07/08/2020

“Os invasores e a covid-19 não fazem home office”, denunciam indígenas no Maranhão

Cimi Regional Maranhão realiza ações para amenizar negligência do Estado durante a pandemia. Falta de assistência à saúde, dificuldade na comunicação e invasões nos territórios estão entre as principais dificuldades enfrentadas pelos povos

Os rádios são fundamentais para a comunicação nas aldeias. Registro dos Guajajara na barreira sanitária formada na entrada da Terra Indígena Arariboia, Aldeia Jussaral. Foto: Frederico Maximu Guajajara

Os rádios são fundamentais para a comunicação nas aldeias. Registro dos Guajajara na barreira sanitária formada na entrada da Terra Indígena Arariboia, Aldeia Jussaral. Foto: Frederico Maximu Guajajara

Por Adi Spezia e Regional Maranhão do Cimi

Os gráficos que medem o avanço da covid-19 entre os povos indígena ascendem em todo país. Até 7 de agosto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) havia registrado a contaminação de 23 mil indígenas de 148 povos. Ao todo, 645 indígenas perderam a batalha para a doença – numa contagem subnotificada, devido à falta de testes.

No Maranhão, mesmo sem a possibilidade do trabalho presencial, a equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) intensificou sua atuação junto aos povos. O foco é apoiar iniciativas das comunidades para conter o avanço dos contágios. As invasões de territórios, violações e omissões do Estado foram o centro das denúncias feita pelo Cimi Regional.

De acordo com Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi Regional Maranhão, o novo coronavírus já se alastrou por sete terras indígenas. “Todas as aldeias do povo Tenetehara/Guajajara sofrem com a chegada do vírus, por exemplo. Por isso, buscamos nos fazer presente e reforçar as ações de enfrentamento à covid-19”, salienta. Ele ainda aponta o reforço nas parcerias, ações de solidariedade e apoio aos povos afetados pelo vírus.

“os invasores e violadores dos direitos dos povos não fazem home office. Além da violência, agora também estão trazendo o vírus da morte”

As barreiras sanitárias visam orientar os indígenas, barrar a entrada de não indígenas e higienizar objetos e veículos. Foto: Leandro Gavião

Como as lideranças indígenas têm dito “os invasores e violadores dos direitos dos povos não fazem home office. Além da violência, agora também estão trazendo o vírus da morte”. Enquanto isso, o Governo Federal não tem apresentando nenhuma medida de combate à pandemia junto aos territórios. Para as lideranças, os discursos de ódio do presidente “incentivam essas ações, os saques e violências nas terras indígenas em todo país”.

 

Rede Solidária

O esforço conjunto é a aposta para minimizar a negligência do Estado. Por isso, o Cimi Maranhão e organizações parceiras se uniram em uma Rede Solidária. A distribuição de materiais didáticos sobre prevenção e cuidados com a saúde tem sido uma importante frente de trabalho da Rede. Os informativos são distribuídos via aplicativos de trocas de mensagem. Por este meio, também são recebidas denúncias.

“Com a ajuda do Cimi a gente está com a barreira sanitária organizada, nós não vamos abrir agora não”

As insatisfações apresentadas pelos indígenas vão desde a falta de atendimento nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), à disponibilização de materiais de higiene e kits para testes nas aldeias e casas de apoio. “O acolhimento das denúncias, clamores, demandas e necessidades fortaleceu o espírito da atuação em rede com outros parceiros e aliados para atender aos povos e comunidades indígenas do Maranhão”, sintetiza Gilderlan.

Outra estratégia fundamental são as barreiras sanitárias. Instaladas nas estradas de acesso às aldeias de cinco terras indígenas, as barreiras autônomas visam orientar os indígenas, barrar a entrada de não indígenas e higienizar objetos e veículos.  Leandro Krepum, da aldeia Riachinho, é um dos que realiza este trabalho. Na avaliação dele, não é hora de flexibilizar: “Não vamos abrir enquanto a pandemia não passar. Com a ajuda do Cimi a gente está com a barreira sanitária organizada, nós não vamos abrir agora não”.

