• 22/11/2012

    Povo Pataxó realiza retomada na Bahia e comunidade é ameaçada

    Índios Pataxó do extremo sul da Bahia retomaram no último dia 18 área reivindicada como de ocupação tradicional. A propriedade rural, Fazenda Santa Lúcia, com 54 hectares, está dentro dos limites da demarcação das terras indígenas no Parque Nacional do Descobrimento, caso de Cahy-Pequi (Comexatibá).

    Lideranças informam que estão sendo ameaçadas por homens que se passam por policiais militares; dizem que se os índios não saírem por bem, vão sair ‘na bala’.

    A fazenda fica localizada a nove quilômetros de Cumuruxatiba, sendo que é usada para a criação de gado. Antes da chegada do invasor, a área era de mata nativa, derrubada para dar lugar ao pasto.

    Em 18 de março do ano passado, a Funai publicou a Portaria 365, que constituiu um Grupo de Trabalho com o objetivo de realizar estudos complementares. O trabalho do GT só teve início em 15 de abril deste ano. Da mesma forma, deveria ter publicado o resultado técnico em até 60 dias, o que ainda não aconteceu.

     

    A retomada visa sinalizar ao governo federal que a comunidade não aceita mais a demora da demarcação das terras dos Pataxó.

     

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  • 21/11/2012

    Raízes, aprendizados e rumos pastorais do Cimi

    Repensar a missão com fidelidade e audácia (cf. DAp 11)

     

    1. Labirintos da missão pré-conciliar

     

    Historicamente, a evangelização dos pobres podia ser resumida com a sigla de “conformação sistêmica” e “consolação humana”. Já a evangelização dos outros, dos povos indígenas, por exemplo, trabalhou com os prefixos de “assimilação” e “conversão”. Para os missionários, ambas as bandeiras, a da “conformação consoladora” e da “conversão assimilacionista” abriram caminhos para a salvação das almas e a integração social. A integração social acoplada à salvação das almas era a garantia para conter revoltas e revoluções nos territórios conquistados. A missão produziu submissão e garantiu em alguns momentos de glória um mínimo de direitos humanos nos limites do sistema colonial.

     

    50 anos atrás, o Vaticano II produziu 16 documentos que procuravam romper com essa situação e romperam com duas vertentes ideológicas, incompatíveis com o evangelho de Jesus Cristo, romperam com as heranças do Império Romano e do sistema colonial. Com a decretação do cristianismo como religião oficial do Império Romano, em 380, pelo imperador bizantino Teodósio I., e com a progressiva decadência desse império, insígnias, liturgias, estruturas e modos de administração imperiais foram assumidas pela nova religião de Estado. De geração para geração, de século para século, foram transmitidas e se tornaram fetiches do cristianismo, sinais mágicos da violência. Setores do Vaticano II estavam decididos de romper com essa herança, historicamente, caducada.

     

    No final do Concílio, no “Pacto das Catacumbas”, de 1965, 40 padres conciliares renunciaram à herança do Império Romano, “à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos)”; recusaram-se a ser chamados “com nomes e títulos que significassem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…)”. Paulo VI deu um sinal na mesma direção quando, no dia 13 de novembro de 1964, antes de viajar para Bombaim, colocou a Tiara, a tríplice coroa dos papas, no altar de S. Pedro para nunca mais usá-la. Mas, para o conjunto da Igreja Católica, muitas das estruturas e da indumentária imperiais até hoje não foram abolidas.

     

    No início do Vaticano II, os símbolos imperiais e a ideologia colonial ainda estiveram presentes não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Os documentos oficiais da Igreja Católica latino-americana do fim do século XIX e da primeira metade do século XX apontam para uma Igreja que defende seus privilégios como meio e a civilização ocidental como meta missionária, sobretudo para as "tribos que ainda permanecem na infidelidade" [n. 770] (cf. CONCÍLIO PLENÁRIO, Actas, 1906, itens 547s, 619, 627, 770-774). Muitas das deliberações pastorais do Concílio Plenário da América Latina, celebrado em Roma em 1899, repetem os tópicos elencados trezentos anos antes, na primeira fase de colonização, nos concílios de México e Lima.

     

    A “Pastoral Collectiva” e as "Resoluções e Estatutos" da Província Eclesiástica Meridional do Brasil, de 1901, mostram uma Igreja romanizada, defensiva e voltada para si mesma, sem nenhuma preocupação com os povos indígenas (cf. PASTORAL COLLECTIVA, 1902). A mesma despreocupação refletem as Cartas Pastorais, como aquela que o episcopado brasileiro escreveu por ocasião do Centenário da Independência (cf. CARTA PASTORAL, 1922); a mesma lacuna encontra-se nos 489 cânones do Primeiro Concílio Plenário Brasileiro, celebrado em 1939 no Rio de Janeiro (cf. CONCILIUM PLENARIUM BRASILIENSE, 1939). Mas, em cada ano dessa época, um povo indígena foi definitivamente exterminado.

     

    Para o trabalho missionário, um dos precursores da descolonização foi Charles de Foucauld (1858-1916). Com seus seguidores nos mais diversos movimentos espirituais e fundações religiosas, antecipava questões posteriormente articuladas em torno do paradigma da inculturação e da presença missionária. No contexto pós-colonial da opção pelos outros, emerge a opção pelos operários de um Joseph Cardijn que, em 1924, fundou na Bélgica a Juventude Operária Cristã (JOC), inspirando a Ação Católica com seu método da “revisão de vida” (ver, julgar, agir). A sobriedade missionária do movimento dos padres operários e da Mission de France já apontaram para a opção pelos pobres. A criatividade e tenacidade dos movimentos litúrgico, bíblico e ecumênico abriram, muito antes do Vaticano II, perspectivas para a celebração da vida e para a leitura da palavra de Deus a partir do respectivo contexto cultural e histórico. Finalmente, o papa João XXIII, na encíclica Pacem in terris (1963), invoca a descolonização como um sinal de Deus no tempo [n. 42]. O anúncio do Vaticano II, na festa da conversão do apóstolo Paulo, dia 25 de janeiro de 1959, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, tem um profundo significado simbólico. Data, lugar e pessoa escolhidos pelo papa João XXIII apontam para o propósito de reconstruir uma Igreja com atitude de conversão fora dos muros do legalismo; apontam para uma Igreja apostólica, cuja atividade missionária se torna responsabilidade libertadora para com toda a humanidade. A missão da Igreja começa “fora dos muros”, entre aqueles que vivem nas margens das respectivas sociedades.

     

    Como colocar a Igreja em dia com o mundo e com uma nova consciência histórica, e inseri-la na realidade de hoje? Inserção na realidade, consciência histórica, contemporaneidade, sem concessões aos modismos, e visão utópica delineiam o campo semântico do aggiornamento de João XXIII.

     

    2. A virada pastoral do Cimi: voz e vez dos povos indígenas

     

    Ao Cimi coube a tarefa de conduzir a causa dos povos indígenas do labirinto colonial à planície pós-conciliar e da invisibilidade política e da tutela colonial ao confronto com o poder político. Este visava através das senhas de integração, emancipação, desenvolvimento e sustentabilidade, encaminhar os povos indígenas para o desaparecimento de sua alteridade.

     

    As inovações verbais e documentais do Concílio foram significativas, porém, muitas vezes, polissêmicas e não obrigatórias. Permitiram, ao lado da caminhada do Cimi, outros caminhos e projetos, uns, pré-conciliares, outros modernizantes e ainda outros afinados com os respectivos governos. A pastoral do Cimi foi uma opção, não uma obrigação. Este fato permitiu, no tempo pós conciliar, parar processos, obstaculizar caminhos, reverter reformas, às vezes no campo simbólico, às vezes, no campo real. Na situação de um pluralismo pastoral quase pós-moderno, algumas afirmações nos incomodaram particularmente:

     

    – a negação da existência de índios em determinadas dioceses: “Na nossa diocese não têm mais índios; são todos caboclos”;

    – a negação do protagonismo e da voz própria dos povos indígenas: “Eu amo os índios, mas odeio o Cimi”;

    – a confusão da proteção específica dos povos indígenas com sua manutenção no atraso de uma redoma cultural: “O Cimi tem uma visão romântica e não histórica dos povos indígenas”;

    – a negação da relevância pastoral do trabalho indigenista do Cimi: “Eu tenho a `minha´ pastoral indigenista, porque o Cimi não faz pastoral; o Cimi presta apenas um serviço social”.

