19/04/2023

Em Brasília, indígenas venezuelanos pedem apoio para assegurar direitos previstos na Constituição

Na última semana, representantes dos povos E’ñepá, Taurepang e Warao se reuniram com a Funai, MPI, 6ª Câmara do MPF, entre outros órgãos públicos; foi recomendada a criação de GT

Em ida à capital federal, lideranças indígenas venezuelanas foram recebidas por Eliel Benites, do Ministério dos Povos Indígenas. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Por Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Deixar o país de origem é um ato de coragem. Com a mudança, é preciso conhecer outra cultura, criar laços com pessoas que nunca fizeram parte de sua vida e entender a estrutura política – como as legislações – daquele local. O caminho é árduo, mas não impossível.

Em busca de melhores condições, indígenas venezuelanos que moram no Brasil desembarcaram em Brasília (DF) na última semana. Na ocasião, os povos E’ñepá, Taurepang e Warao participaram de uma vasta agenda na capital federal para pedir apoio aos órgãos públicos responsáveis por assegurar e proteger os seus direitos – como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI),  o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), entre outros.

Em razão de problemas relacionados aos contextos econômico e social, que inviabilizavam a vida nos territórios de origem, os indígenas passaram a migrar para o Brasil no ano de 2015 – sendo que, atualmente, estão em quase todo o país. No entanto, os povos se depararam com novos desafios ao atravessar a fronteira.

“Passamos muitas dificuldades para sermos reconhecidos no Brasil como povos indígenas, sujeitos de direitos coletivos reconhecidos aqui no Brasil e em instrumentos de direito internacional”, afirmam os povos em carta direcionada aos órgãos públicos.

“Passamos muitas dificuldades para sermos reconhecidos no Brasil como povos indígenas”

Durante as reuniões, lideranças dos três povos partilharam os principais obstáculos enfrentados desde que chegaram ao país: atendimento à saúde, à educação, às políticas de assistência social ou de moradia, além de situações discriminatórias. Todo esse contexto inviabiliza o fortalecimento das raízes desses povos – praticamente forçando o desaparecimento de sua identidade ancestral.

“Somos povos originários da América. Para nós, não há fronteiras. A fronteira foi marcada por colonizadores. Viemos até aqui para que tenhamos visibilidade. No governo anterior [de Bolsonaro], nos sentíamos invisíveis. Então viemos para nos somar a essa política pública de Estado. Nós, como povos indígenas, temos essa luta. Essa batalha sobre o território, sobre defender os direitos ancestrais e coletivos. Nós queremos sobreviver nesse país dignamente como povo, como ser humano. Queremos viver com autonomia e com melhores oportunidades de vida”, afirmou Aníbal Warao, liderança Warao, durante reunião com o MPI.

“Nós queremos sobreviver nesse país dignamente como povo, como ser humano”

Ministério dos Povos Indígenas recebe lideranças indígenas venezuelanas para tratar dos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988. Foto: Marina Oliveira/Cimi

 

Direitos assegurados

De acordo com o Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, todos os estrangeiros residentes no país possuem os mesmos direitos fundamentais desfrutados pelos cidadãos brasileiros. Além disso, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assegura que os indígenas, independente de se encontrarem em situação de mobilidade de seus territórios de origem, são sujeitos de direitos coletivos específicos – o que significa que a integridade dos valores, práticas socioculturais e instituições desses povos devem ser reconhecidos e protegidos.

No entanto, na prática não é assim que ocorre. De acordo com as lideranças presentes em Brasília, até então não existe uma política de Estado que realmente responda às necessidades e garanta os direitos fundamentais dos indígenas em situação de migração.

Nem todos os indígenas estão dentro de territórios: a maior parte deles vive em contexto urbano, incluindo os abrigos erguidos em Roraima para receber os venezuelanos – tanto indígenas quanto não indígenas. Em documento encaminhado aos órgãos, as lideranças denunciam que, nos abrigos, “os indígenas são submetidos a algumas violências, como o fornecimento de comida estragada”.

