• 02/08/2017

    Rádio Vaticano: Cimi denuncia “completa impunidade” em Rondônia


    Invasões, impunidade e conivência: estas são as palavras quando estão em jogo terras indígenas. E esta é a denúncia que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) publicada na Rádio Vaticano.

    Ouça a entrevista completa no site da Rádio Vaticano

    A coordenadora do CIMI em Rondônia, Ir. Laura Vicuña Pereira Manso, fala da situação na Arquidiocese de Porto Velho e na Diocese de Ji Paraná, em que todas as 20 terras indígenas estão invadidas:

    “Nós vivemos uma situação de completo abandono e, sobretudo, de completa impunidade”, denuncia Ir. Laura, da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas. Segundo ela, os grupos de madeireiros, garimpeiros e outros grandes empreendimentos atuam com a conivência das autoridades, que facilitam as invasões.

    As comunidades indígenas, afirma, vivem com medo, sob ameaças, com casos inclusive de assassinatos de lideranças.


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  • 02/08/2017

    Em carta, povo Karitiana (RO) pede que STF faça valer os preceitos constitucionais diante os retrocessos nos direitos indígenas


    Foto: Acervo Cimi

    A associação indígena Akot Pytin Adnipa do povo Karitiana (RO) endereçou uma carta a ministra Carmem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). No texto pedem que o STF “faça valer os preceitos constitucionais” que a casa “tem dever moral e ético de salvaguardar, no caso, os artigos 231 e 232 da constituição”. Os citados artigos correspondem ao direito dos povos indígenas e reconhece a organização social, cultural e o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas, atribuindo a União o dever de demarcá-las.

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    A nota repudia o Parecer 01/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que obriga a administração pública federal a aplicar, a todas as Terras Indígenas do país, condicionantes STF estabeleceu, em 2009, quando reconheceu a constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Juristas e organizações desprezaram o material em nota. Dalmo de Abreu Dallari, jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo divulgado no mesmo dia do parecer, afirmou que o material “não atende aos requisitos legais para ser vinculante, ou seja, para ser legalmente obrigatório”.

    A carta do povo Karitiana, que também foi direcionado ao presidente Michel Temer e a 6ª Câmara do MPF, responsável pela temática das populações indígenas e comunidades tradicionais, aponta a inconsticionalidade do parecer. “A Constituição Federal de 1988 nos garante o direito às terras de ocupação tradicional; neste sentido, a portaria 303/2012 e parecer 001/2017 são inconstitucionais”.

    “[O parecer] fere tanto a nossa dignidade quanto nossa autonomia de ir e vir, de viver livremente em nossos territórios, criando insegurança jurídica para Terras Indígenas já demarcadas, homologadas e em processo de demarcação”.
    A associação indígena denuncia, ainda, a má intencionalidade das medidas tomadas pelo governo de Michel Temer. Afirmam que essas são “modos de atender interesses de grupos econômicos” e que não correspondem a legitimidade dos procedimentos de demarcações das Terras Indígenas. “Diante do exposto, manifestamos nosso repudio ao governo federal, por tal ação e por desrespeitar a Constituição Federal de 1988, para beneficiar os grupos econômicos, bancada ruralista e em proveito próprio”, redige a carta.

    A carta assinada pelas lideranças da associação foi protocolada na tarde de hoje (02) junto ao Supremo Tribunal Federal, a 6ª Câmara do Ministério Público Federal e na presidência da República.

    Leia a carta da associação indígena Akot Pytin Adnipa do povo Karitiana (RO) aqui

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  • 02/08/2017

    Governo Temer e ruralistas tentam influenciar STF a aprovar medidas contra povos e comunidades tradicionais


    Indígenas do Nordeste dançam Toré na Praça dos Três Poderes (DF); STF ao fundo. Crédito: Renato Santana/Cimi


    Está na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 16 de agosto, o julgamento de três processos envolvendo terras indígenas demarcadas pelo Poder Executivo e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra decreto que regulamenta a demarcação de terras quilombolas. Serão, portanto, julgadas a Ação Civil Originária (ACO) 469, que teve pedido de vistas da ministra Carmen Lúcia, que trata de discussão sobre a nulidade de títulos sobrepostos à terra indígena Ventara, do Rio Grande do Sul; a ACO 362, com relatoria do ministro Marco Aurélio e que discute pedido de indenização do Estado do Mato Grosso alegando que a União definiu indevidamente os limites do parque e se apropriou de áreas do estado, mas que na prática discute a demarcação do Parque Nacional do Xingu; a ACO 366, também relatada pelo ministro Marco Aurélio, que discute pedido de indenização por desapropriação indireta de terras que teriam sido ilicitamente incluídas dentro do perímetro das reservas indígenas Nambikwára e Parecis e das áreas a elas acrescidas; e a ADI 3239/DF que trata da constitucionalidade do Decreto 4887/2013 que regulamenta as demarcações das terras quilombolas, julgamento que teve dois votos, o do relator do processo, do então ministro Cezar Peluzzo que se manifestou contra o decreto e o voto favorável a sua constitucionalidade proferido pela ministra Rosa Weber.

    Todas as ações relativas às demarcações de terras indígenas discutem aspectos relativos à ocupação tradicional indígena assim como no caso dos territórios quilombolas. Significa dizer que os ministros podem, durante estes julgamentos, discutir a tese jurídica do Marco Temporal, supostamente decorrente da Constituição Federal de 1988, conceituando, por esse prisma, o que é ou não área tradicionalmente ocupada por esses povos ou comunidades. No caso das demarcações das terras quilombolas se questiona a constitucionalidade do decreto e já se iniciou, como apontado acima, o debate, tendo, pois, à discussão também para a fixação da marcação temporal com lastro na Constituição Federal de 1988.

    Tendo presente que os ministros do STF pautaram os julgamentos relativos às demarcações de terras indígenas e quilombolas, a Frente Parlamentar da Agropecuária, comandada pelos deputados federais Nilson Leitão, Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira, entre outros, decidiu se antecipar ao debate e propôs – de antemão – uma negociação – na verdade uma chantagem – exigindo que o governo federal adotasse medidas no sentido de inviabilizar demarcações de terras indígenas. Como contrapartida, a bancada ruralista garante o apoio de parlamentares contra o pedido, apresentado pela Procuradoria Geral da República, de abertura de processo de crime comum, no âmbito STF, contra Michel Temer. Vídeo do deputado Luis Carlos Heizen, que circula nas redes sociais, confirma as pressões da bancada ruralista sobre o governo Temer, especialmente sobre o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União (AGU).

    Medidas preparatórias e de legalidade e legitimidade duvidosas sob o ponto de vista jurídico já haviam sido tomadas em setembro do ano passado, no que se refere às comunidades quilombolas, através da Sub Chefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, SAJ, de nº 2897/2016, que recomendava entre outras medidas em decorrência do resultado parcial com voto em favor da ADI a interrupção dos processos de demarcação e titulação, como medida para evitar “insegurança jurídica maior”. O órgão também justificou a devolução de todos os processos de demarcação de territórios quilombolas à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD/MDA) para revisão e ajustes, alegando que caberia ao órgão “decidir a ordem em que se dará a regularização”, tal medida, de flagrante ilegalidade levou a 6ª Câmara de Revisão a publicar uma Nota Técnica no dia 19 do corrente mês denunciando a flagrante ilegalidade da orientação da Casa Civil da Presidência da República, in verbis: A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) defende, em nota técnica divulgada nessa quarta-feira (19), o prosseguimento dos processos de demarcação e titulação de terras ocupadas por comunidades quilombolas. O documento dirigido à Casa Civil da Presidência da República pede que seja suspensa orientação recente do órgão para que demarcações sejam interrompidas até a conclusão de julgamento sobre a legalidade do processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

    Nessa esteira de ataques e medidas preparatórias com cunho categoricamente anti-indígenas e antiquilombolas foi editado o Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU e aprovado pelo presidente Michel Temer, estampando, portanto, a negociata estabelecida com a bancada ruralista. O parecer retoma a portaria 303/2012 da AGU, sobre a qual recaíram severas críticas do Ministério Público Federal, povos, comunidades e organizações indígenas e entidades indigenistas e, por consequência, acabou sendo suspensa pelo Poder Executivo. A referida portaria pretendia impor aos procedimentos de demarcação de terras, a tese do marco temporal e as 19 condicionante definidas durante o julgamento pelo STF da Pet 3388/2009, relativa à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Na ocasião, os ministros da Suprema Corte decidiram que o procedimento de demarcação daquela terra era válido e que as condicionantes nele estabelecidas não se vinculariam a outras demarcações de terras. A AGU, não satisfeita, tentou em 2012 impor sua interpretação do julgamento com a pretensão de atender a interesses econômicos e políticos – como os da bancada ruralista – inviabilizando a demarcação, o reconhecimento e a proteção das terras indígenas.