     

    Não é difícil mostrar o fundo ideológico e interesseiro dessas afirmações. Limito a minha colocação a alguns passos pastoralmente relevantes, que procuravam traduzir as inspirações fundamentais do Vaticano II para a caminhada do Cimi.

     

    Primeiro: Da pastoral dedutiva à pastoral indutiva

     

    A Constituição Pastoral Gaudium et spes, mais do que outros Documentos do Vaticano II, assume um discurso indutivo, partindo da vida concreta da humanidade, das alegrias e esperanças, das tristezas e angústias, “sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem” (GS 1). A leitura dos “sinais dos tempos” e a interpretação das mensagens que Deus envia a partir do mundo secular à sua Igreja foram reconhecidas como uma espécie de revelações históricas: “A própria Igreja não ignora o quanto tenha recebido da história e da evolução da humanidade”, nos informa a Gaudium et spes (GS 44,1).

     

    Para o Cimi, a tradução desse impulso conciliar de uma pastoral indutiva aconteceu nas “Assembleias dos povos indígenas”. Para fortalecer o protagonismo indígena, o Cimi incentivou, desde 1974, a organização de assembleias de líderes indígenas. Nessas assembleias, na escuta da voz dos povos indígenas e na interpretação dos sinais do tempo transmitidos nos relatos de sua história sofrida, o Cimi assumiu a metodologia teológica do “ver-julgar-agir”, reconhecida pelo magistério eclesial desde a programática Carta Encíclica Mater et magistra, de João XXIII (1961) [MM 235]. Essas assembleias indígenas foram para o Cimi eventos que permitiram várias vezes superar “pontos mortos” da tradição pastoral indigenista e reconhecer os povos indígenas como sujeitos da missão. Acreditamos na racionalidade e significância da dor dos povos indígenas e procuramos não só interpretá-la, mas denunciar a sua origem e interromper as suas consequências. Experimentamos nessas assembleias o que pode aparecer como frase de efeito no Documento de Aparecida: “Quantas vezes os pobres e os que sofrem nos evangelizam realmente” (DAp 257)! As inspirações pastorais do Cimi vieram da práxis pastoral, do chão das aldeias indígenas.

     

    Segundo: Do monopólio salvífico ao diálogo inter-religioso

     

    A realidade do outro não representa uma tábula rasa, mas uma realidade a ser assumida em continuidade e, ao mesmo tempo, com rupturas. Onde a missão chega, Deus já está presente. Ele nos precede em todos os povos. Aprendemos a assumir e contextualizar a história dos povos indígenas no interior da história de salvação. O aggiornamento de João XXIII sugeriu a passagem de um mundo pré-moderno e fundamentalista à assunção crítica da modernidade; apontou para a passagem do monólogo salvífico ao diálogo com outras religiões, credos e visões do mundo.

     

    Missionários exemplares como José de Anchieta (1534-1597) e Antônio Vieira (1608-1697), no Brasil, ensinavam a doutrina oficial da Igreja-cristandade. Para eles, o mundo do outro, do não católico, era um mundo sem graça.

     

    Os princípios hermenêuticos dessa atividade missionária são conhecidos:

     

    a) O cristianismo em sua vertente católica é a única religião que salva.

    b) As religiões dos outros são religiões idolátricas porque não têm por base a revelação do verdadeiro Deus.

    c) O empenho na salvação das almas é um dever urgente da Igreja.

    d) O diálogo inter-religioso serve para convencer o outro dos seus erros e convertê-lo ao cristianismo.

     

    Essa era a doutrina oficial – não só da Igreja Católica, mas também da maioria das denominações cristãs – até a primeira metade do século XX.

     

    O Vaticano II trouxe mudanças substanciais que aqui são resumidamente elencadas:

     

    a) “O Salvador quer que todos os homens se salvem” (LG 16; cf. 1Tim 2,4).

    b) “O plano da salvação abrange também àqueles que reconhecem o Criador” (LG 16), muitas vezes, em religiões não cristãs que “refletem lampejos daquela Verdade que ilumina todos os homens” (NA 2b). De ninguém, que procura “o Deus desconhecido em sombras e imagens, Deus está longe” (LG 16a). Essa afirmação significa um reconhecimento salvífico das religiões não cristãs.

    c) Cristãos e não cristãos podem ser associados ao mistério pascal e à esperança da ressurreição: “Devemos admitir que o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de se associarem, de modo conhecido por Deus, a este mistério pascal” (GS 22).

    d) Todos “que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e Sua Igreja, mas buscam a Deus com coração sincero e tentam, sob o influxo da graça, cumprir por obras a Sua vontade conhecida através do ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna” (LG 16). “Deus pode por caminhos d´Ele conhecidos levar à fé os homens que sem culpa própria ignoram o Evangelho” (AG 7a).

    e) A liberdade religiosa é um direito da pessoa humana e um pressuposto da missão. “Em assuntos religiosos ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, nem se impeça de agir de acordo com ela” (DH 2a).

     

    Todas essas afirmações aliviaram o trabalho missionário. Para o Cimi, as religiões indígenas tornaram-se interlocutores do diálogo inter-religioso e ecumênico. O diálogo é, como o lava-pé de Jesus, um serviço que prestamos à humanidade: “O clima do diálogo é a amizade; melhor, o serviço”, afirmou Paulo VI em sua encíclica programática Ecclesiam suam [ES 49].

     

    Terceiro: A metamorfose do caçador de borboletas ao jardineiro ou da missão que salva almas à missão que salva vidas

     

    Ao defender território, cultura e subjetividade (autodeterminação, abolição da tutela), o Cimi substituiu a prioridade da salvação de almas pela salvação de vidas historicamente situadas. Missionários e missionárias junto aos povos indígenas não precisavam mais correr como caçadores de borboletas atrás do resgate das almas dos índios, mas podíam dedicar-se, como jardineiros que atuam por atração, ao plantio das flores da solidariedade, autenticidade e relevância de um conceito de missão (salvação) integral.

     

    Em seu discurso final, na última sessão do Concílio (7.12.1965), o papa Paulo VI oferece uma chave de leitura teológico-pastoral de todo o Vaticano II que era, ao mesmo tempo, um imperativo para a pastoral do Cimi: “A ideia de serviço ocupou o lugar central” do Vaticano II. “Desejamos antes notar que a religião do nosso Concílio foi, antes de mais nada, a caridade”.

     

    “No tempo pós-conciliar, as missionárias e os missionários construíram uma nova articulação entre os campos espiritual e material, entre o político e o religioso, entre as convicções religiosas próprias e as dos outros, na base dos mistérios e nas festas centrais do cristianismo. Na festa de Natal, por exemplo, comemora-se a encarnação do Filho de Deus entre nós, que inspirou o paradigma da inculturação. A festa da Páscoa aponta para o paradigma da libertação. A festa de Pentecostes, que comemora a fundação da Igreja, ajuda a ver melhor os aspectos do diálogo e da gratuidade da presença missionária e a pluralidade dos projetos de vida dos povos indígenas” (Plano Pastoral do Cimi, n. 107).

     

    Se os missionários e as missionárias do Cimi não se consideram mais caçadores de almas, mas defensores de um conceito de pastoral integral que opera por atração, também a discussão sobre a evangelização explícita e a implícita não tem mais sentido. Na base do Evangelho, o Documento de Aparecida (DAp) procurou encontrar um justo meio, quando declara: “Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana, recordando que a evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica libertação cristã” (DAp 26). Aparecida radicaliza quando declara: “Tudo o que tenha relação com Cristo tem relação com os pobres e tudo o que está relacionado com os pobres clama por Jesus Cristo” (DAp 393). Abandonamos, na pastoral indigenista, a dicotomia entre “salvar almas” e “cuidar corpos”, fazer catequese e lutar por terra e teto. Existe uma articulação orgânica entre palavra e ação, fé e política, celebração sacramental e horizonte de sentido; entre vida ativa e contemplativa. Lutar pelo reconhecimento da dignidade das pessoas como criaturas de Deus e cuidar do planeta terra como obra de Deus é tão importante como fazer catequese e explicar as escrituras. “A fé que não se traduz em ações, por si só está morta” (Tg 2,17). Igreja samaritana tão enfatizada por Aparecida (cf. DAp 26) responde à pergunta do doutor da Lei “O que devo fazer para ter a vida eterna”. Segundo a parábola de Jesus, ela não vem do templo, mas é relevante para a vida eterna: se é eterna, então é vida ontem, hoje e amanhã, vida histórica e escatológica.

