A política indigenista em 2024: um olhar para o ontem pensando no amanhã
Em artigo, Roberto Liebgott e Ivan Cesar Cima, do Cimi Regional Sul, fazem uma retrospectiva da realidade dos povos indígenas em 2024 e analisam perspectivas para os direitos indígenas no novo ano
As marcas deixadas pela violência no ano de 2024 não se apagam com a virada de ano, tampouco com manifestações e desejos de felicitações. E não foram poucos os atos de crueldade contra pessoas, lideranças, comunidades, povos e a natureza.
Em âmbito internacional, o mundo assistiu calado aos massacres de crianças e à destruição da Palestina. Israel, através de seus comandantes, pratica, sob a tutela dos Estados Unidos da América, com a conivência da União Europeia e da Organização das Nações Unidas (ONU), o genocídio de um povo.
No Brasil, para não ir longe de nosso lugar de viver, as polícias matam e torturam, especialmente nas vilas, favelas e bairros pobres das grandes cidades. Ao invés de garantir segurança e proteção, estas forças constituem-se em algozes da covardia e do extermínio.
Empresas do agronegócio, ruralistas e empresários da mineração patrocinaram, em 2024, uma espécie de inferno na terra, ateando fogo em florestas, canaviais ou mesmo em lavouras. Esses crimes foram sendo estimulados em todos os biomas, da Amazônia ao Pantanal, do Cerrado à Caatinga, da Mata Atlântica ao Pampa, causando uma devastação sem precedentes, consumindo vidas humanas e a biodiversidade.
Essas práticas destrutivas – de agora, combinadas com as dos anos passados – desencadeiam crises climáticas e ambientais irreversíveis, gerando secas intermináveis na Amazônia e enchentes devastadoras em várias regiões, como as ocorridas no Sul do Brasil, em maio de 2024.
No estado de Tocantins (TO) e Mato Grosso (MT, dois fatos criminosos revelam a desumanização das pessoas. Num deles, na Ilha do Bananal (TO) um capataz de fazenda, sentindo-se descontente com a presença de um menino do povo Krahô, o queimou com ferro de marcar gado. Essa crueldade era corriqueira na época da escravatura, quando se marcavam os negros escravizados com o intento de identificá-los como propriedade de alguém.
Em outro caso, no estado do Mato Grosso, três crianças do povo Xavante foram chicoteadas por um comerciante, simplesmente porque ele desconfiou que elas estariam furtando doces e frutas de seu comércio.
Trazemos esses breves recortes como introdução a uma avaliação, desde nossos olhares, acerca dos contextos indígenas e indigenistas no país, buscando demonstrar que não se dissociam dos demais fatos e acontecimentos que ocorrem, tanto no Brasil como pelo mundo.
Vamos analisar, nesse espaço, a conjuntura indigenista, dando ênfase para as questões envolvendo as garantias dos direitos, que, em grande medida, foram inviabilizados pela omissão e negligência dos Poderes Públicos.
Para os povos indígenas, o ano de 2024 terminou como havia começado
Conflitos físicos, jurídicos e legislativos em função do direito à terra
Para os povos indígenas, o ano de 2024 terminou como havia começado. Os Avá Guarani – na região de Guaíra e Terra Roxa, no estado do Paraná – na virada do ano de 2023 para 2024, foram atacados a tiros e bombas porque reivindicavam a demarcação de sua terra originária. Um ano depois, na virada de 2024 para 2025, os mesmos agressores promoveram as mesmas violências, atacando a tiros e incendiando os barracos das famílias, moradias onde se abrigavam da chuva e do sol. Ao menos seis pessoas foram feridas por disparos de arma de fogo nos ataques.
Outro acontecimento brutal ocorreu em janeiro de 2024, no sul da Bahia, quando fazendeiros, fortemente armados e amparados pela polícia militar, decidiram confrontar uma comunidade do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe. Eles invadiram a área, espancaram pessoas e assassinaram a tiros a liderança religiosa Nega Pataxó. O Cacique Nailton Pataxó, que estava ao lado dela, também foi alvejado com dois tiros. Nailton, depois de longos meses no hospital, sobreviveu ao atentado, mas sua irmã Nega morreu em seus braços.
