Cacique Raoni: “Minha fala é para o Bem Viver, não ofendo ninguém”
Após ser insultado pelo presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, o cacique pronunciou-se na Câmara dos Deputados e reuniu-se com o presidente da Casa, Rodrigo Maia
O cacique Raoni Metuktire participou, ontem (25), de uma coletiva de imprensa na Câmara dos Deputados, onde comentou o discurso preconceituoso e agressivo feito na véspera pelo presidente Jair Bolsonaro, na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Em meio a ataques aos povos indígenas, os quais, para Bolsonaro, vivem como “homens das cavernas”, o presidente agrediu diretamente Raoni, a quem chamou de “peça de manobra” de governos estrangeiros interessados na Amazônia.
“Bolsonaro falou que eu não sou uma liderança. Ele que não é uma liderança e tem que sair, antes que algo de muito ruim aconteça, para o bem de todos”, afirmou a liderança Kayapó de 90 anos no salão verde da Câmara.
Raoni era aguardado por um grande número de jornalistas e fotógrafos e, assim que chegou, foi cercado por dezenas de apoiadores, que gritaram “Raoni sim! Bolsonaro não!” pelos corredores da Câmara, enquanto Raoni era conduzido até o local da coletiva.
“Meu pensamento é tranquilo, meu pensamento é pela paz. Minha fala é para o Bem Viver, não ofendo ninguém”
“Meu pensamento é tranquilo, meu pensamento é pela paz. Minha fala é para o Bem Viver, não ofendo ninguém. Que todo mundo viva com saúde, com tranquilidade”, defendeu Raoni. “Minha luta é em defesa dos povos indígenas, pela sobrevivência dos meus netos e filhos, pelo território, pela nossa vida, pelo meio ambiente”.
Depois da coletiva, o cacique ainda participou de uma reunião do Fórum permanente em defesa da Amazônia, onde parlamentares e membros de organizações da sociedade civil endossaram sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz de 2020, apresentada pela Fundação Darcy Ribeiro.
“Bolsonaro falou que eu não sou uma liderança. Ele que não é uma liderança e tem que sair, antes que algo de muito ruim aconteça, para o bem de todos”
“Aqui, antigamente, só tinha indígenas. Essa é a história que meu pai e meu avô contavam antigamente. Fazíamos festas, grandes, festas, onde só tinha indígenas. Depois, vieram os colonizadores e dividiram o povo”, lembrou Raoni, durante a reunião do Fórum. “Por isso que digo: vocês, brancos, que atravessaram o oceano para vir ao Brasil, têm que respeitar os povos. Fico triste quando vejo um garimpeiro, um madeireiro, matar um parente, porque isso está acontecendo diariamente em todos os cantos do Brasil com os povos indígenas”.
“Vocês têm que escutar os donos da terra, que permanecemos aqui, e vocês têm que nos respeitar. Eu sou contra a violência, porque isso é ruim. Defendo a paz e a união para todo mundo viver bem”, prosseguiu a liderança, antes de se dirigir aos parlamentares: “Eu sou uma liderança do meu povo, assim como vocês também são lideranças para defender o povo de vocês. Bolsonaro é um louco, mas vou continuar a minha luta. Não aceito a violência”.
“O ataque do Bolsonaro ao cacique Raoni é um ataque à Constituição Federal e ao contrato social que o Estado brasileiro assumiu com os povos indígenas”
Apoio frente aos ataques
Durante o lançamento do relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2018, realizado nesta terça-feira (24), o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Roque Paloschi, divulgou uma nota em apoio aos povos indígenas e, especialmente, ao cacique Raoni Metuktire Kaiapó, após os duros ataques proferidos por Bolsonaro perante toda a comunidade internacional.
“A agressividade nos discursos do presidente da República e de membros do seu governo servem de combustível para a violência cometida contra os territórios e a vida dos povos originários”, afirmou Dom Roque.
Representando o Cimi na reunião do Fórum Permanente em Defesa da Amazônia, Gilberto Vieira dos Santos reafirmou a solidariedade ao cacique Raoni e disse que ela expressa também a solidariedade ao conjunto dos povos indígenas do Brasil.
“O ataque que o presidente da República fez ontem ao cacique Raoni e aos povos indígenas foi um ataque ao símbolo que Raoni representa. Se olharmos as fotos do período constituinte, em 1987 e 1988, os povos indígenas vão estar lá, lá vão estar os Mebêngôkre e lá vai estar, de forma muito bonita, o cacique Raoni, marcando a história do Brasil e o contrato social que o Brasil assumiu ao assinar a Constituição de 1988”, afirmou Gilberto.
“O ataque do Bolsonaro ao cacique Raoni é também um ataque à Constituição Federal e ao contrato social que o Estado brasileiro assumiu com os povos indígenas”, prosseguiu o missionário.
Vieira dos Santos citou dados preliminares de 2019 apresentados pelo Cimi, que apontam que o número de terras indígenas invadidas sob os nove primeiros meses do governo Bolsonaro dobrou em relação a todo o ano de 2018 – passando de 76, naquele ano, para 153 em 2019.
“No mandato desse presidente nós já estamos vendo um aumento significativo das invasões às terras indígenas, associado ao discurso que ele tem feito contra os povos”, avaliou Gilberto.
“Nossa intenção é que a gente possa construir projetos que sinalizem aos brasileiros e ao mundo a nossa preocupação com o meio ambiente”
Reunião com Maia
Ainda na tarde de ontem, o cacique Raoni foi recebido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), junto a deputados das frentes parlamentares ambientalista e em defesa dos povos indígenas.
Maia garantiu ao cacique e aos parlamentares que não levará ao Plenário da Câmara projetos que liberem a mineração em terras indígenas – proposta que já está sendo trabalhada pelo governo Bolsonaro – ou que legalizem o roubo de madeira em terras indígenas.
“Nossa intenção é que a gente possa construir projetos que sinalizem aos brasileiros e ao mundo a nossa preocupação com o meio ambiente”, comprometeu-se Maia.
“Bolsonaro desrespeita a nossa condição de sujeitos políticos, de cidadãos plenos e a nossa autonomia, que no seu entendimento só vale se formos nos dobrar aos interesses do capital”, afirma a Apib
Novo ataque e reação da Apib
Após a grande repercussão das falas do cacique Raoni, Jair Bolsonaro respondeu com nova manifestação agressiva e preconceituosa contra a liderança Kayapó. Em novo ataque, Bolsonaro diminuiu a importância de Raoni, afirmando que ele “não fala a nossa língua”.
No mesmo dia, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou uma nota de repúdio “contra o discurso anti-indígena de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU”, caracterizado pela organização do movimento indígena como “racista e caluniosa”.
“Bolsonaro desrespeita a nossa condição de sujeitos políticos, de cidadãos plenos e a nossa autonomia, que no seu entendimento só vale se formos nos dobrar aos interesses do capital, das corporações nacionais e internacionais, para as quais ele quer entregar as riquezas do país, isso sim, uma verdadeira atitude vende-pátria”, afirma a nota da Apib.