     

    A Evangelii nuntiandi resume a questão ao declarar: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres” (EN 41). A pastoral do Cimi teve a graça de gerar testemunhas qualificadas, mártires, confessores e profetas.

     

    Os serviços pastorais da Igreja, a sua diaconia no anúncio da palavra como na prática de solidariedade, são seguimento do Verbo encarnado. Através de ambos os serviços entramos “na vida e na missão d´Aquele que `se aniquilou a Si mesmo, tomando a forma de servo´ (Fil 2,7)” (Ad gentes, 24; cf. Gaudium et spes, 32; Lumen gentium, 8). No conjunto da ação pastoral do Cimi, cada serviço é serviço pastoral que envolve uma atividade específica (assessorias), integral (defesa do território e da cultura), contextual (cidade, aldeia) e universal (“causa indígena”, não casos isolados). Universal quer dizer que os nossos serviços estão interligados pelos vasos capilares da Boa-Nova e do Reino. Nossa atividade pastoral, que é apostólica e profética, exige que tenhamos zelo pelo outro, não ciúme; “exige que anunciemos Jesus Cristo e a Boa-Nova do Reino de Deus, denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas e fomentemos o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico” (DAp 95). Fazemos alianças com todos os setores que acreditam no futuro específico dos povos indígenas e atuam num horizonte antissistêmico. Nos trâmites da justiça e nas lutas pelas condições dignas de vida, o Cimi nunca se considerou juiz entre as partes, mas “advogado da justiça” (DAp 395, 533) dos povos indígenas.

     

    Quarto: Da adaptação e acomodação à inculturação

     

    Adaptação e acomodação eram instrumentos de uma pastoral colonial e colonizadora. A bandeira do aggiornamento de João XXIII forjou trilhos de descolonização na Igreja que agora estendeu seus braços em direção da macroestrutura da modernidade e das microestruturas dos contextos vivenciais dos povos. Nos contextos vivenciais encontrou as vítimas do sistema em curso: os pobres e suas lutas pela redistribuição dos bens; e os outros, os povos indígenas em busca de terra e reconhecimento de sua alteridade.

     

    O aggiornamento macroestrutural ao mundo moderno não nos afastou dos contextos microestruturais dos pobres e dos outros. Pelo contrário, a modernidade disponibiliza os instrumentos em defesa da causa indígena: autonomia e autodeterminação, universalidade de causas e subjetividade das pessoas, organização de lutas sociais e participação democrática, tolerância e reconhecimento de alteridade.

     

    A proposta do aggiornamento, segundo Paulo VI, a “orientação programática” do Concílio (Ecclesiam suam, 27), o Cimi traduziu como inculturação, como construção de uma Igreja versus populum, como virada popular das práticas pastorais, litúrgicas, institucionais e teológicas (Teologia índia!).

     

    “Para os povos indígenas que pedem a evangelização, a inculturação é um instrumento da evangelização libertadora. Jesus não separou o anúncio de sinais de justiça e caridade. `Por onde andardes anunciai que o reino dos céus está próximo. Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios´ (Mt 10,7s) [Plano Pastoral, n. 112]. A inculturação, essa tentativa de anunciar o Evangelho e transmitir a fé numa proximidade cultural com os povos indígenas, é para os que adotaram essa fé “um imperativo do seguimento de Jesus e é necessária para restaurar o rosto desfigurado do mundo (cf. LG 8, DSD 13; PP, n. 113). “O Cimi está convencido de que uma leitura pós-colonial e profética do Evangelho pode contribuir para o fortalecimento do projeto dos povos indígenas, de sua identidade e capacidade de construir alianças com outros setores marginalizados da sociedade brasileira; pode contribuir para a formulação de uma ética de solidariedade além das fronteiras tribais e locais; pode contribuir para a sua confiança num futuro específico, num mundo que será para todos” (Plano Pastoral, n. 114).

     

    Na proximidade vivencial com os povos indígenas descobrimos as questões da terra/território, da autodeterminação e da cultura como seus salva-vidas. Procuramos ancorar a defesa dessas questões axiais na tradição da Igreja que, na configuração da CNBB, era e é nossa grande aliada. Recorremos, muitas vezes, como os textos do Vaticano II, aos tópicos da Patrística que permitiram construir uma ponte desde os primórdios do cristianismo até as aldeias indígenas. O mártir Justino ((+165) nos falou das “sementes do Verbo“ nas culturas (vgl. Ad Gentes 11; Lumen Gentium 17; Gaudium et Spes 57). Irineu de Lyon (+202) e Eusébio de Cesareia (+339) procuravam ler as culturas pagãs como pedagogia, como „preparatio evangelica“ (Ad gentes 3). Puebla (cf. n. 400) cita Santo Irineu que nos advertiu que somente o “assumido” pode ser “redimido”. .

     

    Quinto: Da missão ad gentes à missão entre e com os povos indígenas e as vítimas

     

    A “missão ad gentes”, dirigida na mão única aos povos indígenas, hoje, de fato, é “missão com e entre os povos indígenas e as vítimas”. Formamos, na pastoral do Cimi, alianças inter étnicas, latino-americanas, continentais e planetárias, alianças entre Igrejas locais e comunidades, com todos os setores que estão dispostos a construir um outro mundo que é possível e participa da realidade do Reino de Deus entre nós.

     

    O paradigma da “missio inter gentes”

    – leva em conta a situação do pluralismo religioso e da diáspora crescente da Igreja no mundo de hoje;

    – enfatiza a responsabilidade da Igreja local e dos próprios povos indígenas para definir os rumos da missão;

    – quebra o monopólio de uma Igreja que envia missionári@s e uma Igreja que os recebe;

    – admite a reciprocidade e conversão mútua entre agentes e destinatários da missão e reconhece o valor indispensável do diálogo intercultural e inter-religioso;

    – sublinha a missão não como uma atividade entre indivíduos, mas entre comunidades (cum gentes significa com os povos).

     

    Para a América Latina e o Caribe, que passou por um aprofundamento na leitura da Bíblia e pela renovação de Medellín, Puebla e Santo Domingo, missão “ad gentes” significa seguir Jesus, convocar seus destinatários preferenciais, os pobres, e enviá-los como protagonistas de seu Reino e seus representantes no mundo. Em seus discursos axiais da Sinagoga de Nazaré (Lc 4), das Bem-Aventuranças (Mt 5) e do Último Juízo (Mt 25), Jesus de Nazaré é muito claro. Os protagonistas de seu projeto, que é o Reino, são as vítimas (pobres, cativos, cegos, famintos, oprimidos, outros, enfermos). Reconhecer o outro-pobre em sua dignidade e alteridade não significa inclusão sistêmica, mas um convite para participar na transformação desse sistema. Impulsionar práticas significativas de participação do povo de Deus é uma expressão coerente da natureza missionária da Igreja.

     

    Os povos indígenas são os indignados das Américas, são o movimento “occupy”, não no Parque Zucotti na Wall Street de New York, mas no Mato Grosso Sul, do Brasil, simbolicamente representando um país e um mundo, em que os pobres salvam os Bancos e os ricos ocupam as terras. Os povos indígenas e sua causa não têm partido, a não ser todos aqueles que se tornaram seus advogados dispostos a lutar e sofrer por sua causa. O partido dos povos indígenas é a dor desarmada. E nós, do Cimi, procuramos aprender com eles a reler a história na chave da memória subversiva de Jesus.

     

    3. Horizontes para caminhar e navegar

     

    Como podemos, a partir do retrovisor da história dos povos indígenas e dos 40 anos do Cimi, delinear rumos, costurar alianças, alimentar esperanças na luta pela vida no planeta terra, a partir da nossa fé?