    O parecer atual, contudo, segue na mesma monta da portaria arquivada, ou seja, impor a vontade e os interesses dos exploradores sobre os direitos indígenas e quilombolas e na prática, se a reforma trabalhista nos faz retroceder a situação anterior a era Vargas, o objetivo e o foco desses setores é reconstituir a Lei de Terras de 1850. Essa é a estratégia. E pior, negociam com aqueles que se encontram na administração dos poderes públicos benesses e favores submetendo o direito a uma condição vulnerável, o qual vale apenas para os que detêm ou são os selecionados e acolhidos pelos interesses econômicos hegemônicos ou em disputa, transformando o direito num privilégio, como se vivêssemos num regime de exceção. Lamentavelmente é o que parece ocorrer no atual contexto político e jurídico em nosso Brasil.

    Tanto a tese do Marco Temporal, que não se encontra entre as 19 condicionantes, mas apenas é referida em votos de ministros no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, como as condicionantes não encontram guarida no texto constitucional relativo às demarcações de terras. As interpretações jurídicas do direito não podem se pautar por interesses políticos e econômicos. O resultado do julgamento da ação popular contra Raposa Serra do Sol demonstra, em certa medida, que, para além da legitimidade da demarcação, se pretendia impor limites às demandas indígenas. O voto-vista apresentado pelo ministro Carlos Menezes Direito – no qual propôs as 19 condicionantes e o marco temporal ao procedimento demarcatório daquela terra – deve ser analisado com cuidado para que não sejam generalizadas as decisões daquele julgamento. Isso porque, sobre as condicionantes e o marco temporal foram interpostos vários embargos de declaração tanto com o intuito de rejeitar as condicionantes, ou para vinculá-las às demais demarcações de terras no país. Os embargos da Pet 3388/RR foram julgados e os ministros do STF, em sua maioria, se manifestaram no sentido de restringir – condicionantes e o marco temporal – ao caso concreto de Raposa Serra do Sol.

    Adite-se: os atuais estudos demarcatórios realizados pela Funai – no caso dos povos indígenas – e pelo Incra – relativo aos quilombolas –, seguem ritos definidos por normatizações administrativas, já apresentadas: o Decreto 1.775/96, a Portaria 14/96 e o Decreto 4887/2003, onde se prevê investigações históricas, antropológicas, arqueológicas, sociais, fundiárias e ambientais necessárias para avalizar ou rejeitar uma demarcação administrativa. O marco temporal – que ora se pretende ilegalmente e ilegitimamente resgatar – propõe a exclusão desses estudos e rompe com o que está expresso na Carta Magna de que “os índios tem o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, ou seja, aquelas condicionantes e aquele marco temporal, como então definidos STF, referem-se efetivamente a um conjunto de condições vinculadas ao caso específico da terra indígena Raposa Serra do Sol, e, portanto, não podem e nem devem ser extensivos a outros procedimentos. Sobre isso, o jurista José Afonso da Silva, declarou:

    "A decisão do Supremo diz respeito a um caso específico. Não criou jurisprudência geral coisa nenhuma. Pode ser que, no futuro, o STF afirme alguma outra coisa, mas, até lá, um caso único e específico pode até criar um precedente, mas não uma jurisprudência. O que a AGU está fazendo é, a partir da sua própria interpretação do que os ministros decidiram em 2009, estender para todos os outros casos a decisão (Agência Brasil, 20/07/2012)".

    Com o julgamento a Pet 3388/RR (DJe de 01/07/2010), o  STF deixa evidente que o Art. 231, § 1º, da CF/88 não cria marco temporal vinculando as demarcações futuras, mas estabelece que no caso concreto da terra indígena Raposa Serra do Sol havia que se estabelecer, não somente um delimitador para reconhecimento da demarcação, mas acima de tudo para dizer que ao longo da história os povos daquela terra foram esbulhados. Justifica-se, neste caso, a argumentação do renitente esbulho. Segundo o STF, “o renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada”.

    Portanto, a polêmica estabelecida no âmbito do Poder Judiciário – através de decisões de desembargadores e ministros – utilizando-se da tese do marco temporal e do renitente esbulho serve, em essência, para estabelecer limites aos direitos indígenas e também quilombolas relativos às demarcações de suas terras, pois impõem que estes devem provar que estavam sobre a terra, ou em conflito e/ou em disputa processual pela área pleiteada naquele período – comprovando o renitente esbulho. Há, todavia, que se dizer que o esbulho contra indígenas e quilombolas é comprovado pela história passada e recente de nosso país. São fartas as bases documentais que comprovam terem ocorrido intensos conflitos, esbulhos e expulsões dos indígenas das terras onde habitavam tradicionalmente. Também são fartas as fontes que mostram que os povos eram impedidos de voltar às terras ou de pleiteá-las, dadas às pressões políticas e as violências sofridas. O renitente esbulho não deve e não pode ser caracterizado pelo conflito evidente, aparente ou de fácil caracterização, mas, sobretudo, deve ser investigado aquele que se prolongou ao longo do tempo em função de um leque interminável de circunstâncias, que não apenas os conflitos físicos, armados e/ou judicializados.  

    A presença contemporânea dos povos indígenas e das comunidades quilombolas em luta pela terra é, em essência, a comprovação do renitente esbulho. Eles não sucumbiram ao passado, vivem no presente e são eles – povos e comunidades de hoje – com quem o Estado e o Poder Judiciário devem se preocupar.

    O jurista José Afonso da Silva acresce, a partir do julgamento da Pet 3388, quanto à ilegitimidade de algumas das condicionantes expressas naquele julgamento, de modo especial do “marco temporal de ocupação das terras indígenas pelos índios” . Para o Constitucionalista, o referido marco é questionável:

    "Fixado pretorianamente de modo arbitrário como sendo a data da promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Questionável também por ter dado ao conceito uma dimensão normativa com aplicação geral a todos os casos de ocupação de terras indígenas".

    O enunciado do acórdão do julgamento da Pet 3388 referindo que a “Constituição Federal trabalhou com data certa  – a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) – como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia, ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que ocupam” é entendido pelo jurista José Afonso da Silva como espoliador dos direitos fundamentais dos índios porque junta  dois conceitos: o marco temporal em 05/10/1988 e o renitente esbulho”. O jurista pergunta:

    "Onde está isso na Constituição? Como pode ela ter trabalhado com essa data, se ela nada diz a esse respeito nem explícita nem implicitamente? Nenhuma cláusula, nenhuma palavra do art. 231 sobre os direitos dos índios autoriza essa conclusão. Ao contrário, deve- se ler com a devida atenção o caput do art. 231, ver-se-á que dele se extrai coisa muito diversa. Vejamos: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, língua, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer espeitar todos os bens”.

    Se são “reconhecidos… os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, é porque já existiam antes da promulgação da Constituição. Se ela dissesse: “são conferidos, etc.”, então, sim, estaria fixando o momento de sua promulgação como marco temporal desses direitos.

    Conclui, assim, que são equivocadas as interpretações do Poder Judiciário no tocante ao marco temporal, pois a atual Constituição não limita os direitos ordinários dos povos indígenas às suas terras ao dia 05 de outubro de 1988, impedindo demarcações de terras para os povos que apenas conseguiram regressar a elas depois do advento da atual Carta Magna.

    Adverte o afamado professor que:

    "O termo “marco” tem sentido preciso. Em sentido espacial, marca limite territorial. Em sentido temporal, como é o caso, marca limites históricos, ou seja, marca quando se inicia algum fato evolutivo. O documento que marcou o início do reconhecimento jurídico-formal dos direitos dos índios foi a Carta Régia de 30 de junho de 1611, promulgada por Fellipe III, que firmou o princípio de que os índios são senhores de suas terras, “sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstias ou injustiça alguma".

    Acerca do instituto do renitente esbulho, observa que não é correto interpretar, à luz da Constituição Federal, que os conflitos envolvendo terras indígenas tenham um caráter tipicamente possessório na forma caracterizada pelo direito civil. Para o jurista, a ocupação indígena de suas terras não é uma mera posse, pois eles as ocupam com fundamento no indigenato. Para ele, a ocupação é fundada em direitos originários, de sorte que quando o não-índio se apossa dessas terras, ele não retira apenas a posse dos índios sobre elas, mas um conjunto de direitos que integram o conceito de indigenato.

    Alerta ainda, de modo enfático, que a interpretação restritiva de esbulho renitente como controvérsia possessória judicializada é absolutamente inaceitável porque:


    "A controvérsia não é tipicamente possessória…, ou seja, não é uma disputa individual em que um possuidor retira a posse do outro, pois os direitos ordinários dos índios sobre a terra, como visto no correr deste parecer, não pertence a eles como indivíduos, mas às comunidades indígenas; demais os índios e as comunidades indígenas antes da Constituição de 1988 não tinham legitimidade processual, pois estavam sujeitas ao regime tutelar, de sorte que exigir deles o cumprimento de ônus, qual seja a defesa das terras que ocupam, que são de propriedade da União, e  que, pela sua situação de tutelado, não podem cumprir, é desconhecer que o direito se interpreta em relação ao contexto em que incide, sem levar em conta que a Constituição lhes garante também sua organização social, costumes e tradições. Demais, os direitos constitucionais dos índios são de natureza protetiva de minorias, e como tal devem ser interpretados sempre de modo favorável aos beneficiários, não se lhes impondo ônus fora de sua situação vivencial".

