27/03/2025

“Qualquer acordo que venha da mesa de negociação é sem legitimidade”, afirma povo Xokleng ao STF

“Não aceitamos nenhuma negociação que restrinja nossos direitos”, afirma carta Xokleng. Seu território esteve no centro do julgamento que enterrou marco temporal, mas é ignorado em conciliação

Povo Xokleng comemora decisão de repercussão geral do STF que enterrou marco temporal, em 22 de setembro de 2023. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Povo Xokleng comemora decisão de repercussão geral do STF que enterrou marco temporal, em 22 de setembro de 2023. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Em carta aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), lideranças do povo Xokleng reforçam a falta de legitimidade da mesa de conciliação conduzida pelo ministro Gilmar Mendes e pedem que a inconstitucionalidade da lei 14.701/2023 seja julgada pela Suprema Corte. Hoje (27), a mesa de conciliação retomou as atividades, depois de um mês de paralisação a pedido do governo federal.

As lideranças estão em Brasília (DF) nesta semana participando de reuniões e audiências para reivindicar seus direitos territoriais e a conclusão da demarcação da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnô, localizada em Santa Catarina.

O território esteve no centro do julgamento de repercussão geral no qual o STF derrubou a tese do marco temporal e reafirmou os direitos constitucionais indígenas. Na ocasião, a Suprema Corte também confirmou a validade da demarcação da TI Ibirama La-Klãnô, razão pela qual os indígenas cobram a homologação da área pelo governo federal.

“Nós, lideranças e comunidade do povo La-Klãnô Xokleng, presentes em Brasília para exigir do governo federal a finalização da nossa demarcação, manifestamos apoio à decisão da Apib [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil] e da Arpinsul [Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul] de afastar-se da mesa de conciliação conduzida pelo ministro Gilmar Mendes do STF”, afirma a carta Xokleng.

“Manifestamos discordância da indicação de lideranças indígenas feita pelo MPI para fazer parte dessa mesa de negociação. As lideranças indígenas indicadas pelo MPI não nos representam”, prosseguem as lideranças.

Em represália ao julgamento que derrotou a tese ruralista do marco temporal e confirmou a demarcação da TI Ibirama La-Klãnô, o Congresso Nacional promulgou, apenas três meses depois, a lei 14.701/2023. A lei afronta diretamente o julgamento constitucional e impõe o marco temporal e uma série de restrições aos direitos territoriais indígenas.

“Qualquer acordo que venha da referida mesa de negociação não tem nenhuma legitimidade, pois nós, Povos Indígenas, não fizemos parte dela. E também não aceitamos nenhum tipo de negociação que restrinja o nosso direito ao território”

No dia 28 de agosto, a Apib decidiu se retirar da Mesa de Conciliação no STF sobre a Lei 14.701. Foto: Tiago Miotto/Cimi

No dia 28 de agosto, a Apib decidiu se retirar da Mesa de Conciliação no STF sobre a Lei 14.701. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por essa razão, a Apib e diversos partidos ingressaram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) questionando a lei, conhecida como “lei do marco temporal”. Ao mesmo tempo, os partidos Liberal (PL), Republicanos e Progressistas ingressaram com uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), pedindo ao STF que confirme a validade da lei.

As ações ficaram sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, que decidiu criar uma mesa de conciliação sobre o tema – e ignorou todos os pedidos para que a lei fosse suspensa enquanto o STF analisa sua constitucionalidade. Em agosto de 2023, a Apib retirou-se da mesa, que caracterizou como uma “negociação forçada”.

“Qualquer acordo que venha da referida mesa de negociação não tem nenhuma legitimidade, pois nós, Povos Indígenas, não fizemos parte dela. E também não aceitamos nenhum tipo de negociação que restrinja o nosso direito ao território”, afirmam os Xokleng.

Além das ADCs, a lei 14.701 é questionada em outras ações e recursos que aguardam tramitação no STF – inclusive no próprio caso de repercussão geral. Os embargos e outros recursos apresentados neste processo ainda precisam ser julgados pela Corte. No ano passado, o ministro Edson Fachin indicou urgência na conclusão deste caso – o que foi, mais uma vez, reforçado pelos Xokleng.

“Reforçamos o pedido para que o presidente do STF agende imediatamente o julgamento, pelo Plenário do STF, do Incidente de Inconstitucionalidade pela via Difusa que trata sobre a lei 14.701/2023, bem como os embargos de declaração no âmbito do RE 1.017.365 (Tema 1031)”, afirma a carta.

Leia a carta na íntegra:

Nós, lideranças e comunidade do povo La-Klãnô Xokleng, presentes em Brasília para exigir do governo federal a finalização da nossa demarcação, manifestamos apoio à decisão da Apib e da Arpinsul de afastar-se da mesa de conciliação conduzida pelo ministro Gilmar Mendes do STF. Manifestamos discordância da indicação de lideranças indígenas feita pelo MPI para fazer parte dessa mesa de negociação. As lideranças indígenas indicadas pelo MPI não nos representam.Ainda, qualquer acordo que venha da referida mesa de negociação não tem nenhuma legitimidade, pois nós Povos Indígenas não fizemos parte dela. E também não aceitamos nenhum tipo de negociação que restrinja o nosso direito ao território.

Reforçamos o pedido para que o presidente do STF agende imediatamente o julgamento, pelo Plenário do STF, do Incidente de Inconstitucionalidade pela via Difusa que trata sobre a lei 14.701/2023, bem como os embargos de declaração no âmbito do RE 1.017.365 (Tema 1031).

Também, exigimos do governo federal, mais uma vez, que possa resolver os problemas da Barragem Norte, a qual foi feita no nosso território, sem nenhum estudo de impacto, e que tomou as nossas melhores terras, gerando enormes prejuízos á comunidade.

Reivindicamos do governo federal, por meio do presidente Lula, a homologação da Terra Indígena Ibirama La-Klãnô, por nós Xokleng tradicionalmente ocupada. Da mesma forma, a imediata desintrusão do nosso território para que possamos tomar posse e usufruir da nossa terra.

Brasília-DF, 26 de março de 2025.

Povo Xokleng

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