     

    A luta nos deu alegrias e esperanças, nos causou dores e tristezas. Objetivamente, podemos afirmar que assistimos à demarcação de muitos hectares de terra nesses 40 anos. Mas, para cada 10 hectares de terra demarcada, um líder indígena foi assassinado. Tivemos a graça pascal de acompanhar, nesses anos, um povo martirial que deu sentido à nossa vida.

     

    O Cimi contribuiu com outras pastorais e setores da sociedade civil para a credibilidade da Igreja Católica na sociedade brasileira. A Igreja nos deu a cobertura institucional para realizar essa virada indígena na pastoral. Na reciprocidade do dar e receber, nos iniciamos numa vida despojada. Cresceu em nós a consciência da centralidade dos povos indígenas para nossa vida e da prioridade de sua causa para saídas humanas nos impasses civilizatórios. Mesmo sendo servos inúteis, procuramos viver a serviço do Reino.

     

    Através do Cimi, encontramos companheiros e companheiras, na sociedade civil e na Igreja. Através da causa indígena, encontramos uma comunidade que alimentou em cada um de nós uma mística missionária militante. Fez-nos conservar nossa vida como vinho jovem, rebelde, em odres novos. Continuamos jovens, não é, D. Thomás?

     

    A missão, com seus dois movimentos, a diástole do envio à periferia do mundo e a sístole que convoca, a partir dessa periferia, para a libertação do centro, é o coração da nossa pastoral que, sob a senha do Reino, propõe um mundo sem periferia e sem centro.

     

    Para nós que, às vezes, somos missionários de Fórmula 1 com pit-stop nas aldeias indígenas, tudo anda muito devagar. Queríamos que Lula desse o tiro de largada para a construção da “terra sem males” dos guarani; que Evo Morales lançasse a pedra fundamental do sumak kawsai, o bem viver, dos quechua, e que com a eleição do papa Bento XVI começasse o Reino de Deus na terra. Ledo engano. Eles deram um golpe duro à nossa mentalidade construcionista e intervencionista. Não esperemos de líderes políticos ou eclesiásticos a inauguração de um paraíso terrestre, que o próprio Jesus de Nazaré se recusou a instalar. Sumak kawsai, terra sem males e Reino de Deus são árvores pequenas, como um bonsai, às vezes, até invisíveis. Num jardim que cultivamos podem-se tornar realidade como dádiva e kairós. Todos nós já recorremos à sombra dessas árvores, no quintal de uma Igreja despojada, que não tem pátria nem cultura, nem é dona de verdades, mas serva, peregrina, hóspede, sinal. Ela tem rumo. Navegar é preciso. Na urgência do amor (2Cor 5,14), a nossa pastoral indigenista encontra tempo para se deixar interromper pelos “pobres índios”, para interromper os programas de aceleração de uma corrida ao abismo e puxar os freios de emergência. Na luta ampliamos a margem de nossa intervenção. Mas ao mesmo tempo experimentamos os limites dessa liberdade intervencionista. Para que serve então a utopia do Reino, do Cimi, da terra sem males, do sumak kawsay se ela nunca estará ao nosso alcance?

     

    Ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos y ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos, y el horizonte se desplaza diez pasos más allá. A pesar de que camine, no la alcanzaré nunca. Para qué sirve la utopía? Sirve para esto: para caminar. (Eduardo Galeano)

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  • 21/11/2012

    Y-Juca-Pirama, rompendo a solidão

     

    “… chame-lhe progresso quem do extermínio secular se ufana; eu, modesto cantor do povo extinto, chorarei nos vastíssimos sepulcros que vão do mar aos Andes e do Prata ao largo e doce mar das Amazonas”. (Antônio Gonçalves Dias – Os Tymbiras, canto III. Citado no Documento Y-Juca-Pirama, o índio: aquele que deve morrer).

     

    O que dizer nos 40 anos do Cimi que não seja apenas congratulações e reconhecimento de um trabalho de solidariedade integral aos povos indígenas, cujos resultados são visíveis, louváveis e da maior importância na sociedade brasileira racista e antiindígena? Por que isso tudo seria apenas, ao manter-se a formalidade da homenagem.

     

    Vou destacar em primeiro lugar algumas dimensões da solidariedade integral aos povos indígenas. A dimensão política, aquela que fez do Cimi protagonista de uma árdua batalha para convencer a sociedade brasileira de que os povos indígenas possuem direitos, pois são os habitantes originários dessa terra e são sujeitos ativos na vida sócio-política brasileira. O protagonismo do Cimi levou a construção de um campo jurídico que atualizou os elementos componentes do direito indígena, de maneira inovadora, até a instituição de uma assessoria jurídica que os povos indígenas não possuíam até então. Muitos juristas envolveram-se com a causa indígena e foram decisivos nos debates e nas formulações teóricas e ideológicas. Como furar o cerco da tutela sem perder direitos e, mais do que isso, conquistar direitos ainda não explicitados? Não foi o Cimi que promoveu exclusivamente esse debate, mas foi o Cimi que ousou formalizar uma assessoria jurídica, até hoje inédita nas organizações indígenas e indigenistas; e que produz uma reflexão jurídica da maior importância. Há outras ações inéditas, igualmente importantes, tais como uma imprensa voltada exclusivamente para os assuntos indígenas e o envolvimento pioneiro com as questões da educação e da saúde indígenas.

     

    O aspecto, jurídico, é parte essencial da trama política que envolveu o conjunto dos missionários na luta de solidariedade aos povos indígenas. A coragem de embrenhar-se nas matas através de caminhos cheios de armadilhas e emboscadas, enfrentando a morte, as feridas e o medo, tornou os missionários o grupo de referência em todas as regiões do Brasil. Isso sem falar no carinho e nos laços de amizade estabelecidos entre os missionários e os indígenas, mesmo que em certas ocasiões e circunstâncias esses laços tenham se transformado em relações conflituosas. É importante destacar essas relações conflituosas porque nelas reside uma essência valorativa que opõe e nega as benesses monetárias das “mitigações” para não entregar o bem maior que é a terra. No âmbito dos movimentos sociais, da ação parlamentar, das universidades, das ONGs, das paróquias, das dioceses está sempre o Cimi a estabelecer parcerias, a articular aliados e a colocar pedras nos sapatos daqueles que querem “uma paz sem índios” ou “índios sem problemas”.

     

    Porém, as dimensões social e política mais importantes residem na contribuição decisiva para a construção do movimento indígena. Quando os primeiros missionários esforçaram-se para realizar a primeira Assembléia de Chefes Indígenas plantaram a semente do processo de rompimento da solidão social e política na qual viviam os povos indígenas no Brasil.

     

    A política indigenista republicana, formulada em 1910, além de colocar em prática os instrumentos integracionistas, consistiu em manter a população indígena sob controle absoluto. O principal instrumento integrativo foi conduzir os indígenas para atividades produtivas consideradas trabalho de fato: a agricultura indígena deveria ser modificada, tanto em termos dos produtos cultivados, quanto em termos das técnicas agrícolas. Assim, tratores e plantadeiras manuais são introduzidos nas áreas para que os indígenas aprendessem a trabalhar; como a produção também deveria ser comercializada o SPI instrui seus servidores a arregimentar os indígenas para o trabalho nos grandes roçados, sob controle dos Chefes de Posto mediante promessa de divisão dos rendimentos após a comercialização da produção; assim os indígenas aprenderiam novas técnicas e novas modalidades sociais, como esse arremedo de trabalho assalariado que sempre foi mais um modo de trabalho escravo. O controle das áreas indígenas, chamadas reservas, abrangia também a mobilidade espacial: para sair da aldeia os indígenas necessitavam de uma autorização por escrito emitida pelo Chefe de Posto, que, desse modo, dominava o conjunto de informações necessárias para controlar todas as atividades individuais e coletivas dentro e fora das aldeias. Não raro o Chefe de Posto negava a autorização para a saída de indivíduos ou famílias. Esse dispositivo disciplinar, sustentado pela necessidade de exercer a tutela, tornou-se a estratégia de controle mais eficaz para cassar a voz política dos povos indígenas. Cada comunidade, considerada um todo indissolúvel e fechado, constituía uma unidade cultural idiossincrásica, isto é, portadora de um particularismo sem comparação com outras comunidades.

