• 01/08/2017

    Comissão de Direitos Humanos e Minorias debate violência contra indígenas com Eurodeputada


    Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Câmara. Foto: Guilherme Cavalli/ Cimi

    A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados denunciou na manhã de hoje (01) os conflitos nas demarcações de terras indígenas e o contexto político brasileiro e internacional. A audiência pública trouxe para o debate o Marco Temporal e o Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), instrumentos que paralisam a demarcação das Terras Indígenas (TI). Participou do debate a deputada Julie Ward, do Parlamento Europeu, do Reino Unido, que acompanhou as denúncias de violações dos direitos indígenas, sobretudo dos casos do povo Gamela, no Maranhão, massacre em Pau D’Arco, no Pará, e as violências sistemáticas aos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.

    Juntamente com Julie Ward compuseram a mesa Rogério de Paiva Navarro, subprocurador-geral da República e Membro da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), Gilberto Vieira, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Eliseu Lopes, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a deputada Janete Capiberibe, membra da Comissão. Lideranças indígenas dos povos Puroborá, Tupari, Kassupá de Rondônia acompanharam a sessão.

    Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, da coordenação executiva da Apib, apresentou as violações dos direitos indígenas nos últimos tempos. A liderança ressaltou as impunidades presente no Marco Temporal, que, segundo Eliseu, anistia e legitima as agressões. “O Parecer assinado por Michel Temer, que favorece o Marco Temporal, paralisa as demarcações e incentiva a expulsão de indígenas de sua terra. Se o marco temporal for aprovado no Supremo Tribunal Federal (STF) será legitimado o massacre e o derramamento de sangue dos povos indígenas no Brasil”, comentou.
    Segundo a tese do marco temporal, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

    O Guarani Kaiowá assinalou a importância de Julie Ward apresentar ao Parlamento Europeu as incursões violentas do Estado brasileiro contra os povos originários. “Eu quero, em nome de todos os povos indígenas do Brasil, denunciar internacionalmente a violação que é o marco temporal e fazer um pedido ao Parlamento Europeu: mandem uma carta para o judiciário brasileiro”. 

    Leia também:
    Nota Pública: Michel Temer violenta os direitos dos povos indígenas para tentar impedir seu próprio julgamento
    MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

    O subprocurador Rogério Navarro criticou as políticas assumidas pelo governo em relação aos povos indígenas. Segundo Navarro, o Marco Temporal “vai apenas incentivar a violência pela posse da terra”. “As Terras Indígenas sempre foram consideradas, sobre o aspecto da normatividade constitucional, como terras da união. Se houve uma invasão dessas terras por não indígenas e os indígenas, por forças das agressões, foram forçados a se deslocar, então foi o Estado brasileiro que não cumpriu com suas obrigações”, expõe o subprocurador. “Em razão das constantes agressões sofridas ao longo de séculos, alguns grupos fizeram enfrentamento, mas outros em razões de seus hábitos e culturas, se afastaram. Por conta disso, agrupamentos foram deslocados e não estacam na terra na data de cinco de outubro de 1988”, argumentou ao analisar a inconstitucionalidade do marco temporal. 

    O membro da 6ª Câmara do MPF responsável por acompanhar a temática populações indígenas e comunidades tradicionais salientou que essas são iniciativas do atual governo e se encontram num contexto de negociações com bancada ruralista e defensores da mineração. “Por interesses entorno da questão agrária, expansão da fronteira e aspectos da mineração, pretende-se que esse marco temporal seja constitucionalizado”, argumenta Navarro.

    Gilberto Vieira entregou a deputada Julie Ward o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2015, publicação anual do Cimi que sistematiza dados sobre conflitos e violações sofridas pelos povos originários. “Nos entendemos que boa parte das violações contra os povos indígenas tem por base um modelo de desenvolvimento que nunca considerou a presença dos povos. Desconsidera-se a diferença e os valores e a contribuição que esses povos podem dar em outro tipo de desenvolvimento”.


    O secretário-adjunto do Cimi, Gilberto Vieira, entregou a  Julie Ward o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2015. Foto: Guilherme Cavalli

    Diante ao crescente conflito no campo envolvendo as comunidades tradicionais, o secretário-adjunto do Cimi solicitou em plenária a criação de barreiras humanitárias à importação de commodities agrícolas brasileiras pela União Europeia.  “Pedimos aos aliados do Parlamento Europeu que busquem estabelecer barreiras a esses produtos que são produzidos violando direitos das comunidades tradicionais. Há mercadorias exportadas para a Europa que tem sangue indígena. Estabelecer barreiras humanitárias para essas violações seria um papel sumamente importante dos parlamentares que conhecem essas realidades”. A CDHM recebeu a proposta e conduziu como um dos encaminhamentos da audiência pública.

    Julie Ward firmou o compromisso de apresentar a realidade dos povos indígenas em plenária na comissão europeia que debate direitos humanos e internacionais. A deputada permaneceu 13 dias na região de Marabá (PA), onde constatou o abandono em que vivem os indígenas da região.

     

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  • 31/07/2017

    Ainda é 1500, por Elaine Tavares


    Foto: Comunidade Guarani

    Por Elaine Tavares, em Palavras Insurgentes

    A cena é tocante. Na beira do asfalto, um grupo de indígenas olha, entre estupefato e triste, outro grupo de gente, branca, postado em cima da passarela. Os brancos estendem faixas, denunciando uma “invasão” dos indígenas e dizendo que a demarcação das terras ameaça o seus lares. São moradores da comunidade Enseada de Brito, que fica próxima à terra Guarani, no Morro dos Cavalos. Vê-se que são “bem-nascidos” e poderiam estar no rol das chamadas “pessoas de bem”. Um deles ostenta a camisa amarela da CBF, de triste papel no Brasil atual. Na verdade, um pequeno grupo organizado por políticos da região ligados ao DEM. De longe, eles se olham. Os Guarani, como sempre, no silêncio circunspecto. Esperam, tranquilos, mas não mansos.

    Lá no alto, os brancos ostentam o preconceito e a ignorância. Pouco sabem sobre o mundo indígena. Em nem querem conhecer. Tal como no longínquo 1500, chegam com suas bandeiras e verdades, vendo o outro, diferente, como inimigo. E não são.

    Já os Guarani observam com aquele mesmo olhar afiado com o qual miraram as caravelas naqueles tempos distantes. Viram os homens chegarem e acolheram com risos e oferendas. Mas, ao longo desses mais de 500 anos, eles já sabem que a hospitalidade nunca valeu de nada diante da cobiça. Carregam bem fundo na alma e no corpo e memória da violência, do massacre, do assassínio, do terror.

    Hoje, nesse domingo de sol, eles se olharam outra vez. Distantes. O diálogo mais uma vez impossível.

    A terra da área do Morro dos Cavalos é uma terra que já foi demarcada, portanto, legalmente terra indígena. Ali vivem as famílias que conformam a comunidade Guarani. E, como é do seu costume, as famílias se movimentam dentro da área. Assim, hora estão aqui, ora ali. É a sua maneira de viver.


    Foto: Comunidade Guarani

    Incansáveis na perseguição aos indígenas, alguns políticos da região, liderados pelo vereador Pitanta (DEM), continuam provocando a discórdia na tentativa de jogar a comunidade de Enseada contra os Guarani. Já foi assim durante o processo de demarcação, foi assim durante a desintrusão, foi assim nas conversas sobre a obra na BR 101. Acostumados a mandar no pedaço, eles não reconhecem a forma de viver dos indígenas, não aceitam o fato de que a terra está demarcada e buscam atrapalhar a vida dos Guarani ao máximo, esperando talvez que eles desistam e vão embora.

    É a história “patas arriba”. Chamam de invasores aos donos originários de toda aquela terra. Uma terra que os Guarani nem reivindicam, e poderiam. Afinal, tudo era deles. Mas, em vez disso, se contentam com o espaço conquistado, que nem é o ideal. Agora, tudo o querem é viver em paz, do jeito deles.

    É uma vida de sobressaltos. Quando não têm de viver esses momentos patéticos, precisam se defender de jagunços, de jornalistas mal intencionados, de políticos oportunistas, da justiça, da polícia, de tudo. O tempo todo na defensiva, como se fossem bandidos. Não são.