“Os indígenas são submetidos a algumas violências, como o fornecimento de comida estragada”

Mulher warao lava roupa em abrigo improvisado em um terreno baldiu em Boa Vista. Foto por Jaime C. Patias

Mulher warao lava roupa em abrigo improvisado em um terreno baldiu em Boa Vista. Foto por Jaime C. Patias

“Convidamos o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania [MDHC] e a Funai para que procurem uma melhor solução. As regras não estão de acordo com as especificidades e os modos de vida dos indígenas, nossas formas de viver não são permitidas dentro desses espaços. A nossa proposta é de que formem um Grupo de Trabalho [GT] para construir as melhorias, junto com os órgãos judiciais”, afirmam em documento.

 

Grupo de Trabalho

Em Brasília, lideranças dos povos venezuelanos propuseram aos órgãos públicos a criação de Grupo de Trabalho (GT) para dar andamento às demandas solicitadas durante as reuniões, a fim de que os direitos sejam garantidos e respeitados – assim como consta na Constituição Federal de 1988.

A Funai se comprometeu a ativar o GT que já está constituído dentro do órgão, mas que, até o momento, teve dificuldades para iniciar seus trabalhos. O GT deverá contar com participação das lideranças indígenas e servirá para discutir as possibilidades concretas de atenção às demandas desses povos a partir das atribuições do órgão indigenista.

Houve também compromisso da entidade em formular diretrizes que orientem a todas as Coordenações Regionais da Funai a prestar atendimento e auxílio aos povos indígenas venezuelanos em situação de migração, bem como apoiar iniciativas das comunidades para a geração de renda. 

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), instância do Ministério de Educação que foi retomada no atual governo, ouviu as demandas das lideranças indígenas relacionadas ao acesso à rede pública de educação e à necessidade de se contar com professores e pedagogos indígenas, presentes nas comunidades no Brasil, como mediadores na perspectiva de uma educação intercultural. 

Na última sexta-feira (14), os indígenas foram recebidos pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Na ocasião, André Carneiro Leão, Defensor Público Federal e presidente do CNDH, se comprometeu a dialogar com o Ministério dos Povos Indígenas para construir um GT, com o apoio do Conselho. “A iniciativa terá como objetivo criar um plano de ação para que os direitos dos indígenas venezuelanos sejam assegurados”, afirmou André.

“A iniciativa terá como objetivo criar um plano de ação para que os direitos dos indígenas venezuelanos sejam assegurados”

No dia 14 de abril de 2023, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recebeu a delegação indígena venezuelana. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Na manhã do mesmo dia, os indígenas também foram recebidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígenas (Sesai). Representantes do órgão afirmaram que apresentariam as demandas relacionadas à saúde a Weibe Tapeba, secretário da Sesai.

“É importante levarmos para o nosso secretário, porque deve ser conversado com as autoridades locais. Ele [Weibe Tapeba], na condição de secretário, tem acesso ao Presidente da República e ao Ministério dos Povos Indígenas. E eu acho que o encaminhamento que podemos dar aqui, para que essas questões sejam sanadas, como dificuldade de locomoção, falta de medicamentos, dificuldade para se comunicar nos postos de saúde. Mas, para isso, precisamos trazer vocês para participarem. A minha proposta é que apresentem a nós um projeto, com dados referentes aos povos, para que possamos incluir em nosso sistema”, disse um dos representantes da Sesai.

Ao final dessa reunião, foi recomendado às lideranças o diálogo com o Ministério dos Povos Indígenas para a criação do Grupo de Trabalho.

Já no MPI, os indígenas se sentiram muito confortáveis e seguros para levar todos esses pedidos para Eliel Benites, do povo Guarani Kaiowá, e diretor de Línguas e Memórias do Ministério dos Povos Indígenas, e solicitar também a criação de um Grupo de Trabalho – assim como foi reforçado em outras reuniões. Por meio de Eliel, o ministério se comprometeu com a criação do GT. 

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