    Ademais, sobre o renitente esbulho, há que se ressaltar, como já observou o ilustre professor, que até 1988 os povos indígenas eram tutelados pelo Estado, portanto, não poderiam pleitear seus direitos autonomamente (essa função era da União, através de seus órgãos de assistência). E há que se considerar as frequentes denúncias de que os próprios órgãos de assistência foram responsáveis pelo esbulho e exploração das terras, tendo alguns servidores públicos atuado para coibir e reprimir as comunidades e lideranças indígenas. No mesmo sentido, o Relatório Figueiredo traz com nitidez, atrocidades praticadas contra as comunidades indígenas nos anos de 1950 a 1970.

    Portanto, se, no âmbito do Poder Judiciário, os indígenas não agiam porque eram impedidos, agora eles são considerados sujeitos de direitos individuais e coletivos – Artigo 232 da CF: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo” – e não podem mais ser ignorados. E, igualmente, não devem ser punidos porque não ingressaram com reclamatórias na justiça em um contexto no qual tal ação não lhes era facultada. Ainda hoje, observa-se que, na maioria das demandas contra as demarcações de terras, os povos e suas comunidades não estão sendo intimados ou citados para responder e se fazer representar. Isso implica, segundo a Constituição Federal, na nulidade das ações em que os povos não foram chamados para responder – sendo eles partes legítimas tanto no polo passivo como no ativo das ações.

    Acerca das 19 condicionantes, a Suprema Corte foi enfática em dizer que a sua aplicabilidade é limitada, restringindo-se ao caso concreto de Raposa Serra do Sol. Na história brasileira há outras decisões que não podem ser generalizadoras. Podemos lembrar, por exemplo, de um marco da historiografia cearense, o Relatório da Província, escrito em 1863, no qual se decretava a extinção dos índios no estado do Ceará e a anexação dos territórios destes às glebas destinadas à colonização. Naquele, e em quase todos os estados, a ordem era favorecer os interesses dos setores regionais e nacionais dominantes, exterminando (ou extinguindo oficialmente) os indígenas para, assim, liberar as terras. Um século mais tarde, já não se decretava a inexistência dos povos indígenas e sim, a necessidade de promoção de sua “gradativa e harmoniosa integração”, através de um aparato jurídico e de ações assistenciais que visavam obter, pela via da integração da população indígena, a liberação das terras por eles ocupadas para os projetos de desenvolvimento nacional.

    As condicionantes retomam argumentos reacionários em relação aos povos indígenas e contrariam os direitos constitucionais destes povos em aspectos cruciais. Um primeiro aspecto diz respeito ao direito de pleitear ampliação ou revisão de limites de terras já demarcadas. Embora, em geral, se utilize a expressão “ampliação de terras”, na grande maioria dos casos se trata de uma reivindicação justa de revisão dos limites estabelecidos pela Funai em um contexto de conflito, no qual o órgão indigenista aconselhou que os índios aceitassem uma redução da área para possibilitar a sua demarcação sem maiores embates (e tais procedimentos ocorreram em desajuste com o que determina a Constituição Federal). São muitas as terras indígenas demarcadas, sobretudo nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que demandam revisão de limites, pois tiveram uma drástica redução nas dimensões apontadas pelos grupos técnicos e não correspondem à área de ocupação tradicional de povos e comunidades indígenas. Citando um caso concreto, no estado de Santa Catarina, a área indígena Toldo Pinhal, do povo Kaingang, foi identificada pelo grupo técnico e recomendada para demarcação com uma extensão de 9.800 hectares, considerando a ocupação tradicional e as necessidades do grupo em questão. Contudo, a Funai demarcou apenas 980 hectares, portanto, uma área dez vezes menor. Como este, há dezenas de outros casos.

    Sobre a interpretação de que não há possibilidade de se ampliar terras já demarcadas, o jurista José Afonso da Silva argumenta:

    "O que é fundamental é que a Constituição, no caput do Art. 231, garante aos índios os direitos originários sobre as terras que ocupam. Então onde houver terras indígenas nessas condições, a demarcação é obrigatória. Os índios têm direito à demarcação de suas terras na sua totalidade. Esses direitos preexistem ao ato de demarcação, por isso mesmo a demarcação é reconhecida até pelo próprio Supremo Tribunal Federal como meramente declaratória. Ora, então, se forem indígenas as terras confinantes com terras já demarcadas, corre-lhes o direito à ampliação da demarcação até cobrir as áreas que ficaram fora da demarcação original".

    O segundo aspecto diz respeito à restrição do usufruto exclusivo sobre as terras pelos índios, conforme estabelece o Art. 231 da Constituição Federal. As condicionantes limitam aos indígenas o usufruto de recursos existentes em suas terras restringindo as possibilidades apresentadas por outras normas legais. Além disso, determinam que seja dispensada a consulta prévia às comunidades quando houver interesse da União na implantação de empreendimentos em terras indígenas. Nesse sentido, a expansão da malha viária ou a geração de energia (via construção de hidrelétricas, por exemplo) poderia ser entendida como estratégica, dispensando a prévia consulta às comunidades que vivem nas terras afetadas? Tal aspecto afronta premissas da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Povos Indígenas e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, esta última ratificada pelo Estado brasileiro, que determinam a realização de consulta prévia, livre e informada às populações indígenas sobre qualquer empreendimento que as afetem. A aplicação das condicionantes articuladas ao marco temporal parecem alinhadas ao desejo de colocar um ponto final nos procedimentos democráticos, que pressupõem consultas, debates, diálogos com a população envolvida.

    Ao longo dos séculos, as terras indígenas acabaram servindo e/ou sendo utilizadas por diversos povos em função do direito originário. Direito anterior a outros direitos que possam incidir sobre terras indígenas. Neste sentido a demarcação tem a função de estabelecer os limites espaciais de uma determinada terra e assegurar aos povos ou comunidades o direito de usufruir delas dentro de uma perspectiva de futuro. Segundo Marco Antônio Barbosa, a Constituição assegura os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam numa perspectiva de esclarecer que a utilização e relacionamento dos povos com as terras são de outra natureza:

    "Visou o legislador constituinte deixar claro que o Estado brasileiro reconhece aos índios direitos territoriais preexistentes ao próprio Estado brasileiro, por isso a utilização das expressões: reconhecidos e direitos originários. Redigida de forma pouco precisa, a Súmula 650-STF deve ser aplicada tão-somente às hipóteses a que ela se refere – usucapião de terras mencionadas no art. 1º, alínea "h", do Decreto nº 9.760/1946 -, devendo os operadores do direito atentar para as peculiaridades e as circunstâncias constantes dos precedentes que embasaram a edição do enunciado, sob pena de violação ao disposto no Art. 231 da Constituição e ao art. 14 da Convenção 169 – OIT".

    Diante de todo o exposto, e tendo em vista que estão em disputa poderosos interesses políticos e econômicos, que visam essencialmente a exploração e espoliação das terras e seus recursos naturais e ambientais e, como consequência, pretendem a aniquilação dos direitos indígenas e quilombolas, requer-se, depois dessa discussão, que o Supremo Tribunal Federal mantenha a coerência com decisões proferidas por ocasião do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, e pacifique, em definitivo, afastando a tese do marco temporal, do renitente esbulho, bem como as 19 condicionantes vinculadas ao caso concreto daquela decisão, e que os ritos demarcatórios, tanto no que se refere às demarcações de terras indígenas como das comunidades, afastando, por conseguinte essas malfadadas teses, consolidando a constitucionalidade do Decreto 4887/2003, dos direitos originários e tradicionais dos povos indígenas, tudo pautado pelo espírito da Constituição Federal, regulados por normas que assegurem que as ações sejam realizadas pelos órgãos da administração pública federal, como efetivamente ocorre.

    Se assim o decidir, por uma questão de justiça, a Suprema Corte evitará que medidas extremas, com características de uma justiça de exceção, contra povos e comunidades originárias e tradicionais, se consolidem.

    Porto Alegre, 31 de julho de 2017.

    Marcelo Charleo, advogado, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e membro da Comissão Americana de Juristas

    Roberto Antonio Liebgott, filósofo, bacharel em Direito e missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul.

