Partidos políticos, direitos indígenas e as eleições no Brasil
Análise evidencia posição dos partidos sobre direitos indígenas entre 2012 e 2021. Na Câmara dos Deputados, 16 partidos votaram total ou majoritariamente contra povos originários
Aproximam-se, a passos largos, as eleições gerais no Brasil. Marcado para o próximo dia 2 de outubro, o pleito tem importância fundamental para a democracia e toda a população brasileira. A expectativa e envolvimento no processo eleitoral em curso é muito grande também entre os povos indígenas de nosso país. Mesmo cientes de que as “eleições” não resolverão, automaticamente, todos os seus problemas e que nada substituirá a necessidade de continuarem implementando, organicamente, as lutas e incidências diretas e as mobilizações massivas nos territórios e nas ruas para fazer valer seus direitos, os povos originários sabem a diferença que faz ter um aliado ou um inimigo nos postos de comando e tomada de decisão nos Poderes Executivo e Legislativo do Estado brasileiro.
Em meio à corrida eleitoral, porém, nem sempre é fácil distinguir quem é ou poderá ser um aliado da causa indígena daqueles que são ou poderão ser seus inimigos caso eleitos. Neste contexto, a busca por critérios objetivos que orientem a decisão em quem votar mostra-se necessária e urgente.
Em artigo publicado recentemente, defendemos os pressupostos segundo os quais não existe um partido político ideal, ao mesmo tempo em que não se deve equiparar os partidos ou menosprezar sua importância estratégica no campo da luta institucional político partidária eleitoral. Consideramos que tais pressupostos devem ser devidamente valorizados, tanto no momento de decidir por qual partido se candidatar numa disputa eleitoral, quanto sobre em quem votar. Neste sentido, seria de grande valia o estudo sobre o espectro ideológico, os interesses econômicos defendidos e os sujeitos políticos protagonistas em cada um dos partidos políticos existentes oficialmente no Brasil. Pela complexidade desta tarefa, não é viável cumpri-la a curto prazo.
Sendo assim, a fim de oferecer um critério objetivo que possa servir de referência para a tomada de decisão, “na hora do voto”, por parte de eleitores indígenas, aliados, parceiros e simpatizantes da causa indígena no Brasil, recorremos a um recorte histórico de votações de partidos políticos em questões relativas a direitos indígenas na Câmara dos Deputados ao longo da última década.
Para tanto, tomamos como referência cinco votações relativas às Propostas de Emenda Constitucionais (PEC) 215/00 e 187/16, ao Projeto de Lei (PL) 490/07 e à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai/Incra, que ocorreram na Câmara dos Deputados no período compreendido entre os anos 2012 e 2021[1]. Cumpre observar que todas as iniciativas legislativas em questão são oriundas de setores antagônicos aos povos indígenas e têm ou tiveram como finalidade a desconstituição dos direitos destes povos.
Dentre outros elementos, sinteticamente, a PEC 215/00 introduz a tese do marco temporal no corpo da Constituição brasileira, restringindo o direito dos povos somente àquelas terras em que os mesmos estivessem na posse física em 5 de outubro de 1988, além de impor uma série de dispositivos legais que dificultam os procedimentos de demarcação de terras indígenas. A PEC 215/00 está pronta para a pauta do plenário da Câmara dos Deputados.
A PEC 187/16 parte de pressupostos preconceituosos e equivocados segundo os quais os povos indígenas não estariam autorizados a praticar atividades econômicas, exercer os atos necessários à administração de seus bens e comercializar as suas produções, o que já é garantido pela Constituição brasileira de forma ampla e, na prática, limita esses direitos apenas às atividades agropecuárias e florestais.
O PL 490/07 prevê uma série de modificações nos direitos territoriais garantidos aos povos indígenas, inviabilizando a demarcação de terras indígenas e abrindo as terras demarcadas para exploração externa por meio dos mais variados empreendimentos econômicos, como agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas. O PL 490/07 está pronto para a pauta do plenário da Câmara dos Deputados. Por meio da CPI da Funai/Incra, a bancada ruralista buscou criminalizar lideranças indígenas, antropólogos, apoiadores dos povos e deslegitimar os procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas, titulação de quilombolas e desapropriação de áreas para reforma agrária.
