29/04/2022

Durante 59ª Assembleia Geral da CNBB, Dom Roque relembra o cenário político-indigenista do último ano

O presidente do Cimi falou sobre o agravamento das violações de direitos humanos dos povos indígenas, o desmonte das políticas públicas e a omissão do atual governo

Durante a Assembleia Geral da CNBB, Dom Roque falou sobre o agravamento das violações de direitos humanos dos povos indígenas, o desmonte das políticas públicas e a omissão do atual governo. Foto: Reprodução

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

“Intensificaram-se ainda mais em 2021 as expropriações de terras indígenas, forjadas na invasão, na grilagem, no loteamento, de forma rápida e agressiva contra os povos originários e tradicionais na Amazônia, e em todo o território nacional”. O contexto de violência contra os povos indígenas do país foi lembrado por Dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) durante encontro da 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O evento reuniu entre os dias 25 e 28 de abril, de forma virtual, mais de 300 bispos.

Na abertura do evento, na última segunda-feira (25), o presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo, mencionou tema do encontro deste ano: “Igreja Sinodal – Comunhão, Participação e Missão”, em sintonia com o processo do Sínodo 2021-2023, convocado pelo Papa Francisco. A temática também está relacionada às comemorações dos 70 anos da CNBB, as quais têm início junto com esta Assembleia. 

No encontro, o presidente do Cimi apresentou um breve cenário político-indigenista dos anos de 2021 e 2022. Dom Roque falou sobre o agravamento das violações de direitos humanos dos povos originários, o desmonte das políticas públicas e a omissão do atual governo.

“Permanece, neste ano, o agravamento das violações de direitos humanos dos povos indígenas, principalmente no que se refere à regularização dos seus territórios, mediante alianças do governo com o ‘Centrão’, com o agronegócio, com os políticos, empresas de mineração e outros atores interessados nas terras indígenas. Os ataques de setores anti-indígenas aliados aos três Poderes do Estado brasileiro têm sido uma constante. Esse quadro contribui, inclusive, com o avanço de legislações que caminham na direção contrária dos direitos originários”, afirmou.

“Permanece, neste ano, o agravamento das violações de direitos humanos dos povos indígenas, principalmente no que se refere à regularização dos seus territórios”

Marcha Demarcação Já, durante o ATL 2022. Foto: Ângelo Terena/Mídia Índia

A pandemia de Covid-19 e a guerra na Europa, entre Rússia e Ucrânia, também foram lembradas por Dom Roque. Dos mais de 660 mil brasileiros e brasileiras vítimas desse vírus, 1304 são indígenas – dado sistematizado e atualizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Dom Roque pontuou que, com a disseminação do vírus, aumentaram também a fome e a miséria dentro das comunidades indígenas.

Já sobre a guerra na Europa, na avaliação do presidente do Cimi, ela serviu como “subterfúgio” para mais invasões nos territórios indígenas. “O governo aproveitou esse momento de tensão entre Rússia e Ucrânia para favorecer o agronegócio, em busca de supostas reservas de potássio. Um argumento que já foi desmentido por especialistas na área de mineração”, lamentou.   

 

Violência contra os povos indígenas

As constantes violações contra os povos indígenas de todo o país também foram pautadas durante a intervenção de Dom Roque na 59ª Assembleia Geral da CNBB. Os frequentes ataques contra o povo Yanomami, as invasões no Vale do Javari (AM), onde vive a maior população de povos isolados do mundo, a queima das casas de reza dos Guarani e dos Terena, em Mato Grosso do Sul, e o arrendamento de terras em territórios indígenas estavam entre as situações listadas.

“No território do povo Yanomami, as violências, em 2021, tiveram um contorno ainda mais grave, sendo foco de noticiário nacional e internacional. São mais de 20 mil garimpeiros invadindo esse território, assim como no território Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em Mato Grosso do Sul, os conflitos e violência contra os povos Guarani e Terena são diuturnos e a queima de casas de reza se intensificou, evidenciando o desrespeito com sua cultura e a intolerância religiosa”.