    Onir de Araújo, advogado, integrante da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, Rio Grande do Sul


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  • 01/08/2017

    Comissão de Direitos Humanos e Minorias debate violência contra indígenas com Eurodeputada


    Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Câmara. Foto: Guilherme Cavalli/ Cimi

    A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados denunciou na manhã de hoje (01) os conflitos nas demarcações de terras indígenas e o contexto político brasileiro e internacional. A audiência pública trouxe para o debate o Marco Temporal e o Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), instrumentos que paralisam a demarcação das Terras Indígenas (TI). Participou do debate a deputada Julie Ward, do Parlamento Europeu, do Reino Unido, que acompanhou as denúncias de violações dos direitos indígenas, sobretudo dos casos do povo Gamela, no Maranhão, massacre em Pau D’Arco, no Pará, e as violências sistemáticas aos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.

    Juntamente com Julie Ward compuseram a mesa Rogério de Paiva Navarro, subprocurador-geral da República e Membro da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), Gilberto Vieira, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Eliseu Lopes, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a deputada Janete Capiberibe, membra da Comissão. Lideranças indígenas dos povos Puroborá, Tupari, Kassupá de Rondônia acompanharam a sessão.

    Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, da coordenação executiva da Apib, apresentou as violações dos direitos indígenas nos últimos tempos. A liderança ressaltou as impunidades presente no Marco Temporal, que, segundo Eliseu, anistia e legitima as agressões. “O Parecer assinado por Michel Temer, que favorece o Marco Temporal, paralisa as demarcações e incentiva a expulsão de indígenas de sua terra. Se o marco temporal for aprovado no Supremo Tribunal Federal (STF) será legitimado o massacre e o derramamento de sangue dos povos indígenas no Brasil”, comentou.
    Segundo a tese do marco temporal, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

    O Guarani Kaiowá assinalou a importância de Julie Ward apresentar ao Parlamento Europeu as incursões violentas do Estado brasileiro contra os povos originários. “Eu quero, em nome de todos os povos indígenas do Brasil, denunciar internacionalmente a violação que é o marco temporal e fazer um pedido ao Parlamento Europeu: mandem uma carta para o judiciário brasileiro”. 

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    MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

    O subprocurador Rogério Navarro criticou as políticas assumidas pelo governo em relação aos povos indígenas. Segundo Navarro, o Marco Temporal “vai apenas incentivar a violência pela posse da terra”. “As Terras Indígenas sempre foram consideradas, sobre o aspecto da normatividade constitucional, como terras da união. Se houve uma invasão dessas terras por não indígenas e os indígenas, por forças das agressões, foram forçados a se deslocar, então foi o Estado brasileiro que não cumpriu com suas obrigações”, expõe o subprocurador. “Em razão das constantes agressões sofridas ao longo de séculos, alguns grupos fizeram enfrentamento, mas outros em razões de seus hábitos e culturas, se afastaram. Por conta disso, agrupamentos foram deslocados e não estacam na terra na data de cinco de outubro de 1988”, argumentou ao analisar a inconstitucionalidade do marco temporal. 

    O membro da 6ª Câmara do MPF responsável por acompanhar a temática populações indígenas e comunidades tradicionais salientou que essas são iniciativas do atual governo e se encontram num contexto de negociações com bancada ruralista e defensores da mineração. “Por interesses entorno da questão agrária, expansão da fronteira e aspectos da mineração, pretende-se que esse marco temporal seja constitucionalizado”, argumenta Navarro.

    Gilberto Vieira entregou a deputada Julie Ward o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2015, publicação anual do Cimi que sistematiza dados sobre conflitos e violações sofridas pelos povos originários. “Nos entendemos que boa parte das violações contra os povos indígenas tem por base um modelo de desenvolvimento que nunca considerou a presença dos povos. Desconsidera-se a diferença e os valores e a contribuição que esses povos podem dar em outro tipo de desenvolvimento”.


    O secretário-adjunto do Cimi, Gilberto Vieira, entregou a  Julie Ward o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2015. Foto: Guilherme Cavalli

    Diante ao crescente conflito no campo envolvendo as comunidades tradicionais, o secretário-adjunto do Cimi solicitou em plenária a criação de barreiras humanitárias à importação de commodities agrícolas brasileiras pela União Europeia.  “Pedimos aos aliados do Parlamento Europeu que busquem estabelecer barreiras a esses produtos que são produzidos violando direitos das comunidades tradicionais. Há mercadorias exportadas para a Europa que tem sangue indígena. Estabelecer barreiras humanitárias para essas violações seria um papel sumamente importante dos parlamentares que conhecem essas realidades”. A CDHM recebeu a proposta e conduziu como um dos encaminhamentos da audiência pública.

    Julie Ward firmou o compromisso de apresentar a realidade dos povos indígenas em plenária na comissão europeia que debate direitos humanos e internacionais. A deputada permaneceu 13 dias na região de Marabá (PA), onde constatou o abandono em que vivem os indígenas da região.

     

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  • 31/07/2017

    Ainda é 1500, por Elaine Tavares


    Foto: Comunidade Guarani

    Por Elaine Tavares, em Palavras Insurgentes

    A cena é tocante. Na beira do asfalto, um grupo de indígenas olha, entre estupefato e triste, outro grupo de gente, branca, postado em cima da passarela. Os brancos estendem faixas, denunciando uma “invasão” dos indígenas e dizendo que a demarcação das terras ameaça o seus lares. São moradores da comunidade Enseada de Brito, que fica próxima à terra Guarani, no Morro dos Cavalos. Vê-se que são “bem-nascidos” e poderiam estar no rol das chamadas “pessoas de bem”. Um deles ostenta a camisa amarela da CBF, de triste papel no Brasil atual. Na verdade, um pequeno grupo organizado por políticos da região ligados ao DEM. De longe, eles se olham. Os Guarani, como sempre, no silêncio circunspecto. Esperam, tranquilos, mas não mansos.

    Lá no alto, os brancos ostentam o preconceito e a ignorância. Pouco sabem sobre o mundo indígena. Em nem querem conhecer. Tal como no longínquo 1500, chegam com suas bandeiras e verdades, vendo o outro, diferente, como inimigo. E não são.

    Já os Guarani observam com aquele mesmo olhar afiado com o qual miraram as caravelas naqueles tempos distantes. Viram os homens chegarem e acolheram com risos e oferendas. Mas, ao longo desses mais de 500 anos, eles já sabem que a hospitalidade nunca valeu de nada diante da cobiça. Carregam bem fundo na alma e no corpo e memória da violência, do massacre, do assassínio, do terror.

    Hoje, nesse domingo de sol, eles se olharam outra vez. Distantes. O diálogo mais uma vez impossível.

    A terra da área do Morro dos Cavalos é uma terra que já foi demarcada, portanto, legalmente terra indígena. Ali vivem as famílias que conformam a comunidade Guarani. E, como é do seu costume, as famílias se movimentam dentro da área. Assim, hora estão aqui, ora ali. É a sua maneira de viver.


    Foto: Comunidade Guarani

    Incansáveis na perseguição aos indígenas, alguns políticos da região, liderados pelo vereador Pitanta (DEM), continuam provocando a discórdia na tentativa de jogar a comunidade de Enseada contra os Guarani. Já foi assim durante o processo de demarcação, foi assim durante a desintrusão, foi assim nas conversas sobre a obra na BR 101. Acostumados a mandar no pedaço, eles não reconhecem a forma de viver dos indígenas, não aceitam o fato de que a terra está demarcada e buscam atrapalhar a vida dos Guarani ao máximo, esperando talvez que eles desistam e vão embora.

    É a história “patas arriba”. Chamam de invasores aos donos originários de toda aquela terra. Uma terra que os Guarani nem reivindicam, e poderiam. Afinal, tudo era deles. Mas, em vez disso, se contentam com o espaço conquistado, que nem é o ideal. Agora, tudo o querem é viver em paz, do jeito deles.

    É uma vida de sobressaltos. Quando não têm de viver esses momentos patéticos, precisam se defender de jagunços, de jornalistas mal intencionados, de políticos oportunistas, da justiça, da polícia, de tudo. O tempo todo na defensiva, como se fossem bandidos. Não são.

    A farsa da “manifestação” armada pelo vereador é só mais um ataque dos tantos, cotidianos e sistemáticos. Porque a intenção é colocar medo, fazer com que se movam, saiam da terra, abandonem tudo. Afinal, quem pode viver assim, o tempo todo ameaçado, acossado?

    O dia acabou e os manifestantes foram para casa. Jantarão felizes, por certo, comentando a ação contra os índios, os quais odeiam sem conhecer. Na aldeia, os Guarani discutem e se preparam. Sabem que não acaba aí. A terra é ouro para o branco.

    Estamos no século XXI e no Brasil os colonizadores conseguiram exterminar grande parte dos povos originários. As pessoas brancas acham bonito vê-los no museu ou nas apresentações do dia do índio. Mas, não suportam saber que eles estão por perto, que se movem, que lutam, que buscam garantir seus direitos. Índio bom é índio quieto e distante. Mas o fato é que eles estão aqui e aqui ficarão.


