Imigrantes em Roraima: Indígenas Warao sem abrigo
Eles relatam que, além de sofrerem com a falta de vagas no abrigo, de remédios e de comida, são alvos de humilhações constantes por serem imigrantes indígenas
“Não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7). Os habitantes de Belém, se recusaram receber Maria e José. Maria estava prestes a dar à luz ao Menino Jesus e com José teve que se abrigar em um estábulo fora da cidade. A situação vivida pela Família de Nazaré já foi muitas vezes associada aos migrantes e refugiados, e é hoje a realidade na vida de Chila Gómez, uma mãe indígena Warao da Venezuela, grávida de nove meses que chegou em Boa Vista, capital de Roraima, com seu esposo Elvis Antônio e três filhos pequenos.
A exemplo de tantos imigrantes venezuelanos, eles não foram recebidos no abrigo especialmente destinado aos indígenas no bairro Pintolândia. Um terreno baldio foi o destino do casal que levou seis dias para percorreu a pé 215 quilômetros entre Pacaraima e Boa Vista. “Estou morando na rua, nem sei o nome. Estou grávida e sofrendo com meus filhos, pegando sol e frio. Eu quero uma ajuda para minha família”, implora Chila.
À sombra de alguns cajueiros, no mesmo terreno se encontram outras seis famílias. Ao todo são 15 crianças menor de 8 anos, dois adolescentes e 13 adultos. O número muda muito rápido. Uma lona e alguns panos amarrados nas árvores servem de proteção. As noites são mal dormidas por causa do medo de serem despejados pelo dono do terreno (uma Imobiliária) e pela polícia.
Jonny Martines Rodriguez e sua esposa Edelmira del Carmen vieram de Tucupita. “Tenho três filhos e com a minha mulher não querem nos receber no abrigo dos indígenas Warao. Aqui não tomamos banho, passamos fome, não temos onde pegar água. Me sinto assustado, é perigoso, à noite é mais perigoso por que podem vir e matar meus filhos, minha mulher ou eu matar a eles…”, lamenta Jonny.
Os Warao que estão em Roraima dizem que o principal motivo para abandonar Venezuela é a fome. Neste grupo, as mulheres são as principais responsáveis pela renda e por isso elas chegam em grande número trazendo muitas crianças. Erika Gonzalez com sua filha de um ano ao colo, relata o que está passando.
“Estou na Praça há um mês. Temos sofrido humilhações, somente por sermos indígenas. Na Praça nos correm, amanhecemos sem dormir (…). Nós merecemos respeito. Não é por que somos imigrantes que podem nos humilhar. Estamos aqui com crianças doentes com gripe, com febre por causa do clima. Não temos onde tomar banho. Estamos somente querendo entrar no abrigo”.
Ermínia Ratti, a mãe de Jean Luiz Jimenez, rapaz que ficou internado por 40 dias no Hospital Geral de Roraima, agradece o apoio dos brasileiros, mas faz um desabafo.
“Meu filho (Jean Luiz) estava doente aqui na Praça. Mas Deus nunca nos abandona. Nos enviou os padres Luiz e Jaime que o levaram ao hospital”. “Queremos que nos ajudem, queremos entrar nesse abrigo como os outros. Passamos todo o dia aqui, dormindo na rua não é fácil, ainda mais com um filho enfermo… sou uma mãe de sacrifício. Pedimos que tenham consideração para conosco…”
Wilson Vlademir Cortez chegou há três meses para tratamento médico. Veio com cinco filhos e outros familiares. Eles também estão em baixo de um cajueiro fora do abrigo. “Estou melhorando e aqui estamos esperando que algum dia nos deem a oportunidade de entrar no abrigo”.
Segundo os responsáveis pelo abrigo destinado aos indígenas Warao e E’ñepá em Boa Vista, o local está lotado. Os indígenas contestam dizendo que muitos deles saíram abrindo vagas. As informações sobre o número exato de abrigados no bairro Pintolândia são duvidosas. Uma Equipe do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), no dia 1 de fevereiro, fez um recadastramento e ouviu também mais de 60 Warao que estão fora do abrigo, mas até o fechamento desta matéria não deu nenhuma resposta. As mães e crianças que deveriam ter prioridade no acolhimento, continuam na rua.
Com o início do ano letivo, essas crianças ficarão sem aulas. Elas não podem entrar no abrigo nem para estudar. A situação de vulnerabilidade aumenta os riscos de exploração, uso de drogas, fome e doenças em uma população já ameaçada pelo fato de ser indígena e migrante.
O governo brasileiro concede refúgio aos venezuelanos, mas uma vez no território nacional um bom número deles não encontra acolhida digna. Apenas 6 mil são contemplados com abrigos. Os que ficam de fora estão sujeitos a serem disturbados. Não podem dormir nas praças, parques, em terrenos baldios e em algumas ruas. Sempre tem alguém correndo com eles.
O bebê de Chila deverá nascer nestes dias. A família, conforme relatamos no início desta matéria, continua em baixo do cajueiro por que “não há lugar para eles na hospedaria”.
Equipe Missionária Itinerante
A Equipe Missionária Itinerante dos Missionários da Consolata está dando prioridade a esses indígenas Warao fora do abrigo. A Equipe é uma iniciativa Continental para responder às emergências humanitárias referentes aos migrantes e refugiados. Padre Luiz Carlos Emer, IMC, destaca o cuidado com o povo Warao. “Pela sua história de discriminação, eles preferem viver com o seu grupo e se adaptam melhor ao ambiente fora da cidade, em baixo de uma árvore, no parque onde se sentem mais em casa. A cidade é um ambiente hostil para eles pois perdem muito da sua identidade, mas tentam sobreviver. A questão é como melhor ajudar os indígenas. Uma solução seria conseguir um terreno com maior espaço”, sugere padre Emer.
Histórico
As dificuldades enfrentadas pelo povo Warao, segunda maior etnia indígena da Venezuela, são antigas. Desde 1920, ações do Estado e de empresas vem impactando seu modo tradicional de viver. O processo de salinização do rio Orinoco tirou-os de suas terras. Vivendo próximos a vilas e cidades, se tornaram mão de obra barata para a indústria madeireira. Com a ascensão do chavismo passaram a receber auxílios do governo. Quando a economia da Venezuela entrou em colapso, a ajuda cessou e os Warao passaram a depender de cestas básicas. Para um povo que está habituado a migrar a situação de precariedade intensificou o movimento de cidade em cidade inclusive no Brasil. Com a pobreza, a fome apertou. Hoje os Warao e também os da etnia e E’ñepá chegam a Roraima em busca de comida e tratamento de saúde. Eles têm o direito de serem atendidos enquanto imigrantes, mas sobretudo enquanto indígenas.