     

    Desse modo, cada comunidade recebia uma parcela de terra proporcional ao número de famílias que receberiam o tratamento civilizador apregoado pelo Estado: a preservação de línguas e hábitos culturais, o não desmembramento das famílias; apenas se ensinaria aos indígenas a trabalhar para que pudessem se preparar para a integração na sociedade nacional.

     

    O controle era exercido, portanto, sobre uma ou poucas comunidades que viviam dentro do limite da reserva, cujo perímetro era definido pelo SPI, tendo em vista a integração, isto é, a saída da área, a saída da condição indígena, e não o futuro da comunidade, reproduzindo e aumentando sua população. Assim, aqueles que migravam, para outros sítios ou para as cidades “dispensavam a proteção” do Estado e passavam a viver a outra forma da solidão social: o ocultamento de sua condição indígena. Dentro do limite das reservas funcionários do Estado foram investidos de uma autoridade que possibilitou toda sorte de desmandos: o Chefe de Posto contratava funcionários braçais assalariados, regulava o uso dos recursos  designados para aquela área e promovia a eleição do Capitão ou Cacique que deveria responder por toda a comunidade. Assim, em volta do funcionário chefe formava-se uma escuderia disciplinadora, totalmente manipulada, formando uma hierarquia política, funcional e autoritária.

     

    Esses capitães permaneceram no controle de muitas áreas indígenas até os dias de hoje, obrigando as comunidades a votarem num chefe que nunca correspondeu ao modelo político tradicional. Ao contrário, eles eram e ainda são os receptores de recursos externos, seja do Estado ou de outros organismos presentes nas áreas, igrejas, ONGs e toda sorte de beneméritos comovidos com a pobreza indígena. Certa vez, numa aldeia Kaiowá Guarani em Mato Grosso do Sul, duas mulheres envolvidas na luta de seu povo assim explicaram: a principal fonte de violência dentro das nossas aldeias vem dos capitães, que são figuras criadas pela FUNAI e não tem nada a ver com a gente. Eles querem dinheiro, envolvem os jovens em coisas erradas e tudo o que chega fica com eles. Outra fonte de controle é o agenciamento da mão de obra indígena para o trabalho nas fazendas próximas às áreas, realizado tanto pelo funcionário chefe quanto pelo capitão. É interessante notar que mesmo depois que os indígenas passaram a ocupar os cargos da FUNAI não houve modificação nas funções e nem no modelo de gestão das áreas indígenas.

     

    Foi esse modelo que propiciou a criação das polícias indígenas que ainda existem em muitas comunidades. No período da ditadura militar a criação da Guarda Rural Indígena / GRIN, que funcionou em alguns lugares foi ao que tudo indica uma versão mais sofisticada do modelo de controle e que introduziu o treinamento militar especializado e a tortura. O empoderamento de uma casta dentro da comunidade do poder disciplinador e dos instrumentos de violência faz parte do rol de maus exemplos que a sociedade brasileira oferece aos povos indígenas. São as páginas tristes de uma história que deve ser olhada de frente para que possamos compreender melhor uma das facetas da violência e das formas de sociabilidade que vigoram em diversas comunidades.

     

    O Cimi, há 40 anos, atua para furar o cerco do controle do Estado e romper a solidão em que cada comunidade vivia (algumas ainda vivem) confinada sob o comando dos chefes funcionários. As ilhas sociais, às quais correspondem ilhas territoriais, reduziam a população a uma identidade única, sem comunicação com outras comunidades e povos. Nunca vou esquecer Maria Rosa Kaingang, lá no Icatu, no interior de São Paulo, em 1976. A área era dividida entre Terena e Kaingang. A presença Terena provinha do fato de que a reserva Indígena de Icatu havia sido presídio indígena, por isso tinham ficado por lá algumas famílias. Maria Rosa dizia que aquela terra era dos índios e que, por isso, os Terena não deveriam permanecer; afinal, índios eram os Kaingang, como se fossem sinônimos. Nem essa noção, de que índios pertencem a uma categoria social histórica, possuíam.

     

    Conhecer outros povos, identificar sua condição enquanto categoria social brasileira, trocar experiências, construir a luta pela demarcação de terras, constituir direitos, enfim, criar o movimento indígena, essa foi a contribuição que o CIMI deu aos povos indígenas que viviam isoladamente sua solidão social e política. Se isso fosse pouco já seria bastante.

     

    O documento que inspirou o título dessa colocação Y-Juca-Pirama termina assim:

     

    “Neste esforço de assumir nossa existência em todas as suas dimensões, sentimo-nos solidários com tudo o que existe no mundo, especialmente na América Latina, em favor da libertação do homem e dos povos, em particular dos povos indígenas. (…)

    “Chegou o momento de anunciar, na esperança, que aquele que deveria morrer, é aquele que deve viver”.

     

    E aí estão vivos e fortes, guerreiros e guerreiras a lutar por suas terras, por seus direitos e, infelizmente ainda, contra a violência.

     

    _________

    O título do artigo inspirou-se no Documento Y-Juca-Pirama, o índio: aquele que deve morrer. Documento de urgência de bispos e missionários assinado em 25 de dezembro de 1973. E também no livro de Octavio Paz – O labirinto da solidão e post-scriptum: tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1976.

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  • 21/11/2012

    HÁNAITI Ho únevo têrenoe (Grande assembleia do povo terena)

    Aldeia Moreira, 16, 17 e 18 de novembro de 2012

     

    O Povo Terena lembra a data do dia 18 de novembro, quando se completa um ano do assassinado do Cacique de Guayviry Nísio Gomes. Pedimos justiça e a punição dos executores e mandantes desse ato brutal. Não é tirando a vida de nossas lideranças que vai se resolver a demarcação de terra nesse estado. É preciso que o governo federal assuma sua responsabilidade em demarcar nossos territórios, principalmente no estado de Mato Grosso do Sul que é campeão em violência contra os povos indígenas.

     

    As lideranças da Aldeia Imbirussú, Aldeia Bananal, Aldeia Lagoinha, Aldeia Ipegue, Aldeia Água Branca, Aldeia Morrinho, Aldeia Limão Verde, Aldeia Lalima, Aldeia Passarinho, Aldeia Cachoeirinha, Aldeia Argola, Aldeia Babaçu, Aldeia Moreira, Aldeia Tereré, Aldeia Buriti, Aldeia Mãe terra; juntamente com seus anciões, professores, diretores, acadêmicos indígenas, agente de saúde e suas organizações.

     

    Este conselho é formado pelas lideranças Terena legítimas, que atuam na base de suas comunidades e que sabem os verdadeiros anseios de seu povo.

     

    Nós lideranças Terena reunidos em assembleia na Aldeia Moreira juntamente com representante do Ministério Público Federal, representante da Secretaria de Articulação Social da Presidência da República, representante da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, equipe técnica da FUNAI e Coletivo Terra Vermelha, tratamos das questões relativos à nossa comunidade referente aos nossos territórios tradicionais, a saúde, a questão política dentro da comunidade e educação escolar indígena.

     

    Em primeiro lugar repudiamos todas as formas instrumentais que o movimento anti-indígena tem articulado para usurpar nossos direitos historicamente conquistados, tais como a Portaria 2498 publicada em 31 de outubro de 2011, por meio do Ministério da Justiça, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas. A PEC 38/99 que com o relatório e voto do Senador Romero Jucá, quer alterar os artigos 52 e 231 da Constituição Federal e determinar que as demarcações de terras indígenas deverão ser aprovadas pelo Senado Federal. A PEC 215/00, que foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 2012 e visa alterar os artigos 49, 225 e 231 da CF e, em última instância, determinará: que toda e qualquer a demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional e que as áreas predominantemente ocupadas por pequenas propriedade rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar não serão demarcadas como terras tradicionalmente ocupadas por povo indígenas. Repudiamos também o Projeto de Lei n. 1.610/96 que se constitui como instrumento de facilitação a invasão, mercantilização e exploração das nossas terras.