    Foto: Comunidade Guarani

    Tenho dúvidas sobre se essas pessoas que são capazes de sair à rua, portando cartazes que chamam os indígenas de invasores, estão abertas ao diálogo. Tenho dúvidas. Mas, é preciso seguir tentando. Os povos originários, que chegaram a um número de 150 mil nos anos de 1960, praticamente a beira da extinção, agora já passam de um milhão. Levantam-se e assumem sua identidade. Querem viver em paz nos seus territórios. Para isso é preciso que o povo brasileiro os conheça, sem armaduras, de peito aberto, pronto para um encontro verdadeiro.

    No velho Brasil colônia, dominado pela cobiça, isso não foi possível. Mas, hoje, muitos há que se solidarizam, que respeitam, que apoiam e que lutam junto. Essa é ainda uma longa caminhada. Mas, não há saída. Como dizem os chiapanecas, das montanhas mexicanas: “nunca mais o mundo sem nós”. E assim é. É preciso reconhecer o território originário, demarcá-lo e garantir que os povos vivam em paz. Mas, não nos iludamos. O que está por trás de ações como essa de hoje, na Enseada, é a velha luta de classes. Os indígenas, como os trabalhadores empobrecidos, estão no mesmo lado. O inimigo é o mesmo. E contra ele, vamos – como dizia o velho Quixote – travar uma longa e feroz batalha.

    Fotos e informações: Comunidade Guarani

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  • 29/07/2017

    Ódio aos indígenas: até quando?, por Elaine Tavares


    Acampamento Terra Livre, abril de 2017. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Por Elaine Tavares, em Palavras Insurgentes

    Não bastou exterminar centenas de etnias, roubar as terras, escravizar, matar, destruir a cultura. Parece que nunca basta. Todos os dias, os povos originários precisam recomeçar a luta contra o preconceito e a ignorância. De cinco milhões na época da invasão, hoje mal chegam a um milhão e ocupam apenas 12% do território nacional. Muitos já perderam grande parte dos seus costumes e saberes, precisam garantir as forças para não morrer, para conseguir um mínimo de território onde possam ser quem são. Outros, na força da luta, uma luta renhida, conseguiram demarcar terras, nas quais tentam viver.

    Eu disse, tentam!

    Porque a guerra contra eles ainda não terminou. Todo dia é um 1500.

    Pois nesse domingo está sendo chamada uma reunião no colégio da comunidade de Enseada de Brito, Santa Catarina, para discutir o que chamam de mais uma “invasão indígena”, referindo-se a presença de um grupo Guarani na terra do Morro dos Cavalos. A terra que é dos Guarani desde os tempos imemoriais.

    Ocorre que ali na Enseada desde há tempos vem sendo travada uma luta contra os Guarani por gente que tudo o que quer é rapinar a terra. E, esses, insuflam a comunidade contra os índios, os quais poucos conhecem de verdade. Resta o preconceito e todas as simbologias construídas durante séculos de discriminação e inverdades.

    O mote da reunião é que os índios estão pondo em risco a água da comunidade. Como se os índios não fossem os poucos nessa bola azul chamada Terra que cuidam, de verdade, do ambiente.

    Pois domingo agora, eles já chamaram até a imprensa para denunciar a “invasão”. Seria engraçado se não fosse trágico. Quem são os invasores?

    É certo que o tempo passou e que é preciso encontrar formas de viver em paz, índios e brancos. Mas é certo também que o problema não está no índio. As pessoas precisariam conhecer a cultura originária, entender como funciona, como se move no mundo, compreender seus mitos, sua forma de ser. Fosse assim, muito do ódio se dissiparia.

    Mas, sabemos, a questão não é só a ignorância. O não saber. Aflora também a rapinagem, o espírito predador dos que apenas querem a terra para especular. Onde hoje tentam sobreviver os Guarani, há quem veja prédios, condomínios, empreendimentos rurais. Negócios, lucros. E nessa ambição, vão contaminando mentes e corações contra aqueles que só querem seguir vivendo suas vidas na terra que é deles por direito.

    As campanhas de ódio contra os Guarani do Morro dos Cavalos não são de hoje. O que surpreende é que passado tanto tempo, ainda não tenha sido possível uma convivência harmoniosa por parte dos moradores da cidade. Os índios não são monstros de sete cabeças. Eles só vivem de maneira diferente. Compreender isso já é um bom passo para o entendimento. Tomara que o povo de Enseada seja capaz.

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  • 28/07/2017

    Parceria entre Cimi e Unila conclui curso em Histórias e Culturas Indígenas


    Segunda edição reuniu 38 pessoas de 15 estados. Encerrou hoje (28) após 18 dias de aula. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Após 18 dias de trocas e discussões, concluiu hoje (28) a segunda edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas, uma parceria do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) com a Universidade de Integração Latino-Americana (Unila).

    38 pessoas vindas de 15 estados do país permaneceram três semanas no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), onde debateram sobre: História e Resistência Indígena, Conjuntura Política Indigenista, Terra, Território e Territorialidade e sua relação com os projetos de Bem Viver, Direitos Indígenas, Antropologia Indígena e questão metodológica do ensino da História Indígena nas escolas.

    Com essas temáticas, o curso ofereceu formação para apropriação de referenciais conceituais e legais que permitem o conhecimento e valorização da sociodiversidade indígena, para a desconstrução de noções equivocadas e preconceituosas sobre as comunidades e povos tradicionais. As aulas buscaram valorizar a multietnicidade e a pluralidade cultural. As realidades contemporâneas dos Povos Indígenas no Brasil nas propostas pedagógicas das escolas também estiveram presentes nas grades das aulas.

    O curso que está em sua segunda edição formou, com a atual turma, aproximadamente cem pessoas que direta ou indiretamente contribuem com a causa indígena em todo o território nacional. “O debate surge como sinal de esperança em uma conjuntura de retirada de direitos e violação da vida dos indígenas”. A iniciativa, segundo Marline Dassoler, integrante da equipe responsável pela iniciativa, busca integrar os saberes acadêmicos e a atuação junto aos povos tradicionais. “Trazemos, com o Cimi, um trabalho prático da luta com os indígenas, na promoção de seus direitos e autonomia. A Unila proporciona o debate com fundamentos epistemológicos”, comenta. “Passamos assim a referenciar nossas propostas de trabalho a partir de saberes práticos e teóricos”, afirma a missionária do Cimi e membra do Coletivo Nacional de Formação da entidade.


    Saulo Feitosa, professor da UFPE, durante a disciplina Terra, Território e Territorialidade e sua relação com os projetos de Bem Viver. Foto: Guilherme Cavalli

    Além da contribuição com o pensar a pluralidade sociocultural do Brasil, reduzindo assim o preconceito contra os povos indígenas, o curso auxilia na difusão do projeto da Unila e do Cimi, valorizando as parcerias com movimentos sociais e auxiliando na capacitação de multiplicadores sociais na temática da diversidade étnica.

    “As aulas tiveram sempre uma proposta de historicizar as realidades das populações indígenas na América Latina a partir dos diferentes campos do conhecimento, na história, na política, na sociologia, no direito”, comentam Maria Cristina Macedo Alencar, professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. “As trocas de saberes ajudarão a construir cursos que não sejam colonizadores, mas que se estruturem nas práticas que reflitam a realidade” A linguista destacou a importância das vivências extra academia, que segundo ela, atribuem ao curso um caráter pedagógico do “aprender na partilha”. “A experiência mostra que é possível o diálogo com outros sujeitos que não estejam somente na academia, e também com outras instituições que possuem o trabalho direto com esses variados sujeitos sociais”.

    Além de professoras (es) e pedagogas (os), que somam 52% dos intencionistas, participaram do curso indígenas, indigenistas, historiadores, estudantes, advogados, produtores culturais, agrônomos, e membros de movimentos e pastorais sociais.

    Jessica Marques, universitária do estado de Minas Gerais, destacou a importância do curso como espaço de potencializar a formação dos movimentos populares que trabalham na defesa dos direitos sociais. “O curso traz em sua raiz um pensamento descolonizar. É preciso descolonizar nossos saberes e as práticas de um projeto político vigente, que é neoliberal. Os módulos do curso trazem a perspectiva histórica, suas contradições, para uma nova atuação no presente”, comenta.

    “A presença estudantil contempla os objetivos propostos para o curso, de formar agentes de movimentos e pastorais sociais e professores dos diferentes níveis de ensino das redes municipais, estaduais e privadas”, afirma Clovis Antonio Brighenti, membro da equipe coordenadora. “Desejamos qualificar a abordagem das temáticas das culturas e história dos Povos Indígenas nas propostas pedagógicas e curriculares, visando a contribuir para a implementação qualificada da Lei nº 11.645/2008 e no suporte pedagógico aos agentes sociais sobre a referida temática”.