    A farsa da “manifestação” armada pelo vereador é só mais um ataque dos tantos, cotidianos e sistemáticos. Porque a intenção é colocar medo, fazer com que se movam, saiam da terra, abandonem tudo. Afinal, quem pode viver assim, o tempo todo ameaçado, acossado?

    O dia acabou e os manifestantes foram para casa. Jantarão felizes, por certo, comentando a ação contra os índios, os quais odeiam sem conhecer. Na aldeia, os Guarani discutem e se preparam. Sabem que não acaba aí. A terra é ouro para o branco.

    Estamos no século XXI e no Brasil os colonizadores conseguiram exterminar grande parte dos povos originários. As pessoas brancas acham bonito vê-los no museu ou nas apresentações do dia do índio. Mas, não suportam saber que eles estão por perto, que se movem, que lutam, que buscam garantir seus direitos. Índio bom é índio quieto e distante. Mas o fato é que eles estão aqui e aqui ficarão.


    Foto: Comunidade Guarani

    Tenho dúvidas sobre se essas pessoas que são capazes de sair à rua, portando cartazes que chamam os indígenas de invasores, estão abertas ao diálogo. Tenho dúvidas. Mas, é preciso seguir tentando. Os povos originários, que chegaram a um número de 150 mil nos anos de 1960, praticamente a beira da extinção, agora já passam de um milhão. Levantam-se e assumem sua identidade. Querem viver em paz nos seus territórios. Para isso é preciso que o povo brasileiro os conheça, sem armaduras, de peito aberto, pronto para um encontro verdadeiro.

    No velho Brasil colônia, dominado pela cobiça, isso não foi possível. Mas, hoje, muitos há que se solidarizam, que respeitam, que apoiam e que lutam junto. Essa é ainda uma longa caminhada. Mas, não há saída. Como dizem os chiapanecas, das montanhas mexicanas: “nunca mais o mundo sem nós”. E assim é. É preciso reconhecer o território originário, demarcá-lo e garantir que os povos vivam em paz. Mas, não nos iludamos. O que está por trás de ações como essa de hoje, na Enseada, é a velha luta de classes. Os indígenas, como os trabalhadores empobrecidos, estão no mesmo lado. O inimigo é o mesmo. E contra ele, vamos – como dizia o velho Quixote – travar uma longa e feroz batalha.

    Fotos e informações: Comunidade Guarani

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  • 29/07/2017

    Ódio aos indígenas: até quando?, por Elaine Tavares


    Acampamento Terra Livre, abril de 2017. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Por Elaine Tavares, em Palavras Insurgentes

    Não bastou exterminar centenas de etnias, roubar as terras, escravizar, matar, destruir a cultura. Parece que nunca basta. Todos os dias, os povos originários precisam recomeçar a luta contra o preconceito e a ignorância. De cinco milhões na época da invasão, hoje mal chegam a um milhão e ocupam apenas 12% do território nacional. Muitos já perderam grande parte dos seus costumes e saberes, precisam garantir as forças para não morrer, para conseguir um mínimo de território onde possam ser quem são. Outros, na força da luta, uma luta renhida, conseguiram demarcar terras, nas quais tentam viver.

    Eu disse, tentam!

    Porque a guerra contra eles ainda não terminou. Todo dia é um 1500.

    Pois nesse domingo está sendo chamada uma reunião no colégio da comunidade de Enseada de Brito, Santa Catarina, para discutir o que chamam de mais uma “invasão indígena”, referindo-se a presença de um grupo Guarani na terra do Morro dos Cavalos. A terra que é dos Guarani desde os tempos imemoriais.

    Ocorre que ali na Enseada desde há tempos vem sendo travada uma luta contra os Guarani por gente que tudo o que quer é rapinar a terra. E, esses, insuflam a comunidade contra os índios, os quais poucos conhecem de verdade. Resta o preconceito e todas as simbologias construídas durante séculos de discriminação e inverdades.

    O mote da reunião é que os índios estão pondo em risco a água da comunidade. Como se os índios não fossem os poucos nessa bola azul chamada Terra que cuidam, de verdade, do ambiente.

    Pois domingo agora, eles já chamaram até a imprensa para denunciar a “invasão”. Seria engraçado se não fosse trágico. Quem são os invasores?

    É certo que o tempo passou e que é preciso encontrar formas de viver em paz, índios e brancos. Mas é certo também que o problema não está no índio. As pessoas precisariam conhecer a cultura originária, entender como funciona, como se move no mundo, compreender seus mitos, sua forma de ser. Fosse assim, muito do ódio se dissiparia.

    Mas, sabemos, a questão não é só a ignorância. O não saber. Aflora também a rapinagem, o espírito predador dos que apenas querem a terra para especular. Onde hoje tentam sobreviver os Guarani, há quem veja prédios, condomínios, empreendimentos rurais. Negócios, lucros. E nessa ambição, vão contaminando mentes e corações contra aqueles que só querem seguir vivendo suas vidas na terra que é deles por direito.

    As campanhas de ódio contra os Guarani do Morro dos Cavalos não são de hoje. O que surpreende é que passado tanto tempo, ainda não tenha sido possível uma convivência harmoniosa por parte dos moradores da cidade. Os índios não são monstros de sete cabeças. Eles só vivem de maneira diferente. Compreender isso já é um bom passo para o entendimento. Tomara que o povo de Enseada seja capaz.

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  • 28/07/2017

    Parceria entre Cimi e Unila conclui curso em Histórias e Culturas Indígenas


    Segunda edição reuniu 38 pessoas de 15 estados. Encerrou hoje (28) após 18 dias de aula. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Após 18 dias de trocas e discussões, concluiu hoje (28) a segunda edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas, uma parceria do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) com a Universidade de Integração Latino-Americana (Unila).

    38 pessoas vindas de 15 estados do país permaneceram três semanas no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), onde debateram sobre: História e Resistência Indígena, Conjuntura Política Indigenista, Terra, Território e Territorialidade e sua relação com os projetos de Bem Viver, Direitos Indígenas, Antropologia Indígena e questão metodológica do ensino da História Indígena nas escolas.

    Com essas temáticas, o curso ofereceu formação para apropriação de referenciais conceituais e legais que permitem o conhecimento e valorização da sociodiversidade indígena, para a desconstrução de noções equivocadas e preconceituosas sobre as comunidades e povos tradicionais. As aulas buscaram valorizar a multietnicidade e a pluralidade cultural. As realidades contemporâneas dos Povos Indígenas no Brasil nas propostas pedagógicas das escolas também estiveram presentes nas grades das aulas.

    O curso que está em sua segunda edição formou, com a atual turma, aproximadamente cem pessoas que direta ou indiretamente contribuem com a causa indígena em todo o território nacional. “O debate surge como sinal de esperança em uma conjuntura de retirada de direitos e violação da vida dos indígenas”. A iniciativa, segundo Marline Dassoler, integrante da equipe responsável pela iniciativa, busca integrar os saberes acadêmicos e a atuação junto aos povos tradicionais. “Trazemos, com o Cimi, um trabalho prático da luta com os indígenas, na promoção de seus direitos e autonomia. A Unila proporciona o debate com fundamentos epistemológicos”, comenta. “Passamos assim a referenciar nossas propostas de trabalho a partir de saberes práticos e teóricos”, afirma a missionária do Cimi e membra do Coletivo Nacional de Formação da entidade.


    Saulo Feitosa, professor da UFPE, durante a disciplina Terra, Território e Territorialidade e sua relação com os projetos de Bem Viver. Foto: Guilherme Cavalli

    Além da contribuição com o pensar a pluralidade sociocultural do Brasil, reduzindo assim o preconceito contra os povos indígenas, o curso auxilia na difusão do projeto da Unila e do Cimi, valorizando as parcerias com movimentos sociais e auxiliando na capacitação de multiplicadores sociais na temática da diversidade étnica.

    “As aulas tiveram sempre uma proposta de historicizar as realidades das populações indígenas na América Latina a partir dos diferentes campos do conhecimento, na história, na política, na sociologia, no direito”, comentam Maria Cristina Macedo Alencar, professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. “As trocas de saberes ajudarão a construir cursos que não sejam colonizadores, mas que se estruturem nas práticas que reflitam a realidade” A linguista destacou a importância das vivências extra academia, que segundo ela, atribuem ao curso um caráter pedagógico do “aprender na partilha”. “A experiência mostra que é possível o diálogo com outros sujeitos que não estejam somente na academia, e também com outras instituições que possuem o trabalho direto com esses variados sujeitos sociais”.

    Além de professoras (es) e pedagogas (os), que somam 52% dos intencionistas, participaram do curso indígenas, indigenistas, historiadores, estudantes, advogados, produtores culturais, agrônomos, e membros de movimentos e pastorais sociais.

    Jessica Marques, universitária do estado de Minas Gerais, destacou a importância do curso como espaço de potencializar a formação dos movimentos populares que trabalham na defesa dos direitos sociais. “O curso traz em sua raiz um pensamento descolonizar. É preciso descolonizar nossos saberes e as práticas de um projeto político vigente, que é neoliberal. Os módulos do curso trazem a perspectiva histórica, suas contradições, para uma nova atuação no presente”, comenta.

    “A presença estudantil contempla os objetivos propostos para o curso, de formar agentes de movimentos e pastorais sociais e professores dos diferentes níveis de ensino das redes municipais, estaduais e privadas”, afirma Clovis Antonio Brighenti, membro da equipe coordenadora. “Desejamos qualificar a abordagem das temáticas das culturas e história dos Povos Indígenas nas propostas pedagógicas e curriculares, visando a contribuir para a implementação qualificada da Lei nº 11.645/2008 e no suporte pedagógico aos agentes sociais sobre a referida temática”.

    Descolonizar: novos saberes para outras práticas

    Enquanto, no Congresso Nacional, avançam políticas que violentam os direitos dos povos tradicionais, indígenas e indigenistas gestam forma de resistência nos espaços de conhecimento e luta. No Pará, por exemplo, o defensor público Johny Giffoni busca alternativas em sua atuação jurídica para incrementar práticas que respeitem a organização social e cultural dos povos indígenas. “É preciso fazer Direito com outro paradigma de pensamento, que venha conceber uma sociedade mais justa. Quando a atuação é junto aos povos indígenas, necessariamente devemos conduzir nosso fazer a partir de suas realidades”, expressa.

    Para o defensor público, o curso ajudou a “pensar um sistema de justiça plural, e em políticas públicas que sejam includentes, não discriminatórias”.  “Levarei para o Pará a discussão e as possibilidades de colocarmos as instituições jurídicas a debater seus fazeres de forma inculturada”. Para Giffoni, é necessário tornar os órgãos plural em seus saberes e para isso é preciso ouvir. “Só podemos ter um sistema de justiça plural se as pessoas que a compõem sejam plurais. Você precisa debater com índios, negros, ribeirinhos, ciganos, as práticas que vão incidir em sua organização. Somente assim serão ações respeitosas. O curso está possibilitando eu desenhar ações que direcionem para esse fazer”. 

    Os dias de curso foram preenchidos com intensas discussões sobre conceitos como alteridade, diferença, autonomia, etnocentrismo, plurinacionalidade, colonialidade e territorialidade. As aulas intercalaram-se com momentos de cantos, contos, poesias, histórias e relatos de resistência e de esperança, além das constantes provocações sobre o presente e o futuro a partir do princípio do bem viver.

    As seis disciplinas distribuídas em 140 horas aulas correspondem a etapa presencial, que se estendeu de 10 a 28 de julho. As demais 40 horas aulas implicam na produção de um artigo ou projeto de intervenção no contexto de cada estudante, orientados pelo corpo docente do curso.

    Ataques ao projeto pedagógico da Unila

    Histórias e Culturas Indígenas ocorre em um contexto onde busca-se silenciar práticas de integração da América Latina, que pensem e debatam a vida dos povos originários deste continente. A fundação da Unila, em 2010, representou um importante passo para o fortalecimento latino-americano, como um fator de poder para o futuro comum da América Latina. Contudo, a afirmação da vocação e identidade ameríndia incomodou representantes do colonialismo e da dependência. Em abril deste ano, Álvaro Dias (PV-PR) apresentou um projeto para que a universidade sofresse modificações no seu projeto pedagógico. Representante do latifúndio, Álvaro Dias é um dos mencionado em gravações originadas na Operação Lava Jato.

    “Acompanhamos o avanço de um projeto conservador e neoliberal em nosso país. Isso acontece com força no Congresso e incide em entidades menores, como universidades federais e estaduais. Os ataques a Unila estão nesse contexto. Desejam que ela perca sua configuração de interação com o pensamento da América Latina. Isso vem sendo posto em disputa por um projeto conduzido por bancadas como a do agronegócio”, ressalta Jessica Marques, militante do Levante Popular da Juventude.

    Ao findar o curso, em nota pública, os cursistas da segunda edição solidarizam-se com os professores e alunos da instituição e reafirmam a importância da universidade para a promoção do pensamento latino-americano. “O principal argumento apresentado é modificar completamente o projeto de Unila e transformá-la em produtora de mão de obra para o agronegócio”, denuncia a nota ao repudiar a iniciativa de alterar a opção pedagógica. “O próprio curso de extensão é uma demonstração fundamental do quanto a Unila e seu projeto e atuação é de extrema relevância não apenas para a região oeste do Paraná, mas para o Brasil e demais países latino-americanos”, pontua o texto.

    Leia a nota abaixo:

    Nota Pública em defesa da Unila e sua opção latino-americana

    Os estudantes do curso de Extensão em Histórias e Culturas Indígenas, oferecido pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana em atendimento a Lei nº 11.645/2008, vêm a público manifestar-se contra os ataques em curso que desejam acabar com o projeto da Unila de pensar uma nova relação latino-americana construída a partir das epistemologias regionais. Somos professores, educadores populares, defensores dos direitos humanos, defensores públicos, eclesiásticos de 15 Unidades da Federação que nos interessamos pelo curso oferecido pela Unila e estivemos, desde o dia 10 de julho, estudando a temática indígena.

    Acompanhamos atentamente e repudiamos os ataques verbais do senador da República Álvaro Dias (PV-PR) alegando que a Unila tem “funcionamento atípico” e que vive uma “crise permanente”. Essa ofensiva veio a somar-se a mais um ataque desferido pelo deputado Sergio Souza (PMDB-PR) ao propor uma “Medida Aditiva” a “Medida Provisória Nº 785, de 2017 a fim de “criar a Universidade Federal do Oeste do Paraná (UFOPR)” com a incorporação da Unila, que segundo o deputado, a universidade “funciona aquém do potencial para o qual foi concebida”.

    O principal argumento apresentado é modificar completamente o projeto de Unila e transformá-la em produtora de mão de obra para o agronegócio, como argumenta o pmdebista: “Tais fatores demandam, sem sombra de dúvidas, a necessidade de mão de obra qualificada na região para a demanda da cadeia produtiva e também do incremento do terceiro setor que acompanha naturalmente o desenvolvimento do setor produtivo”.

    O próprio curso de extensão é uma demonstração fundamental do quanto a Unila e seu projeto e atuação é de extrema relevância não apenas para a região oeste do Paraná, mas para o Brasil e demais países latino-americanos. Mais do que formar mão de obra, precisamos de pessoas capacitadas para pensar as sociedades e auxiliar a superar a grave crise humanitária e ambiental que passamos.

    Nesse sentido, nos unimos a comunidade acadêmica da Unila (alunos, técnicos e professores) e a sociedade brasileira na defesa da manutenção e apoio esta importante instituição de ensino, pesquisa e extensão. Repudiamos aos ataques verbais e através de ações parlamentares sem qualquer debate com a comunidade universitário e com a sociedade brasileira.

    Alunos da 2° edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas
    Luziânia (GO)
    28 de julho de 2017

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  • 28/07/2017

    A negligência após o contato: mais um esteio da memória indígena Awá Guajá que tomba


    Amakaria (no chão) e sua companheira de resistências nas políticas de contato. Foto: Cimi Maranhão

    Por Rosana de Jesus Diniz Santos, do Cimi Regional Maranhão

    No dia 17 de julho morreu Jakỹxia Awá Guajá. O indígena vivia na aldeia Awá, Terra Indígena (TI) Caru, município de Bom Jardim (MA). É o sétimo Awá Guajá que morre em 10 anos, decorrentes da negligência das políticas do Estado. Ele deixa filhas, netos e bisnetos.

     “Por quê estamos morrendo sem que nossos cabelos fiquem branco?”, questiona Tatuxa’a. A indignação da liderança Awá Guajá foi alimentada pelo descaso: faltou a Jakỹxia o cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). A carência desta tarjeta rotineiramente penaliza os indígenas.

    Uma assistente social do Polo Base de Saúde, em Santa Inês, informou que “o índio passou mal”. Ele tinha dores no estomago, iniciadas no dia 07 de julho. Fez exames, incluindo uma endoscopia. Foi liberado, contudo, uma semana depois sentiu dores e retornou ao hospital. “Seu pulmão estava estragado”, diziam ao classificar como grave o seu estado. Morreu enquanto aguardava ser removido do hospital da rede municipal para o hospital estadual. Foi vítima da demora e da burocracia. A causa da morte, informou-me a assistente social segundo o que constava no laudo médico, foi insuficiência respiratória, pneumonia e outras.

    Memória dos que tombaram

    A memória que tomba remete a de Myrakexa’a, que partiu em 2007 – tempo recente. Era a indígena mais velha do grupo que resistiu às doenças do contato e à severidade da política de ocupação, expansão e violência no territórios Awá (Hakwa). Dois anos mais tarde, em 2009, morre Xipaxa’a, esposo de Mirakexa’a. Pereceu após chegar do hospital, em Santa Inês (MA). Foi até o local para acompanhar seu filho diagnosticado com pneumonia. Já havia perdido um rebento há pouco tempo pela mesma doença do contato. Após regressar do lugar de saúde, deitou-se, cantou e em algumas horas estava morto.


    Myrakexa’a,  indígena mais velha do grupo que resistiu às doenças do contato e à severidade da política de ocupação e violência. Foto: Cimi Maranhão

    Em 2013 morreu Ajrua (na foto ao lado). Ela passou a apresentar febre e indisposição. Definhava. O diagnóstico da doença não saia, ou se saia, à comunidade não chegava – o que ocorre com frequência no trato com a saúde Awá. A comunidade pressionou e fez com que a equipe de saúde a retirasse para o hospital. Ajrua foi levada para a cidade de Santa Inês. Foi e voltou sem diagnóstico.Víamos seu definhamento enquanto sua mãe preparava banhos com raízes, na esperança de ver sua filha curada. Sem êxito. A indígena cessou de leishmaniose visceral, doença tratável. O parecer clínico saiu depois que a indígena já havia morrido.

    2015 foi o ano da partida de Hapaxa’a, remanescente de um grupo Awá Guajá, também sequelado pela tuberculose. Seu corpo apresentava características da doença, além de artrose e artrite. Mal alimentado, Hapaxa’a tossia ao longo das noites geladas das serras do Tiracambu. Com demora foi encaminhado para a cidade de São Luiz (MA), após constantes questionamentos e pressão da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da comunidade.

    Permaneceu internado no hospital Presidente Vargas, especializado no tratamento de tuberculosos. O hospital foi seu lar. Permaneceu longe de seu mundo e de sua gente. Ao seu redor, pessoas estranhas e em estados físicos bem pior que o seu. Com sua morte, apagou-se a memória do grupo que resistiu e conseguiu, por meses, despistar a equipe de atração da Fundação Nacional do Índio (Funai) ao abrigarem-se em uma moita de cipó.

    Ano de 2014. Duas mulheres e um jovem Awá Guajá fazem contato com o mundo branco. Foi um evento que movimentou a alta cúpula de indigenistas da Funai que atuam com indígenas isolados. Jakarewỹj adoeceu uma semana após a chegada na aldeia. O mau que a desestabilizou é o mal do contato: pneumonia seguida de tuberculose. Abriu-se uma celeuma entre os especialistas em isolados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Funai: retirar ou não a indígena para o hospital de São Luís?

    Em internação forçada, Jakarewỹj foi levada. Amakaria, sua companheira de resistências nas políticas de contato, a acompanhou. Visitas foram vedadas a pessoas que não fossem da Sesai ou Funai. Aos missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi ordenado manter distância das indígenas. O cuidado que se tinha é para que somente funcionários dos órgãos governamentais tivessem informações sobre as recém contatadas.

    As indígenas permaneceram por seis meses nesse mundo de “gente estranha”, espaço em que tudo era diferente para elas. Existem relatos da Casa do Índio (CASAI, em São Luiz) de que se automedicavam a partir da ciência Awá Guajá. Na esperança de curar as doenças adquiridas no contato, catavam formigas para fazerem seus remédios. Retornaram para a comunidade ao estabilizarem o quadro clínico.


    Foto: Arquivo Cimi

    Por opção, a dupla regressou para a floresta. Na primeira quinzena de junho Jakerewỹj tombou na floresta. Quem contou para os demais Awá Guajá sobre a morte foi sua fiel amiga, Amakaria. Que filme se passou naquele instante? Regressaram para a floresta, deixando para traz o contato forçado e apostando na capacidade de viver sem serem molestadas. As indígenas protagonizaram uma longa história de resistência e superação, de fidelidade ao seu mundo. Duas senhoras, que por dezenas de anos tiveram como lar a floresta de serras e árvores da Amazônia maranhense, rompem os laços mais íntimos. Outra vez, ali está, uma anciã Awá Guajá morta devido a incapacidade ocidental de perceber sua insuficiência. Uma assiste o fim da outra.

    Em 2016 morre Xipawaha. O motivo da sua morte nos soa estranho: os Awá Guajá chegam a acreditar que ele foi morto por brancos enquanto caçava. Xipawaha era um sobrevivente ao contato de ‘pacificação’ da Funai. Resistiu a tuberculose. Contudo, reclamava de dores no peito e tossia constantemente. Apesar de suas lamúrias, era homem alegre e gentil. A causa da morte não foi esclarecida. O que ficou claro foi a demora no atendimento e na prestação de informação da equipe de saúde à comunidade. A morosidade levou a comunidade a protestos. A família não teve acesso ao laudo que diagnosticaria o porquê do fim de Xipawaha.

    2017: realidades de violações

    Os Awá Guajá caminham em terras indígenas demarcadas, todavia, continuamente invadidas e depredadas por madeireiros. Com motosserras abrem estradas no interior das Terras Indígenas para o roubo de madeira, o que vulnerabiliza mais os Awá ao massacres, a contaminação por doenças e afetando diretamente os bens naturais que garantem o seu modo de vida.


    Foto: Arquivo Cimi/MA

    A realidade dos Awá Guajá se entrecruza, em tempos de negligência e genocídio dos povos originários, com outras infinitas realidades de violação dos direitos indígenas. São resultantes das medidas que são tomadas nos espaços de políticas nacionais, onde se abrigam aqueles que dominam o Estado para seu próprio bem-estar. “Representantes” do povo, trabalham para acelerar a morte dos indígenas. O Brasil enfrenta um genocídio planejado e sequenciado pelas políticas do Estado.

    Tatuxa’a, a liderança que apareceu no início desta narrativa, oferece mais elementos que caracterizam a política genocida do Estado. Narra a dupla ofensiva de violações. De um lado, o Estado omisso. Do outro, as invasões das TI que lançam fogo criminoso. Pela presença intrusa, indígenas não conseguem mais percorrer a densa mata atrás de alimento, ou de desfrutar dos peixes dos rios. O que comer? Tatuxa’a conta que os anciãos Awá são os mais penalizados pelas doenças adquiridas e pela subalimentação. Apanham anzóis e vão pescar nos igarapés. O que pescam são dois mandis, pequenos peixes.


    Foto: Arquivo Cimi

    Na cultura Awá Guajá, a prioridade da alimentação é para as crianças. Integram a sociedade que pensa no seu presente e no seu amanhã. Contudo, é um por vir que está ameaçado pelo fogo criminoso que atingiu suas terras, em 2015, além da ação de madeireiros e tantos outros impactos e alterações causadas pela mineradora Vale.

    O que as mortes têm em comum?

    Tatuxa’a nos questiona ao fazer a conexão dessas mortes com a falta de acesso a comida que os velhos Awá Guajá estão submetidos. Culpa, ainda, a demora no atendimento à saúde. As provocações feitas pela liderança ecoam no tempo e infelizmente se perpetra. Ele exige respostas sobre as mortes do seu povo. De quem é a responsabilidade? O que as mortes têm em comum? A indagação do indígena nos interpela e faz interpelar os responsáveis pelas políticas indígenas. Não há como aceitar essas sequências de morte como se fizessem parte do processo natural da vida dos Awá Guajá. Elas podem e devem ser imputadas ao Estado brasileiro e suas (insuficientes) políticas para os povos indígenas e seus executores penalizados. É urgente mudar esse rumo de abandono e buscar responsáveis.

    Os anciãos Awá Guajá exibem as sequelas da tuberculose, presente do contato; exibem a fome em seus corpos magros; exibem tosses e catarros de uma infecção insuportável. Onde estão a Sesai e Funai? Mesmo com uma equipe muldisciplinar de saúde e com um médico assistindo essas comunidades com regularidade, onde estão? Porque ainda se perdem anciãos e crianças Awá Guajá por doenças tratáveis? Porque os anciãos morrem antes dos cabelos esbranquiçarem, como questionam os Awá? O que falta a Funai ou quem estaria impedindo o acesso dos anciãos Awá Guajá ao benefício da aposentadoria? As políticas básicas podem melhorar o acesso a comida. Uma alimentação básica levaria maior longevidade aos anciãos, esteios da memória e do conhecimento do povo. Contudo, a negligência e a falta de cuidado com a coletividade Awá Guajá caracteriza a política de saúde da Sesai.

    Presidente, ministros, deputados. Todos defendem abertamente a morte e a integração dos povos indígenas ao “Estado” com preocupações que visam incorporar as terras indígenas ao interesse do capital. Enquanto os anciãos Awá Guajá morrem por negligência das políticas governamentais, nos espaços de poder da política ‘civilizada’, Michel Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, presidentes do Brasil, da Câmara Legislativa e do Senado Federal, armam projetos para saquear o país. Paralelamente, os Awá Guajá padecem enquanto aguardam o cartão do aposentado, a saúde básica, o alimento mínimo.

    Assim, segue uma política silenciosa de apagamento do povo Awá Guajá. A realidade é de descuido dos anciãos, onde ignora-se a fome e a subalimentação deles e das crianças. Inexiste o cuidado especial com os deficientes Awá Guajá, que vivem sem o benefício, um direito constitucional. Não se estrutura uma política respeitosa para os indígenas isolados. São desrespeitos de uma realidade que não é mais possível de aceitar.

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  • 25/07/2017

    Dez anos após declaração internacional, indígenas sofrem


    Membro da tribo Tariana, na região amazônica do Brasil. Foto: Julio Pantoja/Banco Mundial

    Em seu décimo aniversário, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas enfrenta sérios obstáculos para proteger populações tradicionais em todo o mundo. Segundo a relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, a expansão das indústrias extrativistas, do agronegócio e dos “megaprojetos” de desenvolvimento e infraestrutura que invadem as reservas ainda permanecem como as principais ameaças para a maioria dos povos indígenas.

    Para ela, as consequências dos projetos que não obtêm consentimento livre informado dessas populações – e que ocorrem em diversos países, como o Brasil – continuam a resultar na expropriação de terras, despejos forçados, falta de acesso aos meios de subsistência, bem como na perda da cultura e de locais espirituais.

    “Estou particularmente preocupada com o crescente número de ataques contra líderes indígenas e membros da comunidade que procuram defender seus direitos sobre as terras. Os povos indígenas que tentam proteger seus direitos humanos fundamentais estão sendo ameaçados, presos, perseguidos e, nas piores situações, se tornam vítimas de execuções extrajudiciais”, afirmou Tauli-Corpuz.


    Relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, durante reunião em Genebra em março. Foto: ONU/Jean-Marc Ferré

    Ela ressaltou que, apenas no ano passado, a ONU enviou comunicados manifestando preocupação sobre esse tipo de ataques em diversos países, a maioria na América do Sul – incluindo o Brasil. Em 2016, a relatora alertou que a situação dos povos indígenas era a mais grave desde a criação da Constituição brasileira de 1988.

    Em nível internacional, a Declaração reforçou a importância da implementação de medidas protetivas aos povos indígenas e suas terras na legislação de diversos países. Nações como Equador, Bolívia, El Salvador e Quênia revisaram suas constituições, incorporando medidas positivas. Já em Belize, Colômbia e México, a Declaração é usada como orientação de jurisprudência em tribunais superiores e constitucionais.

    A Declaração forneceu uma ferramenta inestimável para estimular os movimentos de povos indígenas nos níveis nacional e global, na busca por afirmar seus direitos inerentes por melhor capacitação”, acrescentou a relatora.

    No entanto, obstáculos significativos continuam a prejudicar a capacidade dos povos indígenas de desfrutarem de seus direitos estabelecidos no documento.

    “Enquanto um número crescente de países está adotando uma legislação que reconhece os direitos dos povos indígenas, lamentavelmente, muitas vezes há inconsistências flagrantes entre essa legislação e outras leis, principalmente as relativas aos investimentos (…) Essas incluem leis sobre atividades extrativistas, como mineração, bem como leis sobre silvicultura, agricultura e conservação”, ressaltou.

    Para ela, a exclusão de povos indígenas na concepção e implementação de leis e políticas que os afetam está vinculada a permanência da discriminação e do racismo. “Isso decorre do legado de leis e políticas coloniais racistas passadas que continuam a distorcer as percepções dos povos indígenas e desconsiderar sua governança e leis tradicionais.”

    A relatora observou também que a Declaração fornece orientações-chave sobre as medidas que os Estados precisam tomar para quebrar o ciclo da discriminação racial, permitindo que os povos indígenas desfrutem seus direitos humanos em pé de igualdade com a sociedade em geral.

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  • 25/07/2017

    Na 43ª Assembleia, Cimi Regional MT reflete atual conjuntura e denuncia violações nos direitos dos povos indígenas


    Grupo que particiou da 43 ª Assembleia do Cimi MT, um dos regionais mais antigos do organismo da CNBB

    O contexto traz grandes desafios. Direitos sociais são usurpados por um governo perpetrado por um grupo político representante dos setores da indústria, do agronegócio e do capital internacional. “O Poder Executivo, na ânsia de manter o apoio dos parlamentares aliados, cede a todas as pressões”. Diante a atual conjuntura, missionários e missionárias do Conselho Indigenistas Missionário (Cimi) do Regional Mato Grosso (MT) reafirmam em Assembleia o profetismo na missão junto aos povos indígenas. O encontro aconteceu na última semana, de 17 a 21, em Fátima de São Lourenço (MT), com o tema Espiritualidade e Profecia no desafio da Missão.

    A 43ª Assembleia do Cimi Regional Mato Grosso, um dos mais antigos do organismo pertencente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reuniu 35 missionários e missionárias. O encontro foi assessorado pelo secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, e por Dom Juventino Kestering, bispo referencial do Cimi junto ao Regional Oeste II da CNBB.

    Entre os assuntos debatidos na Assembleia, esteve a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e o parecer elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU), que restringe as demarcações de Terras Indígenas (TI) as condicionantes estabelecidas no processo da TI Raposa Serra do Sol. Segundo o documento final, “estas medidas visam beneficiar o avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas com o objetivo de garantir a exploração de suas riquezas para os grandes grupos econômicos”.

    Na conjuntura brasileira, em que a bancada ruralista, após a última eleição parlamentar, sente-se fortalecida para anular os direitos arduamente conquistados pelos povos indígenas, os missionários do Regional reassumiram o compromisso profético de denunciar as violações de direitos constitucionais. “Diante deste quadro alarmante de violações dos direitos constitucionais, nós, missionários e missionárias do CIMI MT, denunciamos a prepotência destes atos que põem em risco a existência dos povos indígenas como sociedades com direitos imemoriais reconhecidos em Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário”, descreve a carta final da Assembleia.


    Documento Final da 43ª Assembleia do Regional Mato Grosso

    Nós, missionários e missionárias do Cimi Regional Mato Grosso, juntamente com o Bispo referencial do Cimi junto ao Regional Oeste II da CNBB, D. Juventino Kestering, realizamos a nossa 43ª. Assembleia, celebrando a memória do martírio do Padre Rodolfo Lunkenbein e de Simão Bororo, assassinados em defesa da terra do povo Boe-Bororo. Com o tema Espiritualidade e Profecia no desafio da Missão, nossa Assembleia foi precedida por um retiro espiritual orientado por D. Erwin Kräutler, bispo emérito da Prelazia do Xingu, PA e ex-presidente do Cimi.

    Durante a Assembleia refletimos sobre os grandes desafios enfrentados pelos povos indígenas no atual contexto político em consequência do assalto ao poder perpetrado pelos grupos econômicos representados por setores da indústria, do agronegócio e pelo capital internacional. A bancada ruralista, após a última eleição parlamentar, está se sentindo fortalecida para anular os direitos arduamente conquistados pelos povos indígenas assegurados na Constituição Federal de 1988. A PEC 215 continua em tramitação, ameaçando retirar da Funai a competência relativa aos processos de identificação e de demarcação das terras indígenas, atribuindo-a ao Congresso Nacional.

    Por sua vez, o Poder Executivo, na ânsia de manter o apoio dos parlamentares aliados, cede a todas as pressões e reduz drasticamente o orçamento da Funai, impedindo-a de cumprir seu papel institucional de demarcação e proteção das terras indígenas. A Advocacia Geral da União, AGU, elaborou Parecer que obriga todos os órgãos da União a aplicarem, de forma vinculante, as condicionantes estabelecidas no processo da Terra Indígena Raposa Serra do Sol estendendo-as a todas as terras indígenas em estudo. Avalia-se que cerca de noventa por cento dos processos em andamento serão arquivados em decorrência deste Parecer.

    Estas medidas visam beneficiar o avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas com o objetivo de garantir a exploração de suas riquezas para os grandes grupos econômicos. Em decorrência, os povos indígenas sofrem toda sorte de violências, como no caso dos Gamela, do Maranhão. Muitas lideranças indígenas são injustamente criminalizadas ou assassinadas, como aponta o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas, dados de 2015, publicado em 2016. Comissões Parlamentares de Inquérito foram instaladas contra os aliados destes povos, como a CPI do CIMI na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul e a CPI da Funai/Incra que tramitou na Câmara dos Deputados.  Nesta última, foi proposto o indiciamento de um grande número de pessoas sob alegações infundadas e caluniosas. A relação do Estado brasileiro tem sido denunciada e condenada em várias Cortes internacionais.

    Diante deste quadro alarmante de violações dos direitos constitucionais, nós, missionários e missionárias do CIMI MT, denunciamos a prepotência destes atos que põem em risco a existência dos povos indígenas como sociedades com direitos imemoriais reconhecidos em Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário.

    Inspirados na sabedoria, espiritualidade e resistência milenares dos povos indígenas, que consideram a vida um direito inalienável a todos os seres presentes na Mãe Terra, nos posicionamos contra este processo genocida que ameaça os povos originários e toda a humanidade. Os valores presentes nas cosmovisões destes povos nos ensinam que é possível um outro modo de nos relacionarmos com o ambiente, capaz de eliminar a ganância e a ambição desmedidas que produzem injustiças e desigualdade social e ameaçam a vida sobre a terra. Finalmente, invocamos as palavras do profeta, tão atuais para o momento que vivemos:
    “Suas obras são criminosas e suas mãos praticam a violência. Seus passos levam para o mal e eles correm para derramar sangue inocente. Seus planos são criminosos, sua estrada é feita de ruína e destruição… É por isso que o direito está longe de nós e a justiça nunca chega ao nosso alcance”. Isaías 59,6-9.

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  • 25/07/2017

    No Acre, lideranças indígenas e extrativistas são ameaçadas por se posicionarem contra políticas de “economia verde”


    Fotos: Tiago Miotto / Cimi

    Em encontro realizado na cidade de Xapuri (AC), de 26 a 28 de maio, povos da floresta criticaram as políticas de economia verde e demonstram preocupação com novos acordos discutidos entre o governo e a indústria de aviação. Na ocasião, representantes de cinco povos indígenas e de comunidades tradicionais que vivem e trabalham na floresta apresentaram denúncias de impactos de projetos de economia verde. O argumento é de que as políticas de compensação de carbono preveem restrições às comunidades, como limitações para práticas de agricultura, pesca, caça e uso de bens florestais.

    Por assegurarem a posição contra as ações que violentam o direito aos territórios tradicionais e que apresentam uma falsa solução à crise do clima, indígenas, seringueiros e outros participantes do encontro receberam constantes ameaças. “Muitas dessas lideranças passaram a ser pressionadas e ameaçadas pelos "donos do poder no Acre", denuncia a carta de moção de repúdio e solidariedade divulgado por entidades que trabalham com esses povos e comunidades. “Não há necessidade de colocar o futuro destes povos e comunidades em risco através de projetos questionáveis e nebulosos”.

    “Entendemos que, na medida em que a falência do modelo subjacente das políticas e dos projetos ambientais e climáticos em questão se torna obvia, sua defesa por parte daqueles que tem seus interesses particulares entrelaçados com tais políticas e projetos tende a se tornar cada vez mais repressiva e violenta”, sustenta a moção.

    O texto garante que as ações de afronta são “tentativa de intimidar ou censurar as pessoas e organizações que criticam e se opõem ás políticas ambientais e climáticas que vêm sendo implementadas pelo governo do Acre”. No Brasil, o Acre é considerado um laboratório para implementação de políticas baseadas na ideia de que é possível compensar poluição gerada em determinadas regiões – prevalentemente Europa e América do Norte – com a manutenção de florestas em outras regiões. A economia “verde” pretende ampliar os lucros das corporações, instituições financeiras e de outras organizações protagonistas dessa proposta, como empresas de consultoria e grandes ONGs preservacionistas.

    “Denunciamos e repudiamos especificamente as tentativas do governo do Acre e de organizações não governamentais ligadas a ele, de difamar tais críticos, ao alegar que os questionamentos por eles articulados inviabilizariam a chegada de recursos que poderiam beneficiar povos das florestas no Acre”, ressalta a nota.  

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    O documento exige posicionamento da Fundação Nacional do Índio, acusada pelas lideranças de intensificar as intimidações aos funcionários que colaboram com a posição assumida. “Exigimos ainda, que a FUNAI cumpra sua missão, que consiste em proteger e promover os direitos dos povos indígenas. Com tais intimidações, a FUNAI fere mais uma vez os direitos à livre expressão destes povos”.

    As propostas de compensação de carbono, que surgem em um contexto de negociações internacionais e em uma conjuntura nacional de crise, trazem restrições a comunidades ribeirinhas, indígenas, pequenos agricultores, extrativistas que são proibidos de cultivar seus espaços, de uso tradicional da mata. Violações culturais e sociais são impostas a esses grupos que se relacionam com a natureza de forma saudável e autônoma. Os mecanismos implantados pelos offsets florestais preveem restrições às comunidades tradicionais, como limitações para práticas de agricultura, pesca, caça e uso de bens florestais.

    Projetos, como o Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Evitados (REDD), propõem que empresas que poluem em outros continentes possam “compensar” os danos causados a natureza financiando iniciativas que, de maneira autoritária e sem consulta prévia das comunidades, instalam normas de relação com a terra. Além dos governos de países desenvolvidos, indústrias poluidoras são as principais financiadoras das iniciativas de economia verde. Não se pensa outro modelo de desenvolvimento, mais sustentável e auto gestor. As empresas continuam poluindo e desmatando. Com a “compra de créditos de carbono” são autorizadas a seguir sua lógica de mercado.

