Povo Munduruku mantém bloqueio de rodovia contra lei 14.701 e divulga carta: “queremos o fim da mesa de conciliação do STF”
Conciliação conduzida pelo ministro Gilmar Mendes no STF retoma atividades nesta semana, mesmo sem indígenas; em manifestação na BR-163, povo Munduruku pede revogação da lei e fim da mesa

Povo Munduruku bloqueou BR-163 no dia 25 de março, em protesto contra mesa de conciliação no STF e pela revogação da lei 14.701. Foto: associação Pariri
A rodovia BR-163 amanheceu bloqueada, nesta terça-feira (25), pelo povo Munduruku, em Itaituba, na região do rio Tapajós, no sudoeste do Pará. Os indígenas manifestam-se contra a lei 14.701, conhecida como “lei do marco temporal”, e a Câmara de Conciliação criada pelo ministro Gilmar Mendes sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quarta-feira (26), segundo dia de mobilização, o Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ divulgou uma carta explicando as razões da mobilização.
“Os ruralistas do Congresso e Senado, querem acabar com os nossos direitos e com nosso território e principalmente com as vidas indígenas, e agora o STF, através do ministro Gilmar Mendes, quer rasgar a nossa Constituição e negociar nossos direitos”, afirma o documento divulgado pelo povo.
“O governo precisa também se manifestar e proteger nossos direitos, principalmente o de sermos consultados, conforme a convenção 169 da OIT e a nossa própria Constituição”, prossegue a carta. Os Munduruku garantem que a mobilização na rodovia continua.
“Estamos ocupando e fechando a BR-163 para que o STF respeite a nossa Constituição, acabe com essa Mesa de Conciliação e revogue de vez a Lei 14.701/2023 do marco temporal”

Povo Munduruku bloqueou BR-163 no dia 25 de março, em protesto contra mesa de conciliação no STF e pela revogação da lei 14.701. Fotos: Associação Pariri / Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ / Coletivo Da’uk / Coletivo Wakoborun
“Estamos ocupando e fechando a BR-163 para que o STF respeite a nossa Constituição, acabe com essa Mesa de Conciliação e revogue de vez a Lei 14.701/2023 do marco temporal, que inclusive já foi decidida por essa Suprema Corte que ela seria inconstitucional. Nem o governo, Congresso ou STF podem decidir sobre nossas vidas e nossos territórios sem antes nos consultar”, reivindicam os Munduruku.
Os povos indígenas, representados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), retiraram-se da mesa de conciliação, que caracterizaram como uma “negociação forçada” de seus direitos. Apesar da saída da Apib ainda no ano passado, a mesa seguiu, mesmo sem a participação dos principais afetados pela lei – que não foi sequer suspensa pelo ministro, apesar dos diversos pedidos feitos à Suprema Corte.
Já em fevereiro 2025, a mesa foi suspensa por um mês após pedido do governo federal, mas retoma suas atividades a partir de amanhã (27). Na última reunião, como resultado da mesa, o ministro Gilmar Mendes apresentou um anteprojeto de lei que mantém em curso uma série de ataques aos direitos indígenas.
Além de reforçar a posição da Apib, a carta Munduruku soma-se, também, ao manifesto divulgado na semana passada por lideranças de diversos povos indígenas e de todas as regiões do país que se reuniram na Terra Indígena (TI) Panambi – Lagoa Rica, em Douradina (MS), inclusive com participação Munduruku. As lideranças também reivindicaram o fim da mesa de conciliação e a revogação da lei 14.701.
Em faixas na BR-163, os Munduruku reivindicam que o ministro Gilmar Mendes “respeite a nossa Constituição” e que revogue a lei 14.701, “lei da morte”

Povo Munduruku bloqueou BR-163 no dia 25 de março, em protesto contra mesa de conciliação no STF e pela revogação da lei 14.701. Fotos: Associação Pariri / Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ / Coletivo Da’uk / Coletivo Wakoborun
Em faixas na BR-163, os Munduruku reivindicam que o ministro Gilmar Mendes “respeite a nossa Constituição” e que revogue a lei 14.701, “lei da morte”. Em outra faixa, eles afirmam: “a mesa de conciliação é morte para os povos indígenas”.
O ato começou durante a madrugada, na altura do km 25 da BR-163, ponto em que ela se sobrepõe à rodovia Transamazônica (BR-230). A via é uma das principais rotas de escoamento da produção do agronegócio da região centro-oeste do país.
A via dá acesso ao porto de Miritituba, de onde a produção de grãos como soja e milho é escoada para Santarém (PA) pelo rio Tapajós e, depois, exportada para diversos locais do mundo por via marítima.
“Respeitamos o direito de todos e a via ficou aberta toda a noite, mas nosso direito de manifestação não está sendo garantido e nem a nossa segurança. Pedimos providências dos órgãos urgentemente para garantir nossa segurança”