    Descolonizar: novos saberes para outras práticas

    Enquanto, no Congresso Nacional, avançam políticas que violentam os direitos dos povos tradicionais, indígenas e indigenistas gestam forma de resistência nos espaços de conhecimento e luta. No Pará, por exemplo, o defensor público Johny Giffoni busca alternativas em sua atuação jurídica para incrementar práticas que respeitem a organização social e cultural dos povos indígenas. “É preciso fazer Direito com outro paradigma de pensamento, que venha conceber uma sociedade mais justa. Quando a atuação é junto aos povos indígenas, necessariamente devemos conduzir nosso fazer a partir de suas realidades”, expressa.

    Para o defensor público, o curso ajudou a “pensar um sistema de justiça plural, e em políticas públicas que sejam includentes, não discriminatórias”.  “Levarei para o Pará a discussão e as possibilidades de colocarmos as instituições jurídicas a debater seus fazeres de forma inculturada”. Para Giffoni, é necessário tornar os órgãos plural em seus saberes e para isso é preciso ouvir. “Só podemos ter um sistema de justiça plural se as pessoas que a compõem sejam plurais. Você precisa debater com índios, negros, ribeirinhos, ciganos, as práticas que vão incidir em sua organização. Somente assim serão ações respeitosas. O curso está possibilitando eu desenhar ações que direcionem para esse fazer”. 

    Os dias de curso foram preenchidos com intensas discussões sobre conceitos como alteridade, diferença, autonomia, etnocentrismo, plurinacionalidade, colonialidade e territorialidade. As aulas intercalaram-se com momentos de cantos, contos, poesias, histórias e relatos de resistência e de esperança, além das constantes provocações sobre o presente e o futuro a partir do princípio do bem viver.

    As seis disciplinas distribuídas em 140 horas aulas correspondem a etapa presencial, que se estendeu de 10 a 28 de julho. As demais 40 horas aulas implicam na produção de um artigo ou projeto de intervenção no contexto de cada estudante, orientados pelo corpo docente do curso.

    Ataques ao projeto pedagógico da Unila

    Histórias e Culturas Indígenas ocorre em um contexto onde busca-se silenciar práticas de integração da América Latina, que pensem e debatam a vida dos povos originários deste continente. A fundação da Unila, em 2010, representou um importante passo para o fortalecimento latino-americano, como um fator de poder para o futuro comum da América Latina. Contudo, a afirmação da vocação e identidade ameríndia incomodou representantes do colonialismo e da dependência. Em abril deste ano, Álvaro Dias (PV-PR) apresentou um projeto para que a universidade sofresse modificações no seu projeto pedagógico. Representante do latifúndio, Álvaro Dias é um dos mencionado em gravações originadas na Operação Lava Jato.

    “Acompanhamos o avanço de um projeto conservador e neoliberal em nosso país. Isso acontece com força no Congresso e incide em entidades menores, como universidades federais e estaduais. Os ataques a Unila estão nesse contexto. Desejam que ela perca sua configuração de interação com o pensamento da América Latina. Isso vem sendo posto em disputa por um projeto conduzido por bancadas como a do agronegócio”, ressalta Jessica Marques, militante do Levante Popular da Juventude.

    Ao findar o curso, em nota pública, os cursistas da segunda edição solidarizam-se com os professores e alunos da instituição e reafirmam a importância da universidade para a promoção do pensamento latino-americano. “O principal argumento apresentado é modificar completamente o projeto de Unila e transformá-la em produtora de mão de obra para o agronegócio”, denuncia a nota ao repudiar a iniciativa de alterar a opção pedagógica. “O próprio curso de extensão é uma demonstração fundamental do quanto a Unila e seu projeto e atuação é de extrema relevância não apenas para a região oeste do Paraná, mas para o Brasil e demais países latino-americanos”, pontua o texto.

    Leia a nota abaixo:

    Nota Pública em defesa da Unila e sua opção latino-americana

    Os estudantes do curso de Extensão em Histórias e Culturas Indígenas, oferecido pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana em atendimento a Lei nº 11.645/2008, vêm a público manifestar-se contra os ataques em curso que desejam acabar com o projeto da Unila de pensar uma nova relação latino-americana construída a partir das epistemologias regionais. Somos professores, educadores populares, defensores dos direitos humanos, defensores públicos, eclesiásticos de 15 Unidades da Federação que nos interessamos pelo curso oferecido pela Unila e estivemos, desde o dia 10 de julho, estudando a temática indígena.

    Acompanhamos atentamente e repudiamos os ataques verbais do senador da República Álvaro Dias (PV-PR) alegando que a Unila tem “funcionamento atípico” e que vive uma “crise permanente”. Essa ofensiva veio a somar-se a mais um ataque desferido pelo deputado Sergio Souza (PMDB-PR) ao propor uma “Medida Aditiva” a “Medida Provisória Nº 785, de 2017 a fim de “criar a Universidade Federal do Oeste do Paraná (UFOPR)” com a incorporação da Unila, que segundo o deputado, a universidade “funciona aquém do potencial para o qual foi concebida”.

    O principal argumento apresentado é modificar completamente o projeto de Unila e transformá-la em produtora de mão de obra para o agronegócio, como argumenta o pmdebista: “Tais fatores demandam, sem sombra de dúvidas, a necessidade de mão de obra qualificada na região para a demanda da cadeia produtiva e também do incremento do terceiro setor que acompanha naturalmente o desenvolvimento do setor produtivo”.

    O próprio curso de extensão é uma demonstração fundamental do quanto a Unila e seu projeto e atuação é de extrema relevância não apenas para a região oeste do Paraná, mas para o Brasil e demais países latino-americanos. Mais do que formar mão de obra, precisamos de pessoas capacitadas para pensar as sociedades e auxiliar a superar a grave crise humanitária e ambiental que passamos.

    Nesse sentido, nos unimos a comunidade acadêmica da Unila (alunos, técnicos e professores) e a sociedade brasileira na defesa da manutenção e apoio esta importante instituição de ensino, pesquisa e extensão. Repudiamos aos ataques verbais e através de ações parlamentares sem qualquer debate com a comunidade universitário e com a sociedade brasileira.

    Alunos da 2° edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas
    Luziânia (GO)
    28 de julho de 2017

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  • 28/07/2017

    A negligência após o contato: mais um esteio da memória indígena Awá Guajá que tomba


    Amakaria (no chão) e sua companheira de resistências nas políticas de contato. Foto: Cimi Maranhão

    Por Rosana de Jesus Diniz Santos, do Cimi Regional Maranhão

    No dia 17 de julho morreu Jakỹxia Awá Guajá. O indígena vivia na aldeia Awá, Terra Indígena (TI) Caru, município de Bom Jardim (MA). É o sétimo Awá Guajá que morre em 10 anos, decorrentes da negligência das políticas do Estado. Ele deixa filhas, netos e bisnetos.

     “Por quê estamos morrendo sem que nossos cabelos fiquem branco?”, questiona Tatuxa’a. A indignação da liderança Awá Guajá foi alimentada pelo descaso: faltou a Jakỹxia o cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). A carência desta tarjeta rotineiramente penaliza os indígenas.

    Uma assistente social do Polo Base de Saúde, em Santa Inês, informou que “o índio passou mal”. Ele tinha dores no estomago, iniciadas no dia 07 de julho. Fez exames, incluindo uma endoscopia. Foi liberado, contudo, uma semana depois sentiu dores e retornou ao hospital. “Seu pulmão estava estragado”, diziam ao classificar como grave o seu estado. Morreu enquanto aguardava ser removido do hospital da rede municipal para o hospital estadual. Foi vítima da demora e da burocracia. A causa da morte, informou-me a assistente social segundo o que constava no laudo médico, foi insuficiência respiratória, pneumonia e outras.

    Memória dos que tombaram

    A memória que tomba remete a de Myrakexa’a, que partiu em 2007 – tempo recente. Era a indígena mais velha do grupo que resistiu às doenças do contato e à severidade da política de ocupação, expansão e violência no territórios Awá (Hakwa). Dois anos mais tarde, em 2009, morre Xipaxa’a, esposo de Mirakexa’a. Pereceu após chegar do hospital, em Santa Inês (MA). Foi até o local para acompanhar seu filho diagnosticado com pneumonia. Já havia perdido um rebento há pouco tempo pela mesma doença do contato. Após regressar do lugar de saúde, deitou-se, cantou e em algumas horas estava morto.


    Myrakexa’a,  indígena mais velha do grupo que resistiu às doenças do contato e à severidade da política de ocupação e violência. Foto: Cimi Maranhão

    Em 2013 morreu Ajrua (na foto ao lado). Ela passou a apresentar febre e indisposição. Definhava. O diagnóstico da doença não saia, ou se saia, à comunidade não chegava – o que ocorre com frequência no trato com a saúde Awá. A comunidade pressionou e fez com que a equipe de saúde a retirasse para o hospital. Ajrua foi levada para a cidade de Santa Inês. Foi e voltou sem diagnóstico.Víamos seu definhamento enquanto sua mãe preparava banhos com raízes, na esperança de ver sua filha curada. Sem êxito. A indígena cessou de leishmaniose visceral, doença tratável. O parecer clínico saiu depois que a indígena já havia morrido.

