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Justiça indefere pedido de fazendeiro e mantém indígenas Guarani e Kaiowá na retomada de Guapo’y, em Amambai (MS)

Durante enterro de Vitor Fernandes, povos Guarani e Kaiowá pedem a demarcação de seus territórios. Foto: povos Guarani e Kaiowá

Por Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Em uma decisão histórica no estado de Mato Grosso do Sul, a Justiça Federal de Ponta Porã indeferiu [1], nessa segunda-feira (4), um pedido para despejar os Guarani e Kaiowá da retomada de Guapo’y, em Amambai (MS). A solicitação (medida de urgência) foi feita pelo proprietário da fazenda que ocupa, atualmente, a região – ou parte do território indígena, considerado sagrado para os Guarani e Kaiowá.

No texto da decisão, o juiz explica que “o indeferimento da medida de urgência de modo algum implica a resolução do caso”. Mas, por ora, “não se vislumbra a existência de elementos que descaracterizem o movimento de disputa por terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas diante da completa ineficiência estatal em resolver a questão”.

“Na situação dos autos foram colhidos elementos mais do que convincentes a respeito da relevância da discussão promovida pela comunidade indígena, o que justifica pelo menos que recebam a proteção integral e atenção às suas reivindicações, oportunidade a partir da qual poderão ser impelidas a se retirarem do local tomado”, acrescenta.

“Foram colhidos elementos mais do que convincentes a respeito da relevância da discussão promovida pela comunidade indígena, o que justifica pelo menos que recebam a proteção integral”

Indígena Guarani Kaiowá durante enterro de Vitor Fernandes, no território de Guapo’y, em Amambai (MS). Foto: povos Guarani e Kaiowá

A audiência, que foi realizada de forma telepresencial, contou a com a participação do advogado dos Guarani e Kaiowá e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado de Mato Grosso do Sul, Anderson Santos, com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal (MPF) – entre eles um antropólogo, da Defensoria Pública da União (DPU), da União, da comunidade indígena de Guapoy e com o advogado do proprietário da fazenda.

O advogado e assessor jurídico do Cimi, Anderson Santos, presente na audiência, disse que “o juiz ouviu a preposta do proprietário da fazenda, que se esquivou em dizer de onde surgiu a ordem para que a Polícia Militar atuasse no território, promovendo o despejo e a morte do indígena Vitor Fernandes”.

“O juiz ouviu a preposta do proprietário da fazenda, que se esquivou em dizer de onde surgiu a ordem para que a Polícia Militar atuasse no território”

“Tivemos uma decisão rara no estado de Mato Grosso do Sul. Agora, o juiz irá aguardar o andamento do processo para ter melhor fundamentação quanto à reivindicação feita pela comunidade”, explicou o advogado.

Durante as considerações finais da audiência, o representante da fazenda admitiu que o caso envolve questões indígenas “complexas” e “antigas” na luta pela terra tradicionalmente ocupada por eles.

 

Proibido despejo

Anderson lembrou, ainda, que, apesar de não constar no texto de decisão da Justiça Federal de Ponta Porã, o que a torna ainda mais excepcional, os indígenas devem ser resguardados por uma determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em maio de 2020, a Corte determinou a suspensão de todos os processos [2] que tratem do tema que possam resultar na anulação de demarcações ou no despejo de comunidades indígenas. A decisão do ministro Fachin é válida até o fim da pandemia de Covid-19 ou até o término do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 [3] – caso ele ainda não tenha sido concluído quando a crise sanitária for considerada encerrada. Apesar disso, as medidas estão sendo burladas e desrespeitadas por juízes e forças de segurança.

Nesta semana, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, prorrogou até o dia 31 de outubro de 2022 a suspensão de despejos e desocupações, em razão da pandemia de Covid-19. A medida também poderá resguardar os indígenas até – pelo menos – o prazo estabelecido por Barroso.

 

Caso Guapo’y

Na manhã do dia 24 de junho, logo após os indígenas chegarem à Sede da fazenda construída sobre Guapo’y, território indígena localizado em Amambai (MS), os invasores – policiais militares – entraram na área com intuito de expulsar, por meio do uso da força, os indígenas, mesmo não havendo ordem judicial. O caso ficou conhecido como o ‘Massacre de Guapo’y’.

“Os invasores – policiais militares – entraram na área com intuito de expulsar, por meio do uso da força, os indígenas, mesmo não havendo ordem judicial”

O enterro de Vitor Fernandes, em Guapo’y, Amambai (MS), ficou marcado por muita comoção e revolta. Foto: povos Guarani e Kaiowá

Esse episódio ficou marcado pela morte de Vitor Fernandes Guarani Kaiowá, de 42 anos, – que, inclusive, era uma Pessoa com Deficiência (PcD) – assassinado a sangue frio e em plena luz do dia por agentes da polícia. Além de Vitor, dezenas de pessoas ficaram feridas devido aos disparos de arma de fogo e de bala de borracha – lançados pelos invasores contra os indígenas.

A reserva de Amambai é a segunda maior do estado de Mato Grosso do Sul em termos populacionais, com quase 10 mil indígenas. Para os Guarani e Kaiowá, Guapo’y é parte de um território tradicional que lhes foi roubado – quando houve a subtração de parte da reserva de Amambai. Os indígenas ainda clamam por atenção e exigem proteção às suas vidas e aos seus direitos.