Justiça indefere pedido de fazendeiro e mantém indígenas Guarani e Kaiowá na retomada de Guapo’y, em Amambai (MS)
O pedido foi indeferido pela Justiça Federal de Ponta Porã (MS) nessa segunda-feira (4); o caso não está concluído, mas, por ora, os indígenas receberão “proteção integral” conforme a decisão
Em uma decisão histórica no estado de Mato Grosso do Sul, a Justiça Federal de Ponta Porã indeferiu, nessa segunda-feira (4), um pedido para despejar os Guarani e Kaiowá da retomada de Guapo’y, em Amambai (MS). A solicitação (medida de urgência) foi feita pelo proprietário da fazenda que ocupa, atualmente, a região – ou parte do território indígena, considerado sagrado para os Guarani e Kaiowá.
No texto da decisão, o juiz explica que “o indeferimento da medida de urgência de modo algum implica a resolução do caso”. Mas, por ora, “não se vislumbra a existência de elementos que descaracterizem o movimento de disputa por terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas diante da completa ineficiência estatal em resolver a questão”.
“Na situação dos autos foram colhidos elementos mais do que convincentes a respeito da relevância da discussão promovida pela comunidade indígena, o que justifica pelo menos que recebam a proteção integral e atenção às suas reivindicações, oportunidade a partir da qual poderão ser impelidas a se retirarem do local tomado”, acrescenta.
“Foram colhidos elementos mais do que convincentes a respeito da relevância da discussão promovida pela comunidade indígena, o que justifica pelo menos que recebam a proteção integral”
A audiência, que foi realizada de forma telepresencial, contou a com a participação do advogado dos Guarani e Kaiowá e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado de Mato Grosso do Sul, Anderson Santos, com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal (MPF) – entre eles um antropólogo, da Defensoria Pública da União (DPU), da União, da comunidade indígena de Guapoy e com o advogado do proprietário da fazenda.
O advogado e assessor jurídico do Cimi, Anderson Santos, presente na audiência, disse que “o juiz ouviu a preposta do proprietário da fazenda, que se esquivou em dizer de onde surgiu a ordem para que a Polícia Militar atuasse no território, promovendo o despejo e a morte do indígena Vitor Fernandes”.
“O juiz ouviu a preposta do proprietário da fazenda, que se esquivou em dizer de onde surgiu a ordem para que a Polícia Militar atuasse no território”
“Tivemos uma decisão rara no estado de Mato Grosso do Sul. Agora, o juiz irá aguardar o andamento do processo para ter melhor fundamentação quanto à reivindicação feita pela comunidade”, explicou o advogado.
Durante as considerações finais da audiência, o representante da fazenda admitiu que o caso envolve questões indígenas “complexas” e “antigas” na luta pela terra tradicionalmente ocupada por eles.
Proibido despejo
Anderson lembrou, ainda, que, apesar de não constar no texto de decisão da Justiça Federal de Ponta Porã, o que a torna ainda mais excepcional, os indígenas devem ser resguardados por uma determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em maio de 2020, a Corte determinou a suspensão de todos os processos que tratem do tema que possam resultar na anulação de demarcações ou no despejo de comunidades indígenas. A decisão do ministro Fachin é válida até o fim da pandemia de Covid-19 ou até o término do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 – caso ele ainda não tenha sido concluído quando a crise sanitária for considerada encerrada. Apesar disso, as medidas estão sendo burladas e desrespeitadas por juízes e forças de segurança.
Nesta semana, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, prorrogou até o dia 31 de outubro de 2022 a suspensão de despejos e desocupações, em razão da pandemia de Covid-19. A medida também poderá resguardar os indígenas até – pelo menos – o prazo estabelecido por Barroso.
Caso Guapo’y
Na manhã do dia 24 de junho, logo após os indígenas chegarem à Sede da fazenda construída sobre Guapo’y, território indígena localizado em Amambai (MS), os invasores – policiais militares – entraram na área com intuito de expulsar, por meio do uso da força, os indígenas, mesmo não havendo ordem judicial. O caso ficou conhecido como o ‘Massacre de Guapo’y’.
“Os invasores – policiais militares – entraram na área com intuito de expulsar, por meio do uso da força, os indígenas, mesmo não havendo ordem judicial”
Esse episódio ficou marcado pela morte de Vitor Fernandes Guarani Kaiowá, de 42 anos, – que, inclusive, era uma Pessoa com Deficiência (PcD) – assassinado a sangue frio e em plena luz do dia por agentes da polícia. Além de Vitor, dezenas de pessoas ficaram feridas devido aos disparos de arma de fogo e de bala de borracha – lançados pelos invasores contra os indígenas.
A reserva de Amambai é a segunda maior do estado de Mato Grosso do Sul em termos populacionais, com quase 10 mil indígenas. Para os Guarani e Kaiowá, Guapo’y é parte de um território tradicional que lhes foi roubado – quando houve a subtração de parte da reserva de Amambai. Os indígenas ainda clamam por atenção e exigem proteção às suas vidas e aos seus direitos.