    2015 foi o ano da partida de Hapaxa’a, remanescente de um grupo Awá Guajá, também sequelado pela tuberculose. Seu corpo apresentava características da doença, além de artrose e artrite. Mal alimentado, Hapaxa’a tossia ao longo das noites geladas das serras do Tiracambu. Com demora foi encaminhado para a cidade de São Luiz (MA), após constantes questionamentos e pressão da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da comunidade.

    Permaneceu internado no hospital Presidente Vargas, especializado no tratamento de tuberculosos. O hospital foi seu lar. Permaneceu longe de seu mundo e de sua gente. Ao seu redor, pessoas estranhas e em estados físicos bem pior que o seu. Com sua morte, apagou-se a memória do grupo que resistiu e conseguiu, por meses, despistar a equipe de atração da Fundação Nacional do Índio (Funai) ao abrigarem-se em uma moita de cipó.

    Ano de 2014. Duas mulheres e um jovem Awá Guajá fazem contato com o mundo branco. Foi um evento que movimentou a alta cúpula de indigenistas da Funai que atuam com indígenas isolados. Jakarewỹj adoeceu uma semana após a chegada na aldeia. O mau que a desestabilizou é o mal do contato: pneumonia seguida de tuberculose. Abriu-se uma celeuma entre os especialistas em isolados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Funai: retirar ou não a indígena para o hospital de São Luís?

    Em internação forçada, Jakarewỹj foi levada. Amakaria, sua companheira de resistências nas políticas de contato, a acompanhou. Visitas foram vedadas a pessoas que não fossem da Sesai ou Funai. Aos missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi ordenado manter distância das indígenas. O cuidado que se tinha é para que somente funcionários dos órgãos governamentais tivessem informações sobre as recém contatadas.

    As indígenas permaneceram por seis meses nesse mundo de “gente estranha”, espaço em que tudo era diferente para elas. Existem relatos da Casa do Índio (CASAI, em São Luiz) de que se automedicavam a partir da ciência Awá Guajá. Na esperança de curar as doenças adquiridas no contato, catavam formigas para fazerem seus remédios. Retornaram para a comunidade ao estabilizarem o quadro clínico.


    Foto: Arquivo Cimi

    Por opção, a dupla regressou para a floresta. Na primeira quinzena de junho Jakerewỹj tombou na floresta. Quem contou para os demais Awá Guajá sobre a morte foi sua fiel amiga, Amakaria. Que filme se passou naquele instante? Regressaram para a floresta, deixando para traz o contato forçado e apostando na capacidade de viver sem serem molestadas. As indígenas protagonizaram uma longa história de resistência e superação, de fidelidade ao seu mundo. Duas senhoras, que por dezenas de anos tiveram como lar a floresta de serras e árvores da Amazônia maranhense, rompem os laços mais íntimos. Outra vez, ali está, uma anciã Awá Guajá morta devido a incapacidade ocidental de perceber sua insuficiência. Uma assiste o fim da outra.

    Em 2016 morre Xipawaha. O motivo da sua morte nos soa estranho: os Awá Guajá chegam a acreditar que ele foi morto por brancos enquanto caçava. Xipawaha era um sobrevivente ao contato de ‘pacificação’ da Funai. Resistiu a tuberculose. Contudo, reclamava de dores no peito e tossia constantemente. Apesar de suas lamúrias, era homem alegre e gentil. A causa da morte não foi esclarecida. O que ficou claro foi a demora no atendimento e na prestação de informação da equipe de saúde à comunidade. A morosidade levou a comunidade a protestos. A família não teve acesso ao laudo que diagnosticaria o porquê do fim de Xipawaha.

    2017: realidades de violações

    Os Awá Guajá caminham em terras indígenas demarcadas, todavia, continuamente invadidas e depredadas por madeireiros. Com motosserras abrem estradas no interior das Terras Indígenas para o roubo de madeira, o que vulnerabiliza mais os Awá ao massacres, a contaminação por doenças e afetando diretamente os bens naturais que garantem o seu modo de vida.


    Foto: Arquivo Cimi/MA

    A realidade dos Awá Guajá se entrecruza, em tempos de negligência e genocídio dos povos originários, com outras infinitas realidades de violação dos direitos indígenas. São resultantes das medidas que são tomadas nos espaços de políticas nacionais, onde se abrigam aqueles que dominam o Estado para seu próprio bem-estar. “Representantes” do povo, trabalham para acelerar a morte dos indígenas. O Brasil enfrenta um genocídio planejado e sequenciado pelas políticas do Estado.

    Tatuxa’a, a liderança que apareceu no início desta narrativa, oferece mais elementos que caracterizam a política genocida do Estado. Narra a dupla ofensiva de violações. De um lado, o Estado omisso. Do outro, as invasões das TI que lançam fogo criminoso. Pela presença intrusa, indígenas não conseguem mais percorrer a densa mata atrás de alimento, ou de desfrutar dos peixes dos rios. O que comer? Tatuxa’a conta que os anciãos Awá são os mais penalizados pelas doenças adquiridas e pela subalimentação. Apanham anzóis e vão pescar nos igarapés. O que pescam são dois mandis, pequenos peixes.


    Foto: Arquivo Cimi

    Na cultura Awá Guajá, a prioridade da alimentação é para as crianças. Integram a sociedade que pensa no seu presente e no seu amanhã. Contudo, é um por vir que está ameaçado pelo fogo criminoso que atingiu suas terras, em 2015, além da ação de madeireiros e tantos outros impactos e alterações causadas pela mineradora Vale.

    O que as mortes têm em comum?

    Tatuxa’a nos questiona ao fazer a conexão dessas mortes com a falta de acesso a comida que os velhos Awá Guajá estão submetidos. Culpa, ainda, a demora no atendimento à saúde. As provocações feitas pela liderança ecoam no tempo e infelizmente se perpetra. Ele exige respostas sobre as mortes do seu povo. De quem é a responsabilidade? O que as mortes têm em comum? A indagação do indígena nos interpela e faz interpelar os responsáveis pelas políticas indígenas. Não há como aceitar essas sequências de morte como se fizessem parte do processo natural da vida dos Awá Guajá. Elas podem e devem ser imputadas ao Estado brasileiro e suas (insuficientes) políticas para os povos indígenas e seus executores penalizados. É urgente mudar esse rumo de abandono e buscar responsáveis.

    Os anciãos Awá Guajá exibem as sequelas da tuberculose, presente do contato; exibem a fome em seus corpos magros; exibem tosses e catarros de uma infecção insuportável. Onde estão a Sesai e Funai? Mesmo com uma equipe muldisciplinar de saúde e com um médico assistindo essas comunidades com regularidade, onde estão? Porque ainda se perdem anciãos e crianças Awá Guajá por doenças tratáveis? Porque os anciãos morrem antes dos cabelos esbranquiçarem, como questionam os Awá? O que falta a Funai ou quem estaria impedindo o acesso dos anciãos Awá Guajá ao benefício da aposentadoria? As políticas básicas podem melhorar o acesso a comida. Uma alimentação básica levaria maior longevidade aos anciãos, esteios da memória e do conhecimento do povo. Contudo, a negligência e a falta de cuidado com a coletividade Awá Guajá caracteriza a política de saúde da Sesai.

    Presidente, ministros, deputados. Todos defendem abertamente a morte e a integração dos povos indígenas ao “Estado” com preocupações que visam incorporar as terras indígenas ao interesse do capital. Enquanto os anciãos Awá Guajá morrem por negligência das políticas governamentais, nos espaços de poder da política ‘civilizada’, Michel Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, presidentes do Brasil, da Câmara Legislativa e do Senado Federal, armam projetos para saquear o país. Paralelamente, os Awá Guajá padecem enquanto aguardam o cartão do aposentado, a saúde básica, o alimento mínimo.

    Assim, segue uma política silenciosa de apagamento do povo Awá Guajá. A realidade é de descuido dos anciãos, onde ignora-se a fome e a subalimentação deles e das crianças. Inexiste o cuidado especial com os deficientes Awá Guajá, que vivem sem o benefício, um direito constitucional. Não se estrutura uma política respeitosa para os indígenas isolados. São desrespeitos de uma realidade que não é mais possível de aceitar.

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  • 25/07/2017

    Dez anos após declaração internacional, indígenas sofrem


    Membro da tribo Tariana, na região amazônica do Brasil. Foto: Julio Pantoja/Banco Mundial

    Em seu décimo aniversário, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas enfrenta sérios obstáculos para proteger populações tradicionais em todo o mundo. Segundo a relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, a expansão das indústrias extrativistas, do agronegócio e dos “megaprojetos” de desenvolvimento e infraestrutura que invadem as reservas ainda permanecem como as principais ameaças para a maioria dos povos indígenas.

    Para ela, as consequências dos projetos que não obtêm consentimento livre informado dessas populações – e que ocorrem em diversos países, como o Brasil – continuam a resultar na expropriação de terras, despejos forçados, falta de acesso aos meios de subsistência, bem como na perda da cultura e de locais espirituais.

    “Estou particularmente preocupada com o crescente número de ataques contra líderes indígenas e membros da comunidade que procuram defender seus direitos sobre as terras. Os povos indígenas que tentam proteger seus direitos humanos fundamentais estão sendo ameaçados, presos, perseguidos e, nas piores situações, se tornam vítimas de execuções extrajudiciais”, afirmou Tauli-Corpuz.


    Relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, durante reunião em Genebra em março. Foto: ONU/Jean-Marc Ferré

    Ela ressaltou que, apenas no ano passado, a ONU enviou comunicados manifestando preocupação sobre esse tipo de ataques em diversos países, a maioria na América do Sul – incluindo o Brasil. Em 2016, a relatora alertou que a situação dos povos indígenas era a mais grave desde a criação da Constituição brasileira de 1988.

    Em nível internacional, a Declaração reforçou a importância da implementação de medidas protetivas aos povos indígenas e suas terras na legislação de diversos países. Nações como Equador, Bolívia, El Salvador e Quênia revisaram suas constituições, incorporando medidas positivas. Já em Belize, Colômbia e México, a Declaração é usada como orientação de jurisprudência em tribunais superiores e constitucionais.

    A Declaração forneceu uma ferramenta inestimável para estimular os movimentos de povos indígenas nos níveis nacional e global, na busca por afirmar seus direitos inerentes por melhor capacitação”, acrescentou a relatora.

    No entanto, obstáculos significativos continuam a prejudicar a capacidade dos povos indígenas de desfrutarem de seus direitos estabelecidos no documento.

    “Enquanto um número crescente de países está adotando uma legislação que reconhece os direitos dos povos indígenas, lamentavelmente, muitas vezes há inconsistências flagrantes entre essa legislação e outras leis, principalmente as relativas aos investimentos (…) Essas incluem leis sobre atividades extrativistas, como mineração, bem como leis sobre silvicultura, agricultura e conservação”, ressaltou.

    Para ela, a exclusão de povos indígenas na concepção e implementação de leis e políticas que os afetam está vinculada a permanência da discriminação e do racismo. “Isso decorre do legado de leis e políticas coloniais racistas passadas que continuam a distorcer as percepções dos povos indígenas e desconsiderar sua governança e leis tradicionais.”

    A relatora observou também que a Declaração fornece orientações-chave sobre as medidas que os Estados precisam tomar para quebrar o ciclo da discriminação racial, permitindo que os povos indígenas desfrutem seus direitos humanos em pé de igualdade com a sociedade em geral.

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  • 25/07/2017

    Na 43ª Assembleia, Cimi Regional MT reflete atual conjuntura e denuncia violações nos direitos dos povos indígenas


    Grupo que particiou da 43 ª Assembleia do Cimi MT, um dos regionais mais antigos do organismo da CNBB

    O contexto traz grandes desafios. Direitos sociais são usurpados por um governo perpetrado por um grupo político representante dos setores da indústria, do agronegócio e do capital internacional. “O Poder Executivo, na ânsia de manter o apoio dos parlamentares aliados, cede a todas as pressões”. Diante a atual conjuntura, missionários e missionárias do Conselho Indigenistas Missionário (Cimi) do Regional Mato Grosso (MT) reafirmam em Assembleia o profetismo na missão junto aos povos indígenas. O encontro aconteceu na última semana, de 17 a 21, em Fátima de São Lourenço (MT), com o tema Espiritualidade e Profecia no desafio da Missão.

    A 43ª Assembleia do Cimi Regional Mato Grosso, um dos mais antigos do organismo pertencente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reuniu 35 missionários e missionárias. O encontro foi assessorado pelo secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, e por Dom Juventino Kestering, bispo referencial do Cimi junto ao Regional Oeste II da CNBB.

    Entre os assuntos debatidos na Assembleia, esteve a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e o parecer elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU), que restringe as demarcações de Terras Indígenas (TI) as condicionantes estabelecidas no processo da TI Raposa Serra do Sol. Segundo o documento final, “estas medidas visam beneficiar o avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas com o objetivo de garantir a exploração de suas riquezas para os grandes grupos econômicos”.

    Na conjuntura brasileira, em que a bancada ruralista, após a última eleição parlamentar, sente-se fortalecida para anular os direitos arduamente conquistados pelos povos indígenas, os missionários do Regional reassumiram o compromisso profético de denunciar as violações de direitos constitucionais. “Diante deste quadro alarmante de violações dos direitos constitucionais, nós, missionários e missionárias do CIMI MT, denunciamos a prepotência destes atos que põem em risco a existência dos povos indígenas como sociedades com direitos imemoriais reconhecidos em Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário”, descreve a carta final da Assembleia.


    Documento Final da 43ª Assembleia do Regional Mato Grosso

    Nós, missionários e missionárias do Cimi Regional Mato Grosso, juntamente com o Bispo referencial do Cimi junto ao Regional Oeste II da CNBB, D. Juventino Kestering, realizamos a nossa 43ª. Assembleia, celebrando a memória do martírio do Padre Rodolfo Lunkenbein e de Simão Bororo, assassinados em defesa da terra do povo Boe-Bororo. Com o tema Espiritualidade e Profecia no desafio da Missão, nossa Assembleia foi precedida por um retiro espiritual orientado por D. Erwin Kräutler, bispo emérito da Prelazia do Xingu, PA e ex-presidente do Cimi.

    Durante a Assembleia refletimos sobre os grandes desafios enfrentados pelos povos indígenas no atual contexto político em consequência do assalto ao poder perpetrado pelos grupos econômicos representados por setores da indústria, do agronegócio e pelo capital internacional. A bancada ruralista, após a última eleição parlamentar, está se sentindo fortalecida para anular os direitos arduamente conquistados pelos povos indígenas assegurados na Constituição Federal de 1988. A PEC 215 continua em tramitação, ameaçando retirar da Funai a competência relativa aos processos de identificação e de demarcação das terras indígenas, atribuindo-a ao Congresso Nacional.

    Por sua vez, o Poder Executivo, na ânsia de manter o apoio dos parlamentares aliados, cede a todas as pressões e reduz drasticamente o orçamento da Funai, impedindo-a de cumprir seu papel institucional de demarcação e proteção das terras indígenas. A Advocacia Geral da União, AGU, elaborou Parecer que obriga todos os órgãos da União a aplicarem, de forma vinculante, as condicionantes estabelecidas no processo da Terra Indígena Raposa Serra do Sol estendendo-as a todas as terras indígenas em estudo. Avalia-se que cerca de noventa por cento dos processos em andamento serão arquivados em decorrência deste Parecer.

    Estas medidas visam beneficiar o avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas com o objetivo de garantir a exploração de suas riquezas para os grandes grupos econômicos. Em decorrência, os povos indígenas sofrem toda sorte de violências, como no caso dos Gamela, do Maranhão. Muitas lideranças indígenas são injustamente criminalizadas ou assassinadas, como aponta o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas, dados de 2015, publicado em 2016. Comissões Parlamentares de Inquérito foram instaladas contra os aliados destes povos, como a CPI do CIMI na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul e a CPI da Funai/Incra que tramitou na Câmara dos Deputados.  Nesta última, foi proposto o indiciamento de um grande número de pessoas sob alegações infundadas e caluniosas. A relação do Estado brasileiro tem sido denunciada e condenada em várias Cortes internacionais.

    Diante deste quadro alarmante de violações dos direitos constitucionais, nós, missionários e missionárias do CIMI MT, denunciamos a prepotência destes atos que põem em risco a existência dos povos indígenas como sociedades com direitos imemoriais reconhecidos em Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário.

    Inspirados na sabedoria, espiritualidade e resistência milenares dos povos indígenas, que consideram a vida um direito inalienável a todos os seres presentes na Mãe Terra, nos posicionamos contra este processo genocida que ameaça os povos originários e toda a humanidade. Os valores presentes nas cosmovisões destes povos nos ensinam que é possível um outro modo de nos relacionarmos com o ambiente, capaz de eliminar a ganância e a ambição desmedidas que produzem injustiças e desigualdade social e ameaçam a vida sobre a terra. Finalmente, invocamos as palavras do profeta, tão atuais para o momento que vivemos:
    “Suas obras são criminosas e suas mãos praticam a violência. Seus passos levam para o mal e eles correm para derramar sangue inocente. Seus planos são criminosos, sua estrada é feita de ruína e destruição… É por isso que o direito está longe de nós e a justiça nunca chega ao nosso alcance”. Isaías 59,6-9.

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