Ao comprovar a ampla hegemonia dos setores antagônicos aos povos originários, os dados analisados demonstram a importância estratégica da luta institucional político-partidária e eleitoral para os povos originários e seus aliados em nosso país
Nas cinco votações analisadas, foi computado um total de 194 votos. Destes, apenas 46 votos, correspondentes a 23,7% do total, foram favoráveis aos povos indígenas e seus direitos. A imensa maioria, a saber, 148 votos, o que corresponde a 76,3% do total, foram contrários aos povos e seus direitos.
Ao analisarmos estes dados com base no critério partidário a que cada parlamentar votante estava filiado, contatamos que 16 partidos votaram totalmente ou na sua maior parte contra os povos indígenas e seus direitos.
Destes, dez partidos tiveram 100% dos votos contrários aos povos, sendo eles o União Brasil (número 44), formado pela junção do DEM (25) e do PSL (17), com 28 votos; o MDB (15), que substituiu o PMDB (15), com 24 votos; o Podemos (19), antigo PHS (31), com quatro votos; o PSC (20), também com quatro votos; o Republicanos (10), com três votos; o PTB (14), o Solidariedade (77), o Novo (30) e o Avante (70), antigo PTdoB, com dois votos cada; e o Patriota (51), com um voto.
Outros três partidos tiveram 94% dos seus votos contrários aos direitos indígenas, sendo este o caso do PL (22), antigo PR, com 18 votos, do PP (11), com 17 votos, e do PSD (55), com 17 votos. Além disso, o PSDB (45) depositou 88,2% dos seus 17 votos contra os povos. Tanto o Cidadania (23), antigo PPS, quanto o PROS (90) votaram contra os povos indígenas em dois de seus três votos.
Por outro lado, seis partidos posicionaram-se totalmente ou na sua maior parte a favor dos povos indígenas. Destes, quatro partidos votaram 100% favoráveis aos direitos indígenas, sendo este o caso do PT (13), com seus 18 votos, do PSOL (50), com dois votos, e do PCdoB (65) e da Rede (18), com um voto cada. O PSB (40) depositou 75% dos seus 12 votos a favor dos povos e o PDT (12) apoiou os direitos indígenas em 66,7% dos seus 11 votos.
Por fim, o PV dividiu ao meio seus dois votos, ficando com a marca de 50% favorável e outros 50% contrário aos povos indígenas.
Como fica demonstrado, a maioria dos partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados adotou postura contrária aos direitos indígenas ao longo da última década. Ao comprovar a ampla hegemonia dos setores antagônicos aos povos originários, os dados analisados demonstram a importância estratégica da luta institucional político-partidária e eleitoral para os povos originários e seus aliados em nosso país. Ao mesmo tempo, os dados apontam a existência de um bloco de partidos com os quais os povos puderam contar para a defesa de seus direitos.
Por isso, mesmo considerando que não existe um partido político ideal, fica demonstrado que a escolha do partido político ao candidatar-se ou “na hora do voto” é sim de fundamental importância. Esperamos que os dados apontados possam servir para uma melhor assertividade nestas escolhas.
[1] Votação do Parecer do Relator pela aprovação da PEC 215/2000 na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) no dia 21/03/2012; Votação do Parecer do relator pela aprovação da PEC 215/2000 na Comissão Especial da mesma em 27/10/2015; Votação sobre o item 9 do Relatório da CPI da Funai/Incra, objeto do Destaque n. 2, no dia 30/05/2017; Votação do Parecer do relator pela aprovação da PEC 187/2016, na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC), no dia 27/08/2019; e votação do Parecer do relator pela aprovação do PL 490/2007, na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC), no dia 23/06/2021.
Cleber César Buzatto é licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nsra. da Imaculada Conceição (FAFINC), especialista em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG), graduando em Direito, ex-secretário executivo e adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e membro da Equipe Florianópolis do Cimi Regional Sul.