     

    Exigimos novamente a revogação da Portaria n. 303 da AGU. O Governo Federal, fazendo uso da Advocacia Geral da União, manipula, escandalosamente, a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no âmbito da Petição 3.388, que diz respeito exclusivamente ao caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, não possuindo, portanto, efeito vinculante. Nesse sentido, já há três decisões liminares de Ministros do STF que manifestam esse entendimento. Além do mais, o caso ainda não transitou em julgado. Com a presente portaria, o Governo desvirtua a decisão da Suprema Corte generalizando e retroagindo a aplicabilidade das chamadas condicionantes emanadas nesse julgamento.

     

    Em nossa comunidade não há mais espaço para a roça, chegará o tempo que teremos que construir nossas casas em cima da outra. Estamos vivendo um verdadeiro confinamento. O estado brasileiro está em dívida com os povos indígenas, pois o Art. 67 da ADTC determinou prazo de 5 anos para que toas as demarcações fossem concluídas. Assim, desde 1.993 o governo federal está em mora com as nossas comunidades. Até hoje a Presidenta Dilma não recebeu uma delegação indígena. Em seu discurso de posse ela afirmou que em seu governo os direitos humanos não seriam negociáveis. Exigimos que nossas terras tradicionais sejam demarcadas.

     

    Que o judiciário julgue as ações em trâmite que versão sobre demarcação de nossas terras. Denunciamos a judicialização da demarcação de nossas terras, o poder judiciário com sua morosidade não tem resolvido à demarcação, mas tem dado decisões sistemáticas contra as comunidades indígenas. Repudiamos as liminares concedidas que paralisam os processos demarcatórios, decisões essas concedidas unilateralmente atingindo o nosso bem maior, nossa terra.

     

    Denunciamos o modelo desenvolvimentista agroextrativista exportador adotado pelo Estado brasileiro, onde em nome do dito desenvolvimento passa por cima dos direitos humanos, ambientais e sociais. Enquanto o estado de Mato Grosso do Sul bate recordes de produção na agricultura e pecuária, existe por traz disso o avesso do olhar desenvolvimentista. Mato Grosso do Sul é o estado que bate recordes de violência contra os povos indígenas, de negação aos territórios tradicionais, de má assistência à saúde indígena e total submissão aos poderes locais do agronegócio.

     

    Denunciamos o mau atendimento à saúde nas aldeias, não há medicamentos para a população, não há profissionais suficientes para atender a demanda específica das comunidades indígenas. Está acontecendo em várias comunidades negligência por parte do atendimento a saúde. Reivindicamos capacitação para a população indígena para conhecer a gestão de saúde e atuação dos profissionais.

     

    Nossas lideranças, anciãos, professores, acadêmicos indígenas e mulheres indígenas devem ter consciência de que o índio deve ser protagonista na política sul-mato-grossense. Devem-se criar comissões internas nas comunidades para trabalhar o fortalecimento e autonomia de suas comunidades. Que as secretarias municipais de assuntos indígenas atuem junto com as lideranças tradicionais para formar uma comissão que avaliem a atuação dos partidos políticos em nossas aldeias.

     

    Propomos para nossa comunidade o fortalecimento da educação bilíngue, específica e diferenciada. Temos que preparar nossa juventude para irem estudar fora na cidade e estarem aptos ao mercado de trabalho. Pedimos as nossas lideranças que apoiem os professores e acadêmicos indígenas na luta pela educação escolar indígena e educação superior indígena.

     

    Encaminhamentos:

     

    Convocamos a participar das próximas assembleias o Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI), bem como representante da SESAI Brasília para estarem conhecendo a realidade e a demanda de nossas comunidades.

     

    Intimamos e exigimos a participação do Sr. Nelson Carmelo (Presidente DSEI), nas próximas assembleias Terena.

     

    Fica aprovada pelo Conselho a reivindicação para que a FUNAI realize a reunião do Comitê Gestor em nossas comunidades. Exigimos que a FUNAI regional de Campo Grande inclua um membro desse conselho no Comitê Gestor.

     

    Em nossas escolas, temos que ter materiais didáticos em nossa língua materna e concurso público específico para professores indígenas falantes da língua. Queremos nossos professores Terena assumindo exclusivamente as salas de aula em nossas comunidades, conforme diretriz do MEC publicado em 15.06.2012.

     

    Pedimos concurso diferenciado para profissionais da área de saúde que atuem em nossas comunidades. Pedimos apoio logístico na questão da saúde em nossas aldeias, tais como ambulância para pronto atendimento da comunidade, bem como renovação dos carros já existentes. Temos que ter especial atenção as pessoas portadores de necessidades especiais que estão na aldeia.

     

    Repudiamos a atitude de servidores que atuaram na aplicação das provas do ENEM, que impediram muitos estudantes indígenas de realizarem a prova. Exigimos que o MEC adote medidas no sentido de atender as especificidades das comunidades indígenas.

     

    Exigimos que o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, que faça a desintrusão das terras indígenas já homologadas. É inadmissível ver decisões judiciais ordenando o despejo de comunidades indígenas, a exemplo dos Kadiwéu, que já tem sua terra homologada.

     

    Fica encaminhado para a presidência da FUNAI que providencie a publicação da portaria do Sr. Valcélio Figueiredo, ratificando-o como representante desse conselho no Comissão Nacional Política Indigenista.

     

    Será realizado o II Encontro da juventude Terena (Hánaiti Hoúnevohiko Inámati xâne têrenoe), na aldeia Lalima no primeiro semestre do ano 2013.

     

    Será realizado o Encontro dos professores Terena da Terra indígena TAUNAY/IPEGUE (Hánaiti Hoúnevohiko Ihíkaxotihiko têrenoe), na aldeia Lagoinha, Município de Aquidauana-MS, no dia 14 de dezembro de 2.012. Fica desde já, a Secretaria Estadual e Municipais de Educação, intimados a participarem desse encontro de professores.

     

    Será realizado o III HÁNAITI Ho únevo têrenoe (Grande assembleia do povo terena), na aldeia Buriti, Município de Dois de Irmão de Buriti/MS, no mês de março de 2013.

     

    Aldeia Moreira – MS, 18 de novembro de 2012.

     

    Povo Terena,

    Povo forte,

    Povo que se levanta!

     

    Assinam as lideranças presentes

     

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  • 21/11/2012

    Cimi comemora 40 anos com Congresso em Luziânia

    “A identidade do Cimi é a aliança com os povos indígenas para que não percam sua identidade”. A afirmação é do presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e bispo da prelazia do Xingu (PA), dom Erwin Krautler, durante a missa de abertura do Congresso que comemora os 40 anos da entidade, em Luziânia (GO).

    Aberto na manhã desta terça-feira, 20, o Congresso reúne 250 pessoas de todo o país e debate o tema “Raiz, Identidade, Missão”, recordando a história do Cimi, que é um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

    Segundo dom Erwin, a pior coisa que pode acontecer com um povo é perder a sua identidade e que, em seus 40 anos de existência, o Cimi tem ajudado os povos indígenas a preservarem sua identidade. Disse que, nesse período, o Cimi aprendeu muito com os indígenas. “Foi-se o tempo em que trabalhávamos em favor dos povos indígenas, sem inclui-los na caminhada. Eles não são objeto de nossa caridade, mas sujeito de sua história e somos seus aliado”, observou.

    Dom Erwin referiu-se também às críticas de quem combate o Cimi. “Nunca nos aliamos a qualquer facção político-partidária. Nossa bandeira é a vida dos povos indígenas. Por isso temos coragem de enfrentar uma política anti-indígena, que continua em vigor nesse país”, afirmou.

    A programação do Congresso foi retomada à tarde com a memória dos 40 anos do Cimi. Hoje 21, os congressistas recebema visita do secretário geral da CNBB, dom Leonardo Ulrich Steiner. Já na quinta-feira, 22, o bispo emérito de Goiás (GO), dom Tomás Balduíno, um dos fundadores do Cimi, será homenageado pelos 90 anos que completará no próximo dia 31 de dezembro.

    O encerramento do evento é na sexta-feira, 23, quando deve ser aprovado o “Manifesto dos 40 anos do Cimi”.

