Delegação Kinikinau e Conselho Terena reivindicam regularização de território tradicional em Brasília/DF
Demarcação de território do povo Kinikinau é destaque em reuniões na 6ª Câmara/MPF e com o presidente da Funai nesta semana
A Delegação indígena Kinikinau e representantes do Conselho Terena intensificaram nesta semana – de 26 a 29 de novembro -, em Brasília/DF, a luta contra a omissão e a morosidade na regularização do território tradicional do povo Kinikinau. A articulação incluiu reunião na Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF). Além de reunião com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Wallace Moreira Bastos. Os indígenas também acompanharam de perto a tramitação do Projeto de Lei 490 – o Projeto Antidemarcação da bancada ruralista – em pauta nos dias 27 e 28 de novembro, na Câmara dos Deputados.
O principal questionamento dos indígenas Kinikinau, segundo eles, é ter sua existência negada por pelo menos 100 anos, pelos órgãos públicos e a sociedade brasileira. Desde 1940, parte dos Kinikinau vive na aldeia São João, em Bonito/MS, com o povo Kadiwéu e a outra parte vive com o povo Terena, nas aldeias Nioaque e Mãe Terra/MS, após terem sido sistematicamente expulsos de suas terras tradicionais.
A vinda dos indígenas à Brasília também é resultado da falta de presença e posicionamento da Funai nas cinco edições da Grande Assembleia do Povo Kinikinau. O evento, realizado anualmente em Mato Grosso do Sul, convidou representantes da Funai nacional e da Coordenação Regional de Campo Grande/MS para instituir o Grupo de trabalho (GT) a fim de realizar estudos de identificação e delimitação do território. No entanto, a Funai não se fez presente e nem justificou sua ausência.
Somada à essa situação, em 2015 o povo Kinikinau protocolou pessoalmente essa mesma reivindicação para criação do GT, em Brasília, junto ao presidente da Funai da época, João Pedro. Mais uma vez, nenhuma providencia formal foi consolidada, com ressalva da manifestação do Ministério Público Federal que em abril deste ano, solicitou à Funai o parecer acerca desse procedimento protocolado em 2015.
Para as lideranças indígenas, esse registro demarcatório é fundamental para fazer valer o direito constitucional previsto no artigo 231, da Constituição Federal de 1988: são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Reunião na 6ª Câmara de Povos Indígenas
Em reunião na Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), a Delegação Kinikinau e o Conselho Terena protocolaram o relatório antropológico de fundamentação do território tradicional Kinikinau, realizado voluntariamente pelo antropólogo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Gilberto Azanha e solicitaram apoio ao subprocurador-geral da República, Roberto Luis Oppermann Thomé e o antropólogo da pasta, Marco Paulo Fróes Schettino para que a Funai cumpra o ato administrativo ingressado.
A liderança do povo Kinikinau, Agda Roberta, explicou que cerca de 17 famílias Kinikinau aguardam uma solução definitiva acerca da situação do território que se arrasta há anos. “Sem o nosso território nos sentimos sem casa. Nossa luta hoje nem é mais por nós. Nossa luta é por nossos filhos e por nossos netos. Nossa luta é pelas futuras gerações para manter viva a tradição do nosso povo tradicional. Pedimos à Deus que tudo se acerte o quanto antes”, reiterou.
O antropólogo Gilberto Azanha esclareceu que, a pedido do Conselho Terena, contribuiu com a consolidação do relatório para dar celeridade no processo de demarcação estabelecido no Decreto n° 1775/96, que exige essa fundamentação por meio de um relatório antropológico feito por especialista. “O relatório prevê que a Funai e a União reconheçam, formalmente, o território do povo Kinikinau”, reforçou.
Na ