Delegação da Bahia entrega ao STF pedido para retomar e concluir julgamento sobre demarcações de terras indígenas
Em Brasília, indígenas compareceram ao STF na tarde dessa quinta-feira (10) para entregar documento e pedir a ministros que digam não ao marco temporal
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu pedido para retomar e concluir o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata das demarcações das terras indígenas do país. Desta vez, foi a delegação dos povos da Bahia que recorreu à Corte para solicitar o desfecho do caso: quatro lideranças, dos 150 indígenas que estiveram na capital federal entre os dias 7 e 10 de março, protocolaram no STF um documento na tarde dessa quinta-feira (10).
“Vimos até Vossa Excelência, com o respeito de sempre a esta Corte, pedir que possa contribuir com o célere desfecho do caso (Tema 1031), dada a imperiosa necessidade de garantir mais segurança aos povos indígenas; ainda, pedir que possa fazer valer o direito constitucional dos povos indígenas e declarar inconstitucional a tese do marco temporal, que tanto já prejudicou os povos originários”, afirmam as lideranças em documento.
“Pedir que possa fazer valer o direito constitucional dos povos indígenas e declarar inconstitucional a tese do marco temporal, que tanto já prejudicou os povos originários”
O julgamento chegou a iniciar, em setembro de 2021, em meio a uma intensa mobilização de povos indígenas de todo o país, mas foi suspenso após um pedido de vista. Agora, o caso foi novamente incluído no calendário da Corte e será retomado pelo plenário no dia 23 de junho.
A ida dos povos da Bahia à Corte contou também com a participação das assessorias de Comunicação e Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Presente no STF, Rafael Modesto, assessor jurídico do Cimi, falou sobre a importância de os indígenas estarem na capital federal neste momento.
“A presença dos povos indígenas da Bahia é importante e simbólica neste momento em Brasília, dado o contexto, a conjuntura. Especialmente nesse momento, em que a Câmara dos Deputados avança no projeto de lei que tem como objetivo a exploração comercial e predatória das terras indígenas, mesmo com o impedimento constitucional”, afirma Rafael, fazendo referência à recente aprovação da tramitação em urgência do Projeto de Lei (PL) 191/2020 pela Câmara.
“A presença dos povos indígenas da Bahia é importante e simbólica neste momento em Brasília, dado o contexto, a conjuntura”
“A vinda deles tende a trazer a voz dos povos indígenas em Brasília, dizendo ‘não’ ao avanço desses projetos que significam grandes retrocessos à sociedade brasileira, porque as terras indígenas são patrimônio público, propriedade da União, usufruto exclusivo dos indígenas. Com certeza a presença deles em Brasília é muito importante para lutar contra esses retrocessos, contra o marco temporal. E dizer ‘sim’ às garantias fundamentais, ao futuro das demarcações, à garantia dos povos indígenas em seus territórios de ocupação tradicional, assim como determina a Constituição Federal”, finaliza.
No STF, as lideranças – dos povos Kiriri, Pataxó, Tupinambá e Atikum – protocolaram o documento com o pedido de conclusão do julgamento do RE 1.017.365 nos gabinetes dos ministros que ainda não apresentaram voto: Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
Ao Cimi, Lourdes Pataxó, liderança do povo Pataxó, disse que é preciso derrubar, o quanto antes, o marco temporal. “Viemos aqui no STF hoje para pedir aos ministros que não votem a favor do marco temporal. Estamos passando por um momento muito difícil e, se aprovarem essa medida, vai piorar muito a situação dos povos indígenas de todo o país”, afirmou após fazer a entrega do pedido nos gabinetes.
“Estamos passando por um momento muito difícil e, se aprovarem essa medida, vai piorar muito a situação dos povos indígenas”
Entenda: RE 1.017.365
No mérito, o Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que tramita no STF, trata de um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional.
A terra em disputa faz parte do território Ibirama-Laklanõ, reduzido ao longo do século XX. Além dos Xokleng, vivem também no local indígenas dos povos Guarani e Kaingang. Os indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.
Em 2019, o processo teve sua repercussão geral reconhecida pela Suprema Corte, o que significa que a decisão tomada neste caso servirá como referência para todos os outros processos, julgamentos e decisões envolvendo o tema das demarcações de terras indígenas.
A expectativa dos povos originários é que os ministros do STF posicionem-se a favor dos direitos constitucionais indígenas e contra a tese ruralista do “marco temporal”, utilizada para inviabilizar as demarcações de terras indígenas. No momento, o julgamento que foi interrompido após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes teve um voto favorável aos povos indígenas, proferido pelo relator do caso, o ministro Edson Fachin, e um voto contrário aos direitos indígenas, expresso pelo ministro Nunes Marques.
Saiba mais: cimi.org.br/repercussaogeral