou dando algumas justificativas. O que podemos dizer é que há um ambiente de pressão sobre o Estado brasileiro neste momento em face da preocupação internacional quanto ao marco temporal”.
A PEC 48 entrou em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal nesta quarta-feira (10). A proposta altera o Artigo 231 da Constituição fixando como marco temporal para a ocupação das terras indígenas o dia 05 de outubro de 1988. A PEC foi apresentada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) no mesmo dia em que a tese foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 21 de setembro de 2023.
“Congresso brasileiro está contra nós”
O indígena Mebêngôkre se pronunciou em nome da Aliança em Defesa dos Territórios, Rede de Cooperação Amazônica e Raça e Igualdade. “Estou aqui para representar o meu povo e também a Aliança em Defesa dos Territórios entre os povos Kayapó, Yanomami e Munduruku. Somos os três municípios mais afetados pelo garimpo ilegal de ouro. Os mineiros já destruíram mais de 26 mil hectares de nossas áreas protegidas”, declarou.
Para Doto Mebêngôkre “o Congresso brasileiro está contra nós e muitas vezes a ameaça vem na forma de lei. Não queremos que o Brasil crie leis para nos destruir”.
Tanto a Lei do Marco Temporal quanto a PEC da Morte, ele explicou, ampliam as violações aos territórios indígenas e a sua destruição, fortalecendo o garimpo ilegal, a mineração e o roubo em curso mantido pela comercialização do ouro e o uso indiscriminado de mercúrio nas cadeias depredatórias socioambientais da exploração do mineral.
“É urgente que o STF anule a Lei 14.701/2023 e que o governo avance com a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu do Povo Munduruku e todas as demais”, disse. “Hoje a ameaça é a mineração ilegal, mas amanhã poderá ser a regulamentação da mineração industrial em terras indígenas. Não queremos qualquer tipo de exploração dos recursos naturais nos nossos territórios”, completou.
Quando irão respeitar as terras indígenas?
Doto lembrou que o seu tio Raoni Mebêngôkre, uma das mais destacadas lideranças indígenas da história, “denunciou muitas vezes as ameaças que sofremos e agora estou aqui para conversar com eles sobre como nos respeitar”. Doto ressaltou que se trata de uma exploração em grande escala: “há máquinas pesadas que entram nos nossos territórios, mineiros envolvidos no crime organizado e o ouro é vendido internacionalmente”.
Para o grupo que representa, o Mebêngôkre explicou que a reivindicação é de que “todos os países devem comprometer-se a verificar a origem do ouro que compram. Queremos que a ONU exija que o Estado brasileiro proteja nossas terras e expulse urgentemente a todos os invasores”.
O que defende os povos indígenas, nas palavras do Mebêngôkre, é que ao invés do Estado brasileiro criar leis para limitar os direitos indígenas, deve criar leis para controlar a cadeia de comercialização do ouro no Brasil e o uso de máquinas como retroescavadeiras.