    Instituições que desejarem assinar a Moção de Repúdio e Solidariedade devem enviar e-mail para acre@wrm.org.uy até o dia 28 de julho. A moção de repúdio será encaminhada ao Governo do Acre, Ministério da Justiça, FUNAI/Brasília, Ministério Público Federal (MPF) do Acre, 6ª Câmara do MPF-Brasília, KFW/Governo da Alemanha.

    Leia o documento na íntegra abaixo:

    Moção de repúdio e solidariedade

    No período de 26 a 28 de maio do corrente, realizou-se em Xapuri no Acre, o Encontro “Os efeitos das políticas ambientais/climáticas para as populações tradicionais”. Além da publicação da Declaração de Xapuri, foram divulgados também vídeos com falas de lideranças indígenas, seringueiros e outros participantes do referido evento. Desde então, muitas dessas lideranças passaram a ser pressionadas e ameaçadas pelos "donos do poder no Acre".

    Indignados com mais essa agressão aos direitos desses povos e populações que vivem nas e das florestas, nós que participamos do referido Encontro e demais apoiadores das lutas desses povos e populações da Amazônia, manifestamos nosso veemente repúdio a toda e qualquer tentativa de intimidar ou censurar as pessoas e organizações que criticam e se opõem ás políticas ambientais e climáticas que vêm sendo implementadas pelo governo do Acre.

    Denunciamos e repudiamos especificamente as tentativas do governo do Acre e de organizações não governamentais ligadas a ele, de difamar tais críticos, ao alegar que os questionamentos por eles articulados inviabilizariam a chegada de recursos que poderiam beneficiar povos das florestas no Acre.  Sabemos que o governo possui suficientes recursos para resguardar os direitos e atender os legítimos interesses dos povos indígenas e comunidades locais. Não há necessidade de colocar o futuro destes povos e comunidades em risco através de projetos questionáveis e nebulosos. O governo deveria agir com transparência acerca da aplicação dos recursos que já recebeu através de tais projetos e com isto revelaria  quem são seus verdadeiros beneficiários.

    Exigimos que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) pare de intimidar funcionários que participam nestas discussões e articulações da sociedade civil. Exigimos ainda, que a FUNAI cumpra sua missão, que consiste em proteger e promover os direitos dos povos indígenas. Com tais intimidações, a FUNAI fere mais uma vez os direitos à livre expressão destes povos.

    Entendemos que, na medida em que a falência do modelo subjacente das políticas e dos projetos ambientais e climáticos em questão se torna obvia, sua defesa por parte daqueles que tem seus interesses particulares entrelaçados com tais políticas e projetos tende a se tornar cada vez mais repressiva e violenta. Como já disse o filósofo Paul Valery: quem não pode atacar o argumento, ataca o argumentador.

    Não podemos tolerar a continuidade desses ataques! Por isso, reiteramos o nosso apoio à Declaração de Xapuri. Reafirmamos nossa solidariedade com todos e todas que sofrem ameaças ou represálias em consequência da firmeza de seu posicionamento político em defesa dos seus territórios contra a exploração incessante do capital: vocês não estão sozinhos!

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  • 24/07/2017

    Entidades denunciam estado de exceção imposto a indígenas e quilombolas por governo federal


    14° Acampamento Terra Livre – Abril de 2017. Foto: Mídia Ninja/MNI

    Por Guilherme Cavalli, da assessoria de comunicação

    A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, juntamente com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul e a Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas do Rio Grande do Sul divulgaram uma nota pública onde questionam o parecer chancelado pela Presidência da República na última quinta-feira (20).

    O governo federal adotou uma orientação da Advocacia-Geral da União (AGU) que determina a toda administração federal que julgue as demarcações de Terras Indígenas (TI) a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a TI Raposa-Serra do Sol (RR), de 2009. Entre os pontos mais inconstitucionais encontra-se o entrave de que só tem direito à terra os povos que estavam sob posse de seu território em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

    “Essa nefasta articulação que tem como pano de fundo a sustentação política do atual (e ilegítimo) Presidente da República, objetivando, dentre outras medidas, negar autorização à persecução criminal do mesmo ante o Supremo Tribunal Federal pelo Parlamento”, redigem as instituições signatárias.

    O documento assinado pelas instituições afirma que o parecer “está sendo ardilosa e fraudulentamente utilizada pelo Chefe do Poder Executivo para ludibriar, enganar e corromper princípios constitucionais”. O texto assegura que essas são articulações do governo para “impedir que os direitos dos povos indígenas e quilombolas sejam efetivamente respeitados pelo Estado brasileiro, que, pela elite racista e classista que dele se apoderou, simplesmente advoga verdadeiro etnocídio”.

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    A partir da análise de conjuntura que denuncia o “compromisso do atual governo com a maximização da exploração capitalista”, a nota pública manifesta as artimanhas governamentais que se “valem de todos os expedientes ao alcance da engenharia jurídica de corte reacionário que permeia esse ilegítimo governo” para sustentar um governo ilegítimo e “ implantar verdadeiro estado de exceção em relação a segmentos sociais vulneráveis politicamente”.

    O governo de Michel Temer, segundo as entidades, deseja “surrupiar direitos dos indígenas e quilombolas, afrontando inclusive normativas internacionais as quais aderiu o Estado brasileiro”.

    O parecer foi assinado por Michel Temer com o objetivo de blindar seu governo – a ser julgado pela Câmara que decidirá se a acusação de corrupção seguirá ou não para o STF. No centro das negociações, como moeda de troca para garantir o apoio da bancada ruralista (41% dos parlamentares da Câmara), encontra-se a agenda ambientalista. Nas últimas duas semanas, Temer direcionou ao Congresso projetos que diminui o tamanho da Reserva do Jamanxim (PA) e aprovou o parecer que paralisa a demarcação das Terras Indígenas. A flexibilização de regras para licenciamento ambiental, a liberação de agrotóxicos e venda de terras para estrangeiros também se apresentam como futuras moedas de troca do peemedebista.

    “Se havia alguma dúvida sobre o desleixo com o ser humano por parte dos atuais governantes do Brasil, o ato em questão é sinal claro de que para além disso, há por parte dessa gente, o compromisso com a barbárie”, encerra a nota das entidades.

    Leia na íntegra:

    Nota para a Opinião Pública
    O governo federal e o estado de exceção em relação a indígenas e quilombolas.

    No dia 20 de julho de 2017, a par de uma clara e inequívoca articulação com a bancada de parlamentares ruralistas formada no Congresso brasileiro, a Presidência da República chancelou parecer  da Advocacia Geral da União que para além de limitar os direitos dos povos indígenas e quilombolas, avança no sentido de constranger o Supremo Tribunal Federal que pautou para o próximo mês de agosto o julgamento de ações que dizem diretamente a esses povos, ou seja, quanto ao direito, ou não, de terem assegurados seus ancestrais direitos à luz do que prevê e fixa a Constituição de 1988.

    Essa nefasta articulação que tem como pano de fundo a sustentação política do atual ( e ilegítimo) Presidente da República, objetivando, dentre outras medidas, negar autorização à persecução criminal do mesmo ante o Supremo Tribunal Federal pelo Parlamento, simplesmente afronta de modo ignóbil e direto a Constituição da República fazendo – o ato chancelado – tábua rasa dos preceitos fixados na Constituição Federal, arvorando-se  em uma decisão da Corte Suprema para uma caso específico e que não tem – e nunca teve – a extensão pretendida pelos setores do agronegócio e da mineração. Ou seja, uma decisão questionável e ainda em discussão tomada por parte do Supremo Tribunal Federal quando julgou, caso pontual (estamos nos referindo a o julgamento concernente à terra indígena Raposa Serra do Sol ), está sendo ardilosa e fraudulentamente utilizada pelo Chefe do Poder Executivo para ludibriar, enganar e corromper princípios constitucionais claros e taxativos de modo a manietar e impedir que os direitos dos povos indígenas e quilombolas sejam efetivamente respeitados pelo Estado brasileiro, que, pela elite racista e classista que dele se apoderou, simplesmente advoga verdadeiro etnocídio.

    Esse texto não permite por sua extensão que nos aprofundemos em detalhes técnicos e legais, mas inexorável e irretorquível que o compromisso do atual governo com a maximização da exploração capitalista não tem limites – o que comprovam outras contrarreformas sociais de autoria do mesmo governo e que vêm sendo arrancadas a fórceps de um Congresso quase que totalmente comprometido com o rentismo e a exploração dos debaixo, contando com forte apoio da mídia burguesa. Para tanto valem todos os expedientes ao alcance da engenharia jurídica de corte reacionário que permeia esse ilegítimo governo, ainda que isso signifique rasgar a Constituição da República e implantar verdadeiro estado de exceção em relação a segmentos sociais vulneráveis politicamente.

    A releitura, melhor, a interpretação casuísta e absolutamente descompassada   do conteúdo do disposto nos arts. 231 e 232 da Constituição da República, assim como do art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, sem embargo das regras regulamentares dessas balizas constitucionais, é meio e modo de, mais do que negar, surrupiar direitos dos indígenas e quilombolas, afrontando inclusive normativas internacionais as quais aderiu o Estado brasileiro.
    O ato de chancela do (ilegítimo) Presidente da República é típico do arbítrio e atentatório aos princípios civilizatórios inscritos no Preâmbulo da Constituição de 1988. Se havia alguma dúvida sobre o desleixo com o ser humano por parte dos atuais governantes do Brasil, o ato em questão é sinal claro de que para além disso, há por parte dessa gente, o compromisso com a barbárie.

    Rio de Janeiro, 22 de julho de 2017
    Comissão de Direitos Humanos – OAB/RJ
    Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas/RS
    Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul

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  • 21/07/2017

    Ka’apor e Gamela divulgam cartas em apoio aos Munduruku


    Mulheres Munduruku estiveram à frente da ocupação da UHE São Manoel. Foto: Juliana Rosa Pesqueira/Fórum Teles Pires

    Matéria atualizada em 24/07/2017 às 15:00

    O Conselho de Gestão Ka’apor e o povo Gamela, ambos do Maranhão, divulgaram cartas em apoio aos Munduruku que na última semana ocuparam o canteiro de obras da usina hidrelétrica (UHE) São Manoel, na divisa do Pará com o Mato Grosso. “Não pudemos esta ai, mas estamos com vocês aqui”, afirma a carta dos Ka’apor. “Os direitos nossos a gente não vende e nem negocia, a gente conquista em movimento e com luta com nossos parentes”.

    Há mais de 500 anos o projeto colonizador tem encharcado o chão sagrado com o nosso sangue, mas não conseguiu nos exterminar, manifestam-se os Gamela, vítimas recentes de um brutal ataque que deixou 22 indígenas feridos, cinco dos quais por armas de fogo. Manifestamos nossa solidariedade à luta de vocês contra a destruição dos seus rios, florestas, Lugares Sagrados. Não podemos ficar calados. Vamos pedir a força dos nossos Encantados para guiarem e protegerem vocês na luta que estão fazendo”, prosseguem.

    A ocupação iniciou na madrugada de sábado para domingo (16), e durou até quarta-feira (19), quando os indígenas seguiram para Alta Floresta, onde foram buscar as urnas funerárias que as empresas responsáveis pela construção da hidrelétrica haviam removido para a construção da obra, sem nunca devolvê-las aos Munduruku.

    “A ocupação acaba aqui, mas a luta continua. A gente não tá saindo porque tinha que sair ou porque a empresa mandou não. É porque a gente está indo atrás dessas urnas”, afirmou Kabaiwun Munduruku, uma das lideranças do movimento Ipereg Ayu.

    Os indígenas deixaram o canteiro de obras depois de uma reunião realizada com a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público Federal (MPF) e os representantes das empresas responsáveis pelas Usinas Hidrelétricas de São Manoel e Teles Pires (leia dossiê sobre violações de direitos na construção desses empreendimentos).

    Os Munduruku exigem que a Funai dê um parecer contrário à concessão de Licença de Operação à UHE São Manoel, e também cobraram a publicação da Portaria Declaratória da Terra Indígena (TI) Sawre Muybu e a identificação e delimitação das TIs Sawre Jaybu e Sawre Apompu até outubro de 2017.

    A UHE São Manoel é uma entre cerca de 140 projetos de geração de energia previstos na bacia do Tapajós, em que pelo menos 900 mil pessoas serão impactadas, conforme destacou uma carta de organizações da sociedade civil em apoio aos Munduruku. Além da remoção das urnas funerárias, os Munduruku também denunciam a destruição da corredeiras de Sete Quedas do rio Teles Pires, um local sagrado sobre o qual foi construída a UHE Teles Pires, já em funcionamento.

    Outro aspecto denunciado pelos Munduruku é a ausência de consulta aos povos indígenas impactados a respeito da realização desses empreendimentos, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No final de 2016, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região ordenou a realização de consulta prévia, livre e informada com os povos indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká atingidos pela obra da UHE Teles Pires.

    Leia as cartas de solidariedade abaixo ou acesse a carta dos Ka’apor em pdf:

    Território Indígena Alto Turiaçu – Maranhão
    Povo Ka’apor
    Jumu’e ha renda Keruhu – Centro de Formação Saberes Ka’apor
    Tuxa – Conselho de Gestão Ka’apor

    Nossos braços e nossas mãos aos parentes, guerreiros e guerreiras do Movimento Ipereg Ayu

    Parentes Munduruku. Não pudemos esta ai, mas estamos com vocês aqui. Vocês mostraram esses dias que só com mobilização e organização a gente vence. Que os direitos nossos a gente não vende e nem negocia, a gente conquista em movimento e com luta com nossos parentes.

    A gente esta acompanhando os esforços, sacrifícios e luta de vocês para chegar até essas barragens que destroem os lugares sagrados em nome do dinheiro, do lucro dos ricos para gerar energia para os ricos. Só vocês conhecem o que os espíritos dos rios e da floresta tem a dizer pra vocês. Assim nós aqui. Só nós sabemos o que os espíritos da floresta, dos rios, da terra tem pra dizer pra nós.

    Os Pariwat, os Karai nunca vão saber, entender o sentido de nossa luta, de nossa vida. Eles podem atacar e querer derrubar a nossa organização e luta, mas não vão conseguir. Por isso parente, a gente unidos, tem que continuar se reunindo, se organizando e lutando do nosso jeito pelos nossos projetos de vida. Nosso futuro não está na cidade, nem venda de madeira e estacas, nem pastos, nem roças grandes, nem agronegócio, nem garimpo, nem barragem, nem projetos do governo. Nossa floresta, nossos rios, nossa terra são sagrados para nós. O mais importante agora é nossos Planos de Vida que vão guiar nossos passos para o bem viver nos nossos territórios.

    Piranta ha johu Katu!


    Conselho de Gestão Ka’apor
    Guerreiros da Floresta Ka’apor

    Carta dos Gamela:

    Aos Guerreiros e Guerreiras Munduruku

    Guerreiras e guerreiros, acompanhamos a luta de vocês em defesa do Território Sagrado contra a violência do Estado brasileiro e das empresas/empresários que avançam com suas ações genocidas, pondo em grave risco a vida de vocês, das florestas, das águas, dos animais… e todo o planeta.

    Nós também estamos sendo atacados – o último ataque ocorreu em 30 de abril deste ano e deixou vários gravemente feridos à bala e com facões – nosso povo está ameaçado de morte por causa da luta em defesa do Território dos nossos Encantados e das nossas futuras gerações, contudo estamos de pé.

    Há mais de 500 anos o projeto colonizador tem encharcado o chão sagrado com o nosso sangue, mas não conseguiu nos exterminar. Nossos parentes semeados se tornam árvores que crescem, florescem e espalham sementes.
    Parentes, mais do que nunca precisamos fortalecer a aliança entre nós e com as comunidades quilombolas, ribeirinhos, camponeses, das periferias das cidades… para defender a vida.

    Manifestamos nossa SOLIDARIEDADE à luta de vocês contra a destruição dos seus rios, florestas, Lugares Sagrados. Não podemos ficar calados. Vamos pedir a força dos nossos Encantados para guiarem e protegerem vocês na luta que estão fazendo.

    Um abraço solidário

    Povo Akroá Gamella
    Viana (MA), 19 de julho de 2017

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