“No território do povo Yanomami, as violências, em 2021, tiveram um contorno ainda mais grave […] são mais de 20 mil garimpeiros invadindo esse território”

Garimpo ilegal na TI Yanomami, em registro de maio de 2020. Foto: Chico Batata/Greenpeace Brasil

Garimpo ilegal na TI Yanomami, em registro de maio de 2020. Foto: Chico Batata/Greenpeace Brasil

“Já no Sul do Brasil, a agressão contra os Kaingang, os Xokleng e os Guarani se amplia com os arrendamentos de terra, levando esses povos à situação de calamidade”, completou.

 

Projetos de Lei e marco temporal

Bolsonaro, junto com seus ministros e aliados, permanece unido aos setores do garimpo e do agronegócio para apoiar medidas contra os povos indígenas. Aliado ao “Centrão” e cometendo ataques frequentes ao Poder Judiciário, em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro avança com seus projetos de morte e retrocesso civilizacional.

Entre os projetos mencionados por Dom Roque, estavam o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que visa regulamentar a exploração de recursos minerais, o garimpo, entre outros empreendimentos em terras indígenas, e o PL 490/2007, que tem como objetivo mudar os artigos constitucionais que concebem os direitos dos povos indígenas do país. Durante esse momento, o presidente do Cimi recordou a carta divulgada pela CNBB, em março deste ano, com posicionamento contrário a esses projetos.

Além dos projetos do Poder Legislativo, também foi tema do debate o Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O RE-RG 1.017.365 é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional.

Caso o STF reafirme o caráter originário dos direitos indígenas e, portanto, rechace definitivamente a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país terão o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais poderão ser imediatamente resolvidos.

 

Luta do Cimi ao lado dos povos indígenas

Finalizando a apresentação, Dom Roque não deixou de recordar a atuação do Cimi ao longo dos últimos anos, principalmente diante dos desafios impostos pela atual conjuntura política.

“O Cimi redobrou seus esforços no apoio aos povos indígenas em ações de incidência política e jurídica, seja no âmbito nacional ou internacional. Dentro do Brasil, o Cimi monitora as ações que tramitam no Congresso Nacional e as medidas adotadas pelo Governo Federal. Nesse sentido, participamos em ações de incidência com relação ao PL 490 na Câmara dos Deputados e às medidas administrativas da Funai [Fundação Nacional do Índio], que afetam terras indígenas não demarcadas. Participamos de diversos espaços de articulação e de defesa dos direitos humanos”.

“O Cimi redobrou seus esforços no apoio aos povos indígenas em ações de incidência política e jurídica, seja no âmbito nacional ou internacional”

Os PLs 191 e 490 estavam entre os temas pautados no Acampamento Terra Livre 2022. Foto: Marina Oliveira/Cimi

“Já no âmbito internacional, participamos de 24 reuniões em diversas instâncias do Sistema Universal de Direitos Humanos da ONU [Organização das Nações Unidas], de seis reuniões em instâncias do Sistema Interamericana de Direitos Humanos [CIDH] e 23 reuniões com entidades parceiras para incidência no âmbito internacional”, complementou.

Dom Roque ainda agradeceu, em nome das missionárias, missionários, assessorias e funcionários do Cimi, o “apoio permanente e de fundamental importância” da CNBB ao longo dos 50 anos de existência da instituição.

 

59ª Assembleia Geral da CNBB 

Nesta edição da Assembleia, foram abordados seis temas prioritários e outros 30 temas diversos. Entre os temas prioritários estavam: o relatório anual do Presidente; o novo Estatuto para a CNBB; o Informe econômico; e os assuntos das Comissões Episcopais para a Liturgia, para a Tradução dos Textos Litúrgicos (CETEL) e para a Doutrina da Fé (CEPDF).

Já entre os temas diversos, estiveram assuntos de estudo, comunicações, análises de conjuntura e os temas que não exigem votações presenciais do episcopado brasileiro. Entre esses temas, foram abordados os 70 anos da CNBB, os 15 anos da Conferência de Aparecida, Campanhas da Fraternidade e as eleições deste ano.

Nesta etapa da 59ª Assembleia Geral, foram abordados assuntos que exigiram – e exigirão – dos bispos reflexão e discernimento. De acordo com a CNBB, as votações e outras temáticas específicas serão tratadas em agosto, na etapa presencial do evento.

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