     

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  • 21/11/2012

    Movimentos organizam tuitaço por direito de resposta aos Guarani Kaiowá na revista Veja

    Na quinta-feira, 22, apoiadores, movimentos e indígenas se mobilizam para denunciar casos de racismo na mídia e exigir direito de resposta aos indígenas na principal publicação da editora Abril e maior revista semanal de informação do Brasil, a Veja. O tuitaço
    #RespostaGuaraniKaiowa começa às 15h, horário de Brasília.

    No dia 14, os indígenas e dezenas de entidades lançaram uma carta pública intitulada “Revista Veja: direito de resposta aos Guarani e Kaiowá já”, denunciando o teor anti-indígena e discriminatório da matéria, exigindo apuração por parte da Justiça e o direito de
    resposta nas páginas do veículo, e lançaram uma abaixo-assinado que será entregue ao Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul.

    Em reportagem assinada pelos jornalistas Leonardo Coutinho e Kalleo Coura e publicada dia 4 de novembro sobre a situação fundiária do Mato Grosso do Sul, a revista não perdeu “a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e truculentos”, conforme denunciaram os
    indígenas em nota pelo Facebook.

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  • 20/11/2012

    Aliança contra ‘decreto de extermínio’ marca abertura de Congresso dos 40 anos do Cimi

    Por Renato Santana,

    de Luziânia (GO)

    Sob o signo da resistência obstinada dos povos indígenas ante o permanente decreto de extermínio, cerca de 250 missionários, missionárias, convidados e lideranças indígenas iniciaram na manhã desta terça-feira, 20, o Congresso dos 40 anos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO).


    Fundado no ano de 1972, durante o regime militar (1964-1985), quatro décadas depois o Cimi se reúne com o tema “Raiz, Identidade e Missão”. “Queriam, naquela época, o fim dos índios. Esse era o projeto. O Cimi nasceu para lutar contra isso”, disse Thomaz Aquino Lisboa, que desde os anos 1970 vive junto ao povo Myky, do Mato Grosso.


    Tal decreto de extermínio era sequência da ideia de colonização que por essas terras aportou com as naus portuguesas e espanholas. Da mesma forma, uma ideia de missão religiosa junto aos povos que aqui estavam, e foram denominados indígenas pelos europeus, que também se mantinha no início da metade do século XX.


    Os povos eram tratados, por um lado, como mão de obra serviçal e escrava para a perspectiva econômica ventilada pela “descoberta do novo mundo”, além de terem suas terras devastadas e saqueadas, e por outro como pagãos e com urgente necessidade de evangelização para a salvação de suas almas.


    “Com o Concílio Vaticano II (1962-65) tudo mudou. Então, o que fazer, pois se tudo o que fazíamos era errado? O Cimi surge também com essa função de orientar a busca por outros caminhos, sorvendo preceitos antropológicos e na perspectiva de uma outra teologia”, afirmou padre Zacaria, que chegou ao povo Xavante, no Mato Grosso, ainda em 1956, período dos contatos feitos pelas frentes de atração do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI).     


    A primeira grande missão do Cimi foi acabar com internatos religiosos para indígenas e se integrar em missão às comunidades, entendendo que os povos deveriam permanecer em suas terras tradicionais, sob a própria cosmologia, política, sociedade e, por fim, cultura.


    “Tínhamos um instrumento de denúncia sobre o que a ditadura fazia contra os povos indígenas, o Y Juca Pirama (O Índio: Aquele que Deve Morrer). Com ele percorremos o país mostrando os assassinatos, as expulsões de terras”, lembrou Thomaz Lisboa.  


    Conforme os fundadores do Cimi, a grande intenção era colocar os indígenas como protagonistas de suas próprias vidas, contribuindo com a organização da luta e assessorando os movimentos na permanência e retomada de seus territórios, além “da própria identidade. Se podemos dizer que o Cimi contribuiu foi com isso: com a possibilidade desses povos não perderem suas identidades”, frisou Dom Erwin Kräutler, presidente do Cimi e bispo da Prelazia do Xingu (PA).


    Aliança


    Paulo Suess, assessor teológico do Cimi, destacou algumas peculiaridades da organização: “O Cimi sempre improvisou. No Cimi as coisas acontecem, sem muito planejamento. Isso tem sua graça e é reflexo daquilo que nós aprendemos com os povos indígenas”. Para os missionários e missionárias, um dos principais legados do Cimi é o de não ensinar aos povos, mas aprender com eles  para melhor contribuir com suas lutas.


    “Temos assim nossa raiz, fincada nas comunidades (…) nossa identidade. E a missão, coragem de enfrentar as política anti-indígena, porque nunca nos aliamos a partidos ou governos. Nossos aliados são os povos indígenas, nossa bandeira é a deles”, sintetizou Dom Erwin.


    Lideranças indígenas  de todo país realizaram um ato lembrando as centenas de mártires indígenas e indigenistas, assassinados na luta pela terra. Ao final, os secretários executivos na história dos 40 anos foram chamados à frente para abrir oficialmente o congresso.


    Antonio Brand, morto em setembro deste ano, secretário executivo do Cimi durante a Constituinte (1987-88), foi representado por sua filha, Luciana. O silêncio emocionado, seguido por um estouro de grande esperança no presente, marcou o início das atividades.



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  • 17/11/2012

    Nota de Repúdio contra os atos da Policia Federal, durante a “Operação Eldorado” ocorrido na Terra Indígena Kayabi

    A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), organização que representa e é a principal articuladora dos povos indígenas da Amazônia Brasileira, criada para defender, promover, ampliar e lutar por direitos destes povos, vem a público DENUNCIAR o massacre aos povos Munduruku, Kayabi e Apiaká, e MANIFESTAR VEEMENTE sua  indignação e repúdio contra os atos da Policia Federal, durante a denominada “Operação Eldorado” ocorrido nos dias 05 a 09 de novembro na Terra Indígena Kayabi, no norte do Mato Grosso e sul do Pará, atividade que teve como objetivo a retirada do garimpo ao longo do rio Teles Pires.

     

    O conflito ocorrido no dia 7 de novembro, envolvendo indígenas do povo Munduruku da Aldeia Teles Pires e a Polícia Federal, é mais uma matéria regulada pelo desrespeito e violência aos povos indígenas.

     

    Após um longo período de opressão sofrido pela população brasileira em decorrência de governos ditatoriais, a Constituição de 1988 entabulou diversos direitos e garantias fundamentais que, em sua primeira dimensão, servem como limites a atuação estatal frente aos cidadãos. Afirmamos que neste processo, os povos que habitam esta região não tiveram seus direitos garantidos e respeitados.

     

    Esta operação teve característica truculenta, com conflitos; agressões; vários indígenas do Povo Mundurukú gravemente feridos; crianças, idosos e mulheres ameaçados e humilhados, e um indígena ASSASSINADO.

     

    Diante dessa situação surgem situações excepcionais que exigem dos policiais cumpridores do mandado uma atitude diferente da cotidiana, justificada, principalmente, na necessidade de redução do risco tanto para os policiais cumpridores, quanto para a sociedade, a qual deverá ser balizada pelos princípios constitucionais, em especial, o princípio da razoabilidade, para que não se possa falar em excesso cometido por parte dos representantes do Estado, fato que não ocorreu.

     

    Ainda demorará algum tempo para dissociar o papel exercido pelas polícias no período ditatorial do atualmente vivenciado, o qual tem o único propósito de salvaguardar a sociedade.

     

    Nós povos indígenas passamos por dias difíceis com os governantes. A ausência de respeito aos nossos direitos chegou ao limite. Pedimos que os fatos sejam apurados e os culpados pelos ataques e assassinato do indígena Munduruku sejam criminalmente penalizados.

     

    Saudações Indígenas,

     

    MARCOS APURINÃ

    Coordenador Geral da COIAB

     

    SÔNIA GUAJAJARA

    Vice Coordenadora da COIAB

     

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  • 17/11/2012

    YPo’i: fazendeiros envenenam rio utilizado por famílias Kaiowá, acusam indígenas

    Ruy Sposati,
    de Brasília

    Indígenas Guarani Kaiowá de YPo’i, em Paranhos, divisa do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, denunciaram o envenenamento do córrego YPo’i, principal fonte de água da comunidade. Um vídeo com imagens do riacho contaminado, registrado por dois professores indígenas, foi publicado pelo conselho da Aty Guasu – assembleia dos Kaiowá e Guarani – na sexta-feira, 16.

    Assista o vídeo.


    Segundo relatos da comunidade, uma crosta de espuma branca se formou em toda a superfície da água, na manhã da quarta-feira, 14, fechando totalmente o rio. "As crianças estavam tomando banho quando viram a espuma branca", contam. "Ela tomou conta do córrego inteiro por dois dias".

    "Nós seguimos a trilha do riacho até a fazenda, onde vimos dois tambores grandes. Não sabemos o que era. A gente foi pra tirar foto, mas fomos recebidos a bala. Começaram a atirar pra cima e saímos correndo".

    Para a comunidade, esta foi uma ação deliberada dos proprietários das fazendas que incidem sobre a área indígena Kaiowá. "Agora não é época de passar veneno. Veneno se usa na época de colheita. E do outro lado é gado, e com gado não se usa veneno. Isso não foi um acidente", afirmam os indígenas.

    Os Kaiowá de YPo’i – "rio estreito", em guarani – contam que esta não é a primeira vez que o único córrego da área, a 200 metros de distância do acampamento, é envenenado. "Logo quando a gente retomou, quando estávamos isolados, os fazendeiros jogaram gado morto no rio, querendo dificultar nossa vida", relatam.

    A contaminação do rio seria uma continuação de um recado dado pelos fazendeiros aos indígenas. "Na semana passada, o fazendeiro comunicou a comunidade que nós não poderíamos mais cruzar [a saída da aldeia] pela plantação de soja pra sair pra Paranhos", contam.

    "Esse córrego é a nossa principal fonte de água pra beber, tomar banho, fazer comida, lavar roupa. E agora a gente não pode usar. Ainda tem espuma boiando nos cantos. Estamos muito assustados".

    Em nota, o conselho da Aty Guasu se disse "chocado e indignado com as ações cruéis dos fazendeiros (…)", e exigiu que "autoridades federais tomem prividências cabíveis". A Polícia Federal, Força Nacional e Fundação Nacional do Índio já foram notificadas da ocorrência. Uma amostra da água será encaminhada ao Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul. Em função do feriado e do final de semana, nada deverá ser encaminahdo até segunda-feira.

    Desde a reocupação do tekoha – "lugar onde se pode ser" em Guarani, forma como eles se referem a seu território tradicional originário -, em 2009,  três Kaiowá já foram assassinados em YPo’i. Dois professores, os primos Genivaldo e Rolindo Vera, foram mortos três dias depois da retomada. O corpo de Rolindo permanece desaparecido. O de Genivaldo foi encontrado no córrego em questão, perfurado, com sinais de tortura e o cabelo raspado. Em 2010, Teodoro Recalde foi assassinado a golpes de facão por jagunços.

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  • 16/11/2012

    Nos rugidos do monstro: povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, poderão ter seus territórios removidos e transformados em crateras

    A mineração é uma grande preocupação. Especialmente para os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, em cujo subsolo existem minerais. Poderão ter em breve seus territórios removidos e transformados em infinitas crateras.  Em vista disso movimentos sociais e aliados das populações que historicamente continuam sendo vítimas de modelos de desenvolvimento que os impactam e destroem a natureza, promovem encontros e reflexões para traçar suas estratégias diante da voracidade da exploração mineral.

     

    A Comissão Pastoral da Terra acaba de promover um momento de intercambio de experiências e reflexão sobre o tema "Impactos da mineração sobre comunidades camponesas, quilombolas e povos indígenas".

     

    Durante três dias, participantes de diversas regiões do país, onde existem projetos de exploração mineral em curso, ou que já são impactados por séculos de mineração, como em Minas Gerais, Goiás… socializaram as realidades vivenciadas pelas comunidades afetadas.

     

    Foi um primeiro passo para aprofundar e entender uma realidade tão complexa, que faz parte do atual modelo de desenvolvimentismo do país, dentro da lógica do mercado globalizado.

     

    Dentre os inúmeros desafios debatidos mereceu especial atenção a legislação obsoleta do Código de Mineração, que é de 1940 e foi atualizado pela ditadura militar para estimular os investimentos das grandes mineradoras mundiais no país. Está sendo anunciado o aumento de quatro vezes da produção mineral até 2.030.

     

    O preocupante é que o novo Marco Regulatório da Mineração, está sendo tratado de forma fechada pelo governo, estando enclausurado na Casa Civil, prestes a ser colocado à aprovação, sem nenhum debate e participação da sociedade civil.  Ao que tudo indica, ele terá a característica de aceleração da exploração dos recursos minerais, com a modernização legal, através de uma Agência Nacional reguladora, como tem acontecido em outras áreas econômicas. Às comunidades certamente serão oferecidos fundos de migalhas da mitigação dos impactos.

     

    Como se trata de uma estratégia arquitetada pelo governo dentro do modelo de aceleração agroextrativista para exportação, é possível entender as pressões para liberar a mineração em terras indígenas, quilombolas e remover todos os obstáculos para incorporar todas as áreas disponíveis nesse processo de exploração.

     

    Diante desse quadro de ameaças e incertezas, os participantes do encontro, e diante dos desafios levantados, viram a importância de ampliar a discussão e reflexão nas comunidades, trocar experiências, realizar intercâmbios, sistematizar informações e articular os diversos segmentos que serão afetados pela aceleração dessa atividade extrativa.

     

    Antonio Brand na casa da ONU

     

    Num ritual singelo e breve, os representantes da ONU no Brasil, o ministro das Relações Exteriores e algumas dezenas de autoridades, juntamente com os representantes dos homenageados, realizaram o ato de inauguração oficial da casa da ONU no Brasil ou seja, o complexo Servio Vieira de Melo.

     

    Depois de seis décadas no Brasil, só agora a ONU tem sua sede própria no Brasil. O primeiro prédio construído e inaugurado dia 14 de novembro, em Brasília. O nome do prédio é em homenagem a Zilda Arns. Quase uma dezena de personalidades e lutadores dos direitos humanos e da paz, foram agraciados com nomes de salas. Uma delas é Antonio Brand. Sua filha Luciana esteve na cerimônia que o homenageou. Também estiveram presentes o secretário do Cimi e amigos de Antonio.

     

    A relação dos homenageados representa um panteão de brasileiros ilustres e lutadores deste país, declarou o ministro de Relações Exteriores. Dentre eles estão João Candido, Vinícius de Moraes, Zumbi dos Palmares, Chico Mendes, Maria da Penha, Antonio Brand, dentre outros.

     

    Antonio Brand se destacou como aguerrido batalhador da causa dos povos indígenas no Brasil, atuado por 13 anos no Cimi, sendo secretário da entidade por oito, no período da Constituinte. Iniciou sua inserção na causa indígena através da OPAN – Operação Amazônia Nativa, da qual foi coordenar. Enquanto fazia o mestrado e doutorado sobre o povo Kaiowá Guarani desenvolveu trabalhos em benefício de comunidades deste povo, estando ligado à Universidade Católica Dom Bosco de Campo Grande, MS.

     

    Cimi em clima de Congresso

     

    O verde e colorido de flores, frutos e sonhos, tomou conta do Centro de Formação Vicente Cañas. O vai e vem só é interrompido com pancadas de chuva passageira e faceira. Os bambus vão dando suporte a tendas, as faixas são esteticamente distribuídas pelos espaços generosos povoados de vegetação do cerrado e muitos pés de mangas madurando.

     

    Nesse clima de animação contagiante vão chegando os primeiros participantes. Na verdade são os voluntários da harmonia do ambiente com o espírito da festa, reflexão e luta.

     

    Do dia 20 a 23 mais de duas centenas de missionários, lideranças indígenas e aliados da causa do Brasil e do continente estarão realizando um grande momento de celebração dos 40 anos da entidade e refletindo sobre o momento atual e as perspectivas da construção de um outro mundo possível, do Bem Viver para todos.

     

    Cimi 40 anos, Brasília, 16 de novembro de 2012.

     

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