16/06/2023

ACO 1.100: julgamento de ação que envolve o povo Xokleng é adiado após pedido de vista no STF

O povo aguarda há mais de dez anos a resolução do conflito que envolve a TI Ibirama-Laklãnõ; a ação recebeu um voto contrário do ministro Edson Fachin e aguarda análise de Gilmar Mendes

Marcha realizada no dia julgamento do marco temporal no STF. Foto: Verônica Holanda

Por Maiara Dourado, da Assessoria de Comunicação do Cimi

A Ação Cível Originária (ACO) 1100 voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana (7), mas teve sua discussão abreviada após pedido de vista feito pelo ministro Gilmar Mendes. O pedido, feito uma semana depois da retomada do processo, suspendeu, na última quarta-feira (14), o julgamento para análise mais detida do ministro. 

A suspensão adia a resolução do caso que envolve a disputa possessória da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ do povo Xokleng, que integra também o centro do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) de repercussão geral no STF, que julgará a procedência jurídica da tese do marco temporal. 

A suspensão adia a resolução do caso que envolve a disputa possessória da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ

A interrupção se deu após o voto do ministro e relator do processo, Edson Fachin, que julgou improcedente o pedido de anulação da demarcação da Terra Indígena, localizada no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. A suspensão, contudo, não foi nenhuma surpresa para o povo Xokleng. Para Brasílio Priprá, liderança deste povo, ela já era prevista, ainda que houvesse a expectativa de que a Suprema Corte desse prosseguimento à votação. 

O povo Xokleng aguarda há mais de quinze anos pela decisão dos ministros sobre a constitucionalidade da portaria que declara terra indígena o território por eles tradicionalmente ocupado, uma área de 37.108 hectares. A portaria, emitida em 2003 pelo Ministério da Justiça (MJ) é alvo de questionamento por parte dos autores da ação.

O povo Xokleng aguarda há mais de quinze anos pela decisão dos ministros sobre a constitucionalidade da portaria

Marcha realizada no dia julgamento do marco temporal no STF. Foto: Verônica Holanda

Em 2007, a empresa Batistela Agroflorestal, que explora madeira na região, e ocupantes não indígenas do território tradicional Xokleng ingressaram com a ACO que questiona  a legalidade da portaria, utilizando como argumento principal a tese do marco temporal.

“Apesar da demora, a gente encarou isso [a suspensão] como algo normal. Somos um país democrático, os ministros têm essa liberdade, mas temos certeza que ele [o ministro Gilmar Mendes] vai votar contra o marco temporal, porque isso é importante para os povos indígenas, para o povo brasileiro”, considerou a liderança Xokleng.

Temos certeza que ele [o ministro Gilmar Mendes] vai votar contra o marco temporal

Para Paloma Gomes, advogada e assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a expectativa é que o ministro Gilmar Mendes devolva o voto à Corte assim que se retorne à pauta a discussão do Recurso Extraordinário (RE) de repercussão geral. Ao pedir mais tempo para apreciar a ação, “o ministro Gilmar Mendes se comprometeu perante os demais ministros da Corte a devolver os autos para que os dois casos sejam julgados juntos”, explica a assessora do Cimi.

Repercussão geral 

Não por coincidência, o julgamento da ACO foi suspenso uma semana depois da interrupção da decisão do RE, também adiada por um pedido de vista, na ocasião, realizado pelo ministro André Mendonça. Apesar de serem processos distintos, ambos possuem, em seu bojo, a tese do marco temporal como argumento jurídico para deslegitimar os processos de demarcação das terras indígenas, o que explica a relação entre os casos. 

A tese, que estabelece a data de promulgação da Constituição Federal – dia 5 de outubro de 1988 – como prazo limite para que os povos indígenas reivindiquem a posse de suas terras, está em debate no STF e possui, desde 2019, caráter de repercussão geral. Isto significa que o que for decidido no julgamento do RE terá seu efeito ampliado para os demais povos indígenas do Brasil e servirá de referência para a todos os processos que envolvam a demarcação das terras por eles requerentes. Inclusive, para a resolução da ACO 1100. 

Não por coincidência, o julgamento da ACO foi suspenso uma semana depois da interrupção da decisão do RE

 

Marcha realizada no dia do julgamento do marco temporal no STF. Foto: Maiara Dourado

Voto Fachin 

Na audiência, antes da suspensão do julgamento da ACO 1100, o ministro Edson Fachin, leu seu voto e rejeitou o pedido de anulação da demarcação da TI do povo Xokleng. O ministro declarou a constitucionalidade da portaria declaratória, questionada pelos autores da ação, o que para a assessora jurídica do Cimi “garante uma reparação histórica aos povos indígenas, tendo em vista que essa ocupação tradicional [do povo Xokleng] remonta décadas e décadas passadas”. 

“O que o ministro fez foi reconhecer que o povo Xokleng foi expulso desse território sobre o jugo de muita violência. O fato deles não estarem em posse desse território em 1988, que era o que pleiteava os autores da ação, não significou a perda da tradicionalidade do território”, explica a advogada. 

“O que o ministro fez foi reconhecer que o povo Xokleng foi expulso desse território sobre o jugo de muita violência”

Marcha realizada no dia do julgamento do marco temporal no STF. Foto: Maiara Dourado

O voto do ministro garantiu alguma esperança ao povo Xokleng, que considera a possibilidade dos “outros ministros votarem na mesma linha”. Para Brasílio, que acompanhou, presencialmente, o julgamento  da ACO, “é uma questão de respeito aos povos indígenas, ao direito tradicional originário dos povos e ao trabalho que fazemos em benefício não só da sociedade brasileira, mas também do mundo. Nós, povos indígenas, nos orgulhamos disso e temos certeza que o Supremo vai reconhecer os nossos direitos e o direito do povo brasileiro, que precisa do meio ambiente para que nós vivamos melhor nesse país, no mundo”, avalia a liderança.  

 

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