29/06/2023

Cimi participa de mesa em audiência pública sobre marco temporal das terras indígenas, no Senado Federal

Reunião foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participava (CDH), do Senado Federal, na manhã desta quinta-feira (29)

Na manhã desta quinta-feira (29), foi realizada uma audiência pública no Senado Federal sobre o marco temporal. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Por Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Na manhã desta quinta-feira (29), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) participou de uma audiência pública sobre o marco temporal das terras indígenas na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), do Senado Federal. A tese contrária aos direitos originários aparece, hoje, nos Três Poderes: no Recurso Extraordinário 1.017.365, do Supremo Tribunal Federal (STF), no Parecer 001/2017, da Advocacia-Geral da União (AGU), e no Projeto de Lei (PL) 2903/2023, que tramita no Senado Federal – antigo PL 490/2007.

Representando o Cimi, Antônio Eduardo Cerqueira, secretário executivo da organização, esteve na mesa da audiência. Participaram também do encontro Maurício Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Andréa Zhouri, presidenta da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Eriki Terena, da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, e Eunice Kerexu, secretária de Direitos Ambientais e Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas. A reunião foi uma iniciativa do presidente da CDH, o senador Paulo Paim (PT/RS).

Na ocasião, o secretário executivo do Cimi traçou um comparativo entre o governo anterior, de Jair Messias Bolsonaro, e a época da ditadura militar – ambos os períodos atacaram, sistematicamente, os direitos dos povos indígenas.

“O Cimi foi fundado em 1972 com a missão de apoiar a luta dos povos indígenas no Brasil. Naquele período, estava em pleno vigor a ditadura militar, que tinha como perspectiva para os povos indígenas uma solução final: acabar com a existência deles no Brasil. Mas, a partir da mobilização dos povos indígenas na década de 1970, com o apoio também de movimentos e da sociedade, os povos resistiram à ditadura militar e conseguiram seus territórios. Ao mesmo tempo, conseguiram ter visibilidade na sociedade civil brasileira”, explicou Antônio Eduardo.

“A partir da mobilização dos povos indígenas na década de 1970, com o apoio também de movimentos e da sociedade, os povos resistiram à ditadura militar e conseguiram seus territórios”

O secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira, durante a audiência pública sobre o marco temporal, na CDH do Senado Federal. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Após o período sombrio da ditadura militar no país, os indígenas conseguiram assegurar seus direitos por meio dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, assim como mencionado pelo secretário do Cimi em reunião. Um dos pontos elencados na Constituição diz que a destinação dos territórios indígenas é de usufruto exclusivo dos povos, sob domínio da União – não do Poder Legislativo ou Judiciário.

Mas, apesar das garantias constitucionais, Antônio Eduardo não deixou de lembrar os incontáveis ataques do governo Bolsonaro contra os direitos originários, assim como ocorreu na época da ditadura.

“Nos últimos quatro anos, volta-se novamente aquela proposta da ditadura militar, de eliminar os povos indígenas. O governo Bolsonaro não reconheceu a existência e resistência desses povos. Pelo contrário, articulou e organizou todo o arcabouço do Executivo Federal, do Estado, da administração pública, para fazer uma ofensiva contra os direitos originários. Vimos a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] se articular contra esses direitos a partir de instruções normativas, portarias e desistências de processos judiciais já sanados no Judiciário, desconhecendo os direitos e fazendo com que a sociedade civil brasileira se voltasse contra os povos indígenas em diversas regiões. E isso significou muita violência”, lamentou.

“O governo Bolsonaro não reconheceu a existência e resistência desses povos. Pelo contrário, articulou e organizou todo o arcabouço do Executivo Federal”

Indígenas cobraram a demarcação de suas terras e vacinas para todos, além de denunciar as políticas anti-indígenas do governo Bolsonaro e o PL 490/2007, na pauta de votação no Congresso. Foto: Adi Spezia/Cimi

Indígenas cobraram a demarcação de suas terras e vacinas para todos, além de denunciar as políticas anti-indígenas do governo Bolsonaro e o PL 490/2007, quando tramitava na Câmara Federal. Foto: Adi Spezia/Cimi

Projeto de Lei 2903/2023

Após ser aprovado na Câmara Federal, por 283 votos a 155, no dia 30 de maio deste ano, o PL 490/2007 seguiu para o Senado Federal e está, agora, sob numeração PL 2903/2023. O projeto tem como objetivo inviabilizar, na prática, as demarcações dos territórios indígenas por meio da tese inconstitucional do marco temporal, além de flexibilizar o usufruto dos territórios para a exploração de terceiros e extinguir o direito de consulta aos povos segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Às vésperas do julgamento sobre o caso de repercussão geral sobre direitos originários, no STF, deputados federais ruralistas – e aliados – aprovaram o projeto em uma tentativa de pressionar a Suprema Corte para retirá-lo de pauta. Apesar de ter sido retomado no dia 7 de junho, o julgamento foi adiado, mais uma vez, após pedido de vista – dessa vez, feito pelo ministro indicado por Bolsonaro, André Mendonça.

A audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (29) teve como objetivo justamente discutir todo o contexto que envolve o marco temporal, incluindo a passagem da tese no Legislativo.

Em requerimento feito para a realização da audiência, o senador Paulo Paim (PT/RS) diz que “os direitos originários dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam devem ser reconhecidos e protegidos independentemente do contexto político em que foram conquistados”.

“Os direitos originários dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam devem ser reconhecidos e protegidos”

Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) realizou audiência pública, no dia 29 de junho 2023, para debater “O marco temporal: reconhecimento, demarcação e o uso de terras indígenas”. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O senador também é contra o PL 2903/2023, por entender que a proposição restringe os direitos originários. Defendida por ruralistas e setores econômicos interessados na exploração predatória das terras tradicionais, a tese do marco temporal diz que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que, naquela data, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada.

“É de se estranhar que o Legislativo brasileiro venha conceber um projeto de lei, o PL 2903, antigo PL 490, em que retoma toda essa discussão do extermínio dos povos indígenas em pleno século 21, quando mundo todo se mobiliza para salvar o planeta. E é de conhecimento de todos que a demarcação dos territórios indígenas não protege só os próprios indígenas, mas também toda a população, a natureza, toda a biodiversidade. Em pleno século 21, vemos uma elite agrária retrograda se articular e pensar de uma forma não afirmativa ou construtiva, mas destrutiva”, se posiciona Antônio Eduardo sobre a tramitação do PL 2903/2023, que aguarda apreciação do Senado Federal.

“Em pleno século 21, vemos uma elite agrária retrograda se articular e pensar de uma forma não afirmativa ou construtiva, mas destrutiva”

Marco temporal é uma escolha retórica oportunista e criminosa de convencimento, desprovida de fundamento jurídico e doutrinário que busca açoitar ainda mais os povos indígenas do Brasil. Foto: Bianca Feifel

“Cabe a cada um de nós dar o devido apoio à luta desses povos. A luta é nossa. Somos lutadores pelo planeta, por dias melhores da sociedade brasileira”, finaliza o secretário executivo do Cimi, que foi aplaudido pelas pessoas presentes na audiência.

O PL 2903/2023 está em tramitação nas comissões de Agricultura e Reforma Agrária e na de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), ambas do Senado Federal. Espera-se que a proposição seja apreciada, ainda, pelas comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa e de Assuntos Sociais (CAS), também da Casa, a fim de ampliar o debate sobre o assunto.

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