Povo Munduruku bloqueou BR-163 no dia 25 de março, em protesto contra mesa de conciliação no STF e pela revogação da lei 14.701. Fotos: Associação Pariri / Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ / Coletivo Da’uk / Coletivo Wakoborun
Na carta, os Munduruku também relatam que têm sofrido agressões e xingamentos dos caminhoneiros que transportam soja para os portos da região.
“O racismo e o discurso de ódio dos caminhoneiros que transportam soja para os portos do agronegócio em Miritituba tem se intensificado a cada momento. Na noite do dia 25 em respeito a decisão judicial, nós liberamos a pista, e os caminhoneiros mesmo assim jogaram pedras e atacaram um de nossos guerreiros”, relata o povo, que pede segurança para sua manifestação pacífica.
“Respeitamos o direito de todos e a via ficou aberta toda a noite, mas nosso direito de manifestação não está sendo garantido e nem a nossa segurança. Pedimos providências dos órgãos urgentemente para garantir nossa segurança, pedimos que eles estejam aqui conosco para garantir nosso direito de manifestação”, solicitam os Munduruku.
Leia a carta na íntegra, também disponível no site do Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ:
SOMOS CONTRA o Marco Temporal e a Mesa de conciliação. Revoguem a lei 14.701 JÁ!
Hoje, Quarta-feira, 26 de março de 2025 nós guerreiros e guerreiras Munduruku do alto e médio Tapajós fechamos a dois dias a BR 163 km 25 em Itaituba, localizada sobre a ponte Igarapé Itapacurazinho, manifestando que SOMOS CONTRA o Marco Temporal e a Mesa de conciliação comandada pelo anti-indígena Gilmar Mendes que quer negociar nossos direitos já garantidos na Constituição. Ficaremos aqui até o final da votação! Revoguem a lei 14.701 JÁ!
Nossos Guerreiros e Guerreiras se reuniram para barrar a BR 163, utilizando pneus e madeiras para interditar a via, em protesto, para dialogar com a população e chamar a atenção do poder público, sobre nosso território, nós decidimos! Nosso protesto é legítimo e deve ser respeitado!
Neste primeiro momento que estamos nos manifestando de forma pacífica, sofremos agressões físicas, xingamentos, nossos materiais foram quebrados. O racismo e o discurso de ódio dos caminhoneiros que transportam soja para os portos do agronegócio em Miritituba tem se intensificado a cada momento. Na noite do dia 25 em respeito a decisão judicial, nós liberamos a pista, e os caminhoneiros mesmo assim jogaram pedras e atacaram um de nossos guerreiros. Respeitamos o direito de todos e a via ficou aberta toda a noite, mas nosso direito de manifestação não está sendo garantido e nem a nossa segurança. Pedimos providências dos órgãos urgentemente para garantir nossa segurança, pedimos que eles estejam aqui conosco para garantir nosso direito de manifestação. Quem será responsável se algo acontecer com nossa comitiva será o estado que protege sojeiros e garimpeiros que estão invadindo nosso território?
Nosso Movimento Munduruku de resistência reivindica os direitos do povo. Os ruralistas do Congresso e Senado, querem acabar com os nossos direitos e com nosso território e principalmente com as vidas indígenas, e agora o STF através do Ministro Gilmar Mendes quer rasgar a nossa Constituição e negociar nossos direitos. O governo precisa também se manifestar e proteger nossos direitos, principalmente o de sermos consultados, conforme a convenção 169 da OIT e a nossa própria Constituição. Estamos ocupando e fechando a BR 163, para que o STF respeite a nossa Constituição, acabe com essa Mesa de Conciliação e revogue de vez a Lei 14.701/23 do marco temporal que inclusive já foi decidida por essa Suprema Corte que ela seria inconstitucional. Nem o governo, congresso ou STF podem decidir sobre nossas vidas e nossos territórios, sem antes nos consultar.
Então, neste momento, estamos enviando as nossas mensagens direto ao congresso nacional e ao STF em Brasília. Para que o Ministro Gilmar Mendes possa respeitar nossa história e acabar com essa conciliação dentro do STF. Vamos continuar lutando pelos direitos dos povos indígenas de todo Brasil. Nós lutamos pelos direitos de nossas crianças, jovens e idosos.
Queremos o fim da mesa de conciliação do STF comandada pelo ministro Gilmar Mendes!
Queremos a revogação da Lei do Marco Temporal 14.701/23.
Sawe