“O acolhimento das denúncias, clamores, demandas e necessidades fortaleceu o espírito da atuação em rede”

O esforço conjunto é a aposta para minimizar a negligência do Estado. No registro, a entrega de cestas básicas numa parceria do Cimi e Pastoral Indigenista de Grajaú. Foto: Pastoral Indigenista de Grajaú

 

Comida na mesa, higiene e comunicação

A Rede tem buscado garantir o mínimo: mobiliza a doação de alimentos, produtos de higiene e equipamentos de proteção. Cestas básicas foram entregues para os sete povos em que o Cimi atua, numa articulação com a Pastoral Indigenista de Grajaú, que contou com o compromisso do Bispo D. Rubival Cabral Brito e das irmãs Catequistas Franciscanas. Seis escolas indígenas também receberam alimentos saudáveis, após uma articulação do Cimi e lideranças indígenas junto a Secretaria de Educação do Estado (Seduc).

As cestas de alimentos buscam suprir necessidades urgentes dos indígenas. Já são quase seis meses sem poder sair das aldeias, como relata Frederico Maximu Guajajara. “Essas cestas são muito importantes, chegam até nós num momento de muita necessidade. Então, em nome das comunidades, caciques e lideranças quero agradecer ao Cimi pelas doações e o apoio em recursos”, destaca a liderança do povo Guajajara.

“Essas cestas são muito importantes, chegam até nós num momento de muita necessidade”

Registro feito na Aldeia Zahy-tatá, onde além das cestas básicas, kits de higiene com máscaras e álcool em gel também foram entregues. Foto: Pastoral Indigenista de Grajaú

Kits de higiene com máscaras e álcool em gel também foram entregues nas aldeias. Já os rádios, coletes, refletores, tenda, câmara e a melhoria dos equipamentos do sinal de internet foram entregues às comunidades que fizeram solicitações. O objetivo, explica Gilderlan, é incentivar e fortalecer a comunicação indígenas. “As doações são importantes para melhorar o diálogo e a discussão de outros temas urgentes, como a produção familiar e continuidade de ações, a confecção de máscaras e o incentivo à produção dos roçados”.

As ações organizadas pelo regional também têm fortalecido a produção de alimentos e o acesso à água para consumo, higienização e irrigação da produção que busca complementar a dieta nutricional.

 

Negligência deliberada

Embora as organizações sociais se dediquem a mitigar os danos trazidos pela pandemia, é fundamental que o Estado assuma suas responsabilidades com os povos. Nesse sentido, o Regional Maranhão do Cimi e a Defensoria Pública da União (DPU) têm denunciando as invasões e a omissão do Estado.

As denúncias repercutiram: em junho, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação pública contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) para que adotem medidas de contenção do avanço da covid-19, controlando o fluxo de entradas nos territórios. Além disso, a ação reivindica assistência à saúde nas comunidades, nas Casas de Saúde do Índio (Casai) e hospitais que recebem os indígenas no estado. Por intervenção do regional, o povo Akroá Gamella passou a ser atendido pela força tarefa de saúde do Governo do Estado.

“As ações realizadas pelo Regional Maranhão só foram possíveis pela força da Rede Solidária”

As crianças e os idosos são aos mais afeitas pela pandemia. Foto: Pastoral Indigenista de Grajaú

 

Campanhas e doações

O Cimi tem realizado campanhas de enfrentamento à covid-19 junto aos povos indígenas em todo o Brasil. Com a desassistência do Estado, foi preciso intensificar as campanhas de doações e fortalecer as redes solidárias. Frederico Maximu Guajajara destaca o quanto as comunidades precisam da atuação da Funai, Polícia Federal, Ibama e vigilância sanitária, mas também contam com o apoio e solidariedade de organizações como o Cimi e de pessoas físicas. “Precisamos do apoio de todos. Falta alimentos, kits de higiene e borrifadores nas barreiras sanitárias. Precisamos da reforma e ampliação do posto de saúde, faltam equipamentos, leitos, respiradores e ambulância para socorrer os pacientes de imediato para o hospital”, detalha.

“Que possam continuar nos ajudando, pelo menos enquanto dure a pandemia”

Está é a realidade de diversas aldeias. Da terra indígena Governador, Leandro Gavião, afirma ser bem-vinda as doações do Cimi. “Sobretudo no apoio as barreiras sanitárias. Que possam continuar nos ajudando, pelo menos enquanto dure a pandemia”, deixa o pedido a liderança do povo Gavião.

As ações realizadas pelo Regional Maranhão só foram possíveis pela força da Rede Solidária, formada pela equipe do Cimi e palas doações vindas dos mais diversos segmentos da sociedade. O apoio emergencial aos povos indígenas no contexto da pandemia continua e por isso, mantém em seu site um canal para os que desejam contribuir com as ações da entidade junto às aldeias.

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