Esses fatos não são coincidência; são provocados com a intenção de agredir, torturar e desestabilizar a força das resistências indígenas em suas reivindicações pela garantia de seus direitos fundamentais. Mas onde se localiza, o governo, seus órgãos de assistência, fiscalização e proteção neste ambiente de violências?
O Poder Judiciário, ao invés de promover a justiça, acaba enredado nas mesas de conciliação – negociações intermináveis com o intento, em geral, de convencer os indígenas a abrirem mão de seus direitos constitucionais e aceitarem compensações ou permutas de terras, buscando, com essa estratégia, não afetar e muito menos confrontar os interesses econômicos e políticos dos ruralistas e do agronegócio.
Ao final do ano de 2023, o presidente da República apresentou uma série de vetos ao Projeto de Lei 2903/2023, que depois se tornou a Lei 14.701/ 2023, promulgada pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, através da qual se busca inviabilizar a demarcação das terras indígenas. Ao promulgar a lei, os parlamentares rejeitaram os vetos estabelecidos pelo presidente Lula, bem como confrontaram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, de repercussão geral, que caracterizou como inconstitucional a tese do marco temporal, reintroduzida por essa lei.
Os ministros de nossa Suprema Corte referendaram a força do artigo 231 da Constituição Federal de 1988, mas, apesar disso, em 27 de dezembro de 2023, a Lei 14.701/2023 acabou promulgada na sua integralidade, afrontando os direitos originários dos povos indígenas e a decisão do STF.
A constitucionalidade da lei foi questionada em janeiro de 2024, mas as ações propostas não foram apreciadas pelo ministro Gilmar Mendes, relator de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC). Ao contrário, ao invés de julgá-las, ele criou uma Comissão de Conciliação, visando propor uma alternativa consensual entre os que defendem o marco temporal e os que são contrários a ele.
Há de se dizer, enfaticamente, que o marco temporal foi rejeitado pelo STF e essa decisão deveria fundamentar toda a discussão em torno das ações propostas, mas, ao invés disso, concedeu-se aos que desejam restringir os direitos indígenas a oportunidade de firmarem posicionamento, confrontando a decisão do STF.
Os povos indígenas e suas organizações, percebendo que a mesa de conciliação não passava de uma artimanha, a abandonaram, posicionando-se contra o marco temporal e exigindo que a decisão do STF no RE 1.017.365 fosse respeitada.
Em setembro de 2024, na Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, fazendeiros e a Polícia Militar atacaram, com armas letais, um grupo de indígenas que estavam em retomada de terra. O ataque feriu várias pessoas e assassinou o jovem Neri da Silva, de 22 anos.
Com os intensos conflitos na região, o ministro Gilmar Mendes retomou o julgamento de um Mandado de Segurança de relatoria do ex-ministro Nelson Jobim sobre a demarcação daquela terra, que havia sido homologada ainda no ano de 2005. O ministro, diante da repercussão dos acontecimentos de violência, determinou a criação de uma mesa de negociação, onde o governo deveria se comprometer em indenizar os fazendeiros, não somente pelas benfeitorias, conforme estabelece a Constituição, mas pela terra nua.
O governo federal, através do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), mergulhou nessa negociação e houve concordância com a proposta de pagamento pela terra nua, premiando aqueles que invadiram, depredaram, espancaram e mataram indígenas ao longo das décadas. Os fazendeiros receberão R$ 150 milhões em indenizações pela área já demarcada.
Esse caso pode abrir graves precedentes e inviabilizar as demarcações de terras no país, porque o governo não tem os recursos necessários para indenizar ocupantes de terras indígenas pelas benfeitorias de boa-fé, tampouco terá para pagar pela terra nua
Esse caso pode abrir graves precedentes e inviabilizar as demarcações de terras no país, porque o governo não tem os recursos necessários para indenizar ocupantes de terras indígenas pelas benfeitorias de boa-fé, tampouco terá para pagar pela terra nua. O artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal, explicita que as terras indígenas são bens da União, portanto, não se pode pagar ou comprar aquilo que já lhe pertence.
