Ka’apor é assassinado no MA e indígenas associam morte à ação de fiscalização contra invasores
Entre novembro de 2019 e agosto deste ano, Kwaxipuhu é o quinto assassinato de indígena no Maranhão associado a invasores de terras indígenas
A Associação Ta Hury do Rio Gurupi, organização política e social do povo Ka’apor, divulgou uma carta nesta quinta-feira (6) em que denuncia o assassinato de Kwaxipuhu Ka’apor, de 32 anos. O corpo do indígena foi encontrado no início da noite de segunda (3) à beira de uma estrada na divisa da Terra Indígena Alto Turiaçu com o município de Centro do Guilherme, no noroeste do Maranhão.
Conforme a denúncia da Associação Ka’apor, Kwaxipuhu foi espancado até a morte no povoado Nadir, localizado no acesso a uma das dez aldeias da TI Alto Turiaçu, onde a vítima morava com a família. De forma preliminar, trata-se de uma emboscada. A Polícia Civil afirmou à imprensa que o indígena foi golpeado várias vezes na cabeça por uma barra de ferro.
Os Ka’apor denunciam que o indígena foi morto em represália a uma ação dos Ka’a Usak Há Ta (guardiões da floresta), durante fiscalização do território contra a presença de invasores. Os guardiões destruíram uma plantação de maconha mantida por não indígenas que agem de forma clandestina. Kwaxipuhu era um Ka’a Usak Há Ta. “Muitas informações já foram passadas sobre os locais de invasões, os locais onde madeireiros e traficantes usam a Terra Indígena”, diz trecho da carta.
“É uma realidade dentro do nosso território. Tá cheio de madeireiro, cheio de madeireiro, muita roça de maconha. Nenhum órgão tem uma atitude de fazer uma operação permanente”, diz cacique
Revolta e tristeza resumem os sentimentos dos Ka’apor. “É uma realidade dentro do nosso território. Tá cheio de madeireiro, cheio de madeireiro, muita roça de maconha. Nenhum órgão tem uma atitude de fazer uma operação permanente. Por isso aconteceu assassinato do parente Ka’apor. Estamos muito tristes”, diz o cacique-geral e presidente da Associação Ta Hury do Rio Gurupi, Irakadju Ka’apor.
“Nós, Ka’apor, estamos organizados para ajudar na ação de proteção do nosso território, uma vez que temos nossos Ka’a Usak Há Ta, porém nossa capacidade de ação é limitada, frente à atribuição dos órgão supracitados. Por isso, cobramos mais uma vez atitudes concretas das autoridades responsáveis por fiscalizar a nossa Terra”, aponta outro trecho da carta.
Os indígenas esperam por providências. “Por isso exigimos que seja colocado em prática imediatas ações sobre a situação do nosso território. Esperamos uma resposta das autoridades competentes: Polícia Federal, Ibama, Funai e Governo do Estado, pois estamos cansados e tristes de assistir tanta violência e nenhuma solução”, protesta os Ka’apor na denúncia da Associação Ta Hury do Rio Gurupi.
Kwaxipuhu não é o primeiro Ka’a Usak Há Ta a ser assassinado na TI Alto Turiaçu. No dia 26 de abril de 2015, Eusébio Ka’apor foi morto alvejado a tiros pelas costas em uma emboscada a 4 km de sua casa na aldeia Ximborendá. Na ocasião, os Ka’apor denunciaram que “dois homens não identificados, a mando de madeireiros da região, cometeram esse crime brutal contra um pai de família”. O crime segue impune.
Invasões e assassinatos ganham volume no Maranhão
O assassinato de Kwaxipuhu Ka’apor está longe de ser um episódio isolado, sem ligação com um contexto de aumento no volume de invasões de Terras Indígenas no Brasil, mas com destaque ao Maranhão pela letalidade associada. Entre novembro de 2019 e agosto deste ano, Kwaxipuhu é o quinto assassinato de indígena no Maranhão associado a invasores de terras indígenas. São três feridos, dezenas de ameaças e famílias dissociadas.
A começar por este ano, no dia 31 de março, já em meio à pandemia do novo coronavírus, Zezico Rodrigues, do povo Guajajara, foi encontrado morto a tiros na Terra Indígena Arariboia, município de Arame (MA). Ele vinha sendo ameaçado de morte há pelo menos dois anos e tanto as ameaças quanto as invasões territoriais, Zezico e as demais lideranças comunicaram às autoridades públicas.
Professor e diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Azuru, na aldeia Zutiwa, Zezico tinha forte atuação em defesa do território tradicional do povo Guajajara. Como liderança, posicionava-se contra a derrubada da floresta e vinha denunciando a crescente presença de invasores e o roubo de madeira na TI Arariboia. Dias antes de ser assassinado, Zezico havia sido nomeado coordenador regional da Comissão de Caciques e Lideranças da Terra Indígena Arariboia (Cocalitia).
Com o assassinato de Zezico Rodrigues, o número de homicídios registrados contra indígenas do povo Guajajara desde o ano 2000 chegou a 49 – sendo 48 deles no Maranhão e um no Pará, conforme dados do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Antes, em 7 de dezembro de 2019, um sábado ensolarado, quando voltavam de uma reunião na aldeia Coquinho, onde se encontraram com diretores da Eletronorte Energia, um grupo de indígenas do povo Guajajara foi atacado a tiros enquanto percorria em motocicletas um trecho da rodovia BR-226 próximo à aldeia El Betel, na TI Cana Brava, município de Jenipapo dos Vieiras. Firmino Prexede Guajajara, de 45 anos, da aldeia Silvino, TI Cana Brava, e Raimundo Benício Guajajara, de 38 anos, da aldeia Decente, TI Lagoa Comprida, morreram em razão dos disparos. Dois indígenas ficaram feridos. Na reunião, participaram 60 caciques e lideranças Guajajara.
No dia 1º de novembro de 2019, no interior da TI Araribóia, nas proximidades da aldeia Lagoa Comprida, a 86 km do município de Amarante do Maranhão, Paulo Paulino Guajajara foi assassinado a tiros. Durante o ataque, com Paulino estava o indígena Laércio Sousa Silva, baleado no braço. Enquanto estavam na floresta, os indígenas foram encontrados por um grupo invaso. Os homens armados não deram chance de defesa aos Guajajara e chegaram atirando.
Em outras terras indígenas situações idênticas podem se repetir. No dia 5 de maio, os Guajajara afirmam que por volta de 35 madeireiros realizavam incursões na Terra Indígena Urucu Juruá, entre os municípios de Grajaú e Itaipava do Grajaú (MA). Conforme a denúncia ao Ministério Público Federal (MPF), os invasores estão abrindo estradas no interior da Terra Indígena homologada em 1991, com 13 mil hectares. Os madeireiros chegaram a deixar troncos de jericó perto da aldeia Pau Ferrado enquanto ajustavam a estrada para “puxar” a madeira.