As demandas indígenas por terras e territórios ficaram condicionadas à Lei 14.701/2023. Em 2024, o governo federal publicou decretos de homologação de cinco Terras Indígenas: Cacique Fontoura, em Mato Grosso, Aldeia Velha, na Bahia, e Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba; além de Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, em Santa Catarina.
Já o Ministério da Justiça (MJ) publicou, em 2024, 11 portarias declaratórias. Foram contempladas as TIs Jaraguá, Peguaoty, Djaiko-aty, Amba Porã, Pindoty/Araça-Mirim, Tapy’i/Rio Branquinho e Guaviraty, todas no estado de São Paulo; as TIs Sawré Muybu, Maró, Cobra Grande, no Pará; e a TI Apiaká do Pontal e Isolados, no Mato Grosso. As portarias declaratórias assinadas pelo ministro Ricardo Lewandowski foram as primeiras publicadas pelo governo federal em seis anos. O ministro Flávio Dino encerrou sua gestão à frente da pasta, em janeiro de 2024, sem romper o jejum de portarias que se mantinha desde o governo de Michel Temer.
E a Funai, no decorrer de 2024, publicou 35 portarias relacionadas a Grupos Técnicos (GTs) para fins de estudos multidisciplinares de identificação e delimitação de Terras Indígenas. Destes, 17 são de constituição de novos GTs e 19 de recomposição/alteração na composição dos GTs.
Políticas públicas
Dentro da estrutura do governo, o MPI dedicou-se às atividades de visitas em algumas regiões onde ocorreram conflitos fundiários, invasões possessórias e problemas internos em decorrência de arrendamentos de terras. Para além disso, adotou a tática de investir em viagens ao exterior, promoção de eventos, de dar publicidade às suas ações e na edição de portarias para projetos vinculados às culturas indígenas. A pasta ainda envolveu-se em negociações – entre Executivo, Legislativo, Judiciário, agentes do agronegócio e do ruralismo – buscando compensar a ausência de medidas que assegurassem os direitos constitucionais dos povos, especialmente à terra.
No âmbito da educação escolar indígena, não houve nenhuma medida que buscasse a implementação de uma política educacional visando a superação daquela executada pelos estados, que conduzem as ações educacionais. Houve apenas narrativas acerca da criação da Universidade Indígena e estudos sobre a viabilidade, ou não, de um subsistema distrital de educação.
Ao longo dos dois últimos anos, ocorreu uma poderosa investida de setores da iniciativa privada sobre a política de atenção à saúde indígena. Esta ofensiva buscou estabelecer um cronograma de implementação da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde (AgSUS), impondo-a como a nova gestora das ações e serviços em saúde indígena.
A AgSUS é um ente jurídico, de caráter público e privado, criada pela lei 13.958/2019, alterada pela lei 14.621/2023 e regulamentada pelo Decreto 11.790/2023, que tem o objetivo de dar suporte operacional à execução de políticas formuladas pelo Ministério da Saúde, especialmente nas áreas de Atenção à Saúde Indígena e na Atenção Primária à Saúde.
Esta agência foi criada sem consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e, portanto, deveria ter sido impugnada, porque se trata de uma decisão tomada sem respeitar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A AgSUS tem um viés impositivo no âmbito da política de atenção à saúde e carrega consigo duas anomalias: garantir cargos de direção aos aliados do governo ou de partidos políticos; e projetar uma articulação da atenção à saúde para a iniciativa privada. O objetivo, ao que parece, é, mais adiante, a privatização de toda a assistência, já que a agência, com poder de gestão, pode, além de tudo, estabelecer convênios com empresas da iniciativa privada.
A AgSUS, ao se misturar com a Sesai, vai enfraquecê-la e pode cercear ou anular a capacidade de atuação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) – os quais, ao contrário, deveriam ser fortalecidos como instâncias de planejamento, administração, execução e controle do subsistema.
Há de se destacar, também, as graves questões assistenciais neste período. Enquanto se perdeu tempo no sentido de buscar o aval dos DSEIs para implementar e dar legitimidade à AgSUS, as demandas por assistência básica foram amplificadas. Houve enormes lacunas quanto à presença das equipes em área, diminuindo o atendimento e as ações de prevenção em saúde. Há um agravante: não houve investimento em saneamento básico. A falta de água foi a tônica ao longo de 2024. A Sesai não conseguiu se organizar para assegurar o mínimo às aldeias, especialmente àquelas que não têm acesso a lagos e rios. Ou seja, as famílias indígenas consumiram pouca água, ou águas poluídas e envenenadas pelos agrotóxicos utilizados nas lavouras de soja, milho e arroz que cercam centenas de comunidades.
Houve frágeis investimentos na proteção e fiscalização das terras, inclusive dos povos em situação de isolamento. Madeireiros, garimpeiros, pescadores e agentes do crime organizado se mostraram ainda mais atuantes
Invasões possessórias
Sem uma definição de papéis, o MPI, a Funai e o MJ bateram cabeça quanto às ações em terras indígenas. As invasões dos territórios não cessaram. Houve frágeis investimentos na proteção e fiscalização das terras, inclusive dos povos em situação de isolamento. Madeireiros, garimpeiros, pescadores e agentes do crime organizado se mostraram ainda mais atuantes. Embora tenha havido esforços em operações para coibir as invasões, os garimpos ilegais nas áreas Yanomami permaneceram ativos. Milhares de homens estão dentro do território, causando devastação ambiental e aniquilando os modos de ser e viver das comunidades.
O mesmo cenário se observa dentro das terras do povo Munduruku, no Pará. Naquele estado, além do garimpo, há forte pressão contra os indígenas, especialmente dos povos Tembé e Turiwara, por empresas que exploram madeira, minério e óleo de dendê. Há ainda intensa expansão agrícola e agropecuária em áreas demarcadas ou com os procedimentos nas fases conclusivas.
Esse contexto foi agravado pelas secas e queimadas na Amazônia. Milhares e milhares de hectares de florestas foram devastados pelas chamas. Vidas sucumbiram, um verdadeiro ecocídio acabou sendo desencadeado, atingindo também o Pantanal, nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
É importante lembrar que, nesse ambiente, as violências e ameaças contra as pessoas se intensificaram. Invasores espancaram, torturaram e assassinaram indígenas. Nos estados da Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pará e Roraima, as agressões foram sistemáticas, resultando em dezenas de pessoas assassinadas ou gravemente feridas.
No oeste do Paraná, região de Guaíra e Terra Roxa, oito indígenas foram feridos a tiros e em todos os casos não houve responsabilização dos agressores. Sequer há informações se as Polícias Civil ou Federal abriram inquéritos com o objetivo de apurar os crimes. E, mais grave, os atendimentos aos indígenas feridos foram parciais. Em todos os casos registrados, as pessoas permanecem com os chumbos ou balas nos corpos. Ou seja, não houve adequada assistência às vítimas, seja por preconceito ou omissão comissiva.
Enchentes no Rio Grande do Sul
Há que se destacar que pelo menos 80 comunidades indígenas Kaingang, Mbya Guarani, Xokleng e Charrua foram diretamente afetadas pelas enchentes. Houve alagamentos, deslizamentos e destruição de casas pelos ventos, o que trouxe, para além das dificuldades enfrentadas antes das chuvas, uma situação de profunda vulnerabilidade. Dado o despreparo dos governos federal e estadual e das administrações municipais, foi necessária a criação de uma importante articulação indigenista no Rio Grande do Sul, visando garantir ações emergências aos indígenas. Essa articulação conseguiu, em poucos dias, mobilizar-se e atender aos mais afetados.
As organizações indígenas, com destaque à Articulação dos Povos Indígenas do Sul do Brasil (Arpinsul) e à Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), somaram-se a dezenas de entidades, personalidades, religiosos e religiosas, pessoas físicas que se voluntariaram, estudantes, professores e servidores públicos para promover uma intensa campanha de arrecadação de donativos e de recursos financeiros, que foram destinados às ações emergenciais.
O objetivo foi suprir as carências de alimentos, roupas, cobertores, calçados, material de higiene, lona, água potável e outros utensílios necessários para as famílias atingidas. Na sequência, passou-se a atender as demandas de habitação e transporte, assegurando aos indígenas abrigo e locomoção.
Em função do despreparo dos governos para o atendimento às comunidades indígenas, a articulação emergencial de apoio elaborou uma carta na qual expôs os problemas, mas também formalizou 14 propostas para a política indigenista pós-enchentes. A carta coletiva foi encaminhada aos órgãos de assistência. Lamentavelmente, os meses se passaram e pouco ou quase nada se fez para atender aos direitos indígenas, a não ser a distribuição de cestas básicas, em geral com enormes atrasos, que chegaram a até três meses entre uma entrega e outra.
O grande desafio das organizações e suas lideranças, em governos como o do presidente Lula, é o de estabelecer limites, demonstrando o lugar que se ocupa e os papéis a serem desempenhados. Não se deve perder de vista a diferença entre as organizações indígenas e o Estado.
Organizações indígenas e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI)
No Brasil, as organizações indígenas assumem, há muitas décadas, um importante protagonismo no âmbito das políticas públicas, acompanhando, apresentando propostas e críticas e buscando exercer o controle social. É fundamental que elas desempenhem esse papel e que não se confundam e nem queiram compor governos, assumindo, por meio de contratos e convênios, tarefas que são eminentemente do Estado.
O grande desafio das organizações e suas lideranças, em governos como o do presidente Lula, é o de estabelecer limites, demonstrando o lugar que se ocupa e os papéis a serem desempenhados. Não se deve perder de vista a diferença entre as organizações indígenas e o Estado. Ou seja, as organizações atuam na interlocução e até na mediação de ações governamentais, mas sua postura não pode ser confundida com uma pretensão à execução de políticas públicas. Essas experiências geraram, no passado, enormes transtornos políticos, jurídicos e administrativos para as organizações indígenas, quando estas assumiram as ações e serviços em saúde. Repetir as mesmas práticas traz consigo o risco de que se repitam as mesmas adversidades.
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) torna-se o espaço adequado para as atribuições do controle social, das proposições e das cobranças. Nos últimos tempos, contudo, uma atuação mais sistemática dos povos no âmbito do CNPI ainda não se concretizou. De todo modo, aguarda-se pelo amanhã, na expectativa que essa instância possa ser uma referência e se torne conhecida e apropriada pelos povos, comunidades e suas organizações de base e regionais.
Nesse contexto, indígenas e seus apoiadores necessitam concentrar atenção aos ambientes de disputas que se dão no âmbito do Poder Judiciário, para onde são levadas as grandes questões relativas aos direitos territoriais. A presença junto ao STF, para o diálogo interessado e respeitoso, é essencial. O mesmo empenho será necessário no âmbito do Poder Legislativo, que se tornou o grande catalisador das forças contrárias aos interesses indígenas, formando um poderoso bloco parlamentar que se move sem cessar visando dilacerar a Constituição Federal. É primordial, nesse cenário, concentrar atenção, preocupação, articulação e mobilização junto aos dois Poderes, porque nas mãos e mentes deles situam-se as possibilidades de futuro dos territórios indígenas. E, ainda, é imperioso que as organizações se posicionem firmemente nas lutas locais, compondo com as comunidades em retomadas, participando das discussões políticas e jurídicas e denunciando todas as agressões contra as pessoas e seus territórios.
A desumanização que se mostra através dos ataques, agressões, ameaças, discriminação e da conivência ou covardia das autoridades precisa ser severamente combatida. Não se pode mais tolerar e silenciar diante da brutalidade contra os corpos e os modos de ser dos povos, contra as diferenças étnicas e culturais, contra os direitos humanos e fundamentais. Basta da arrogância colonial, escravagista e totalitária.
Porto Alegre (RS) e Quilombo (SC), janeiro de 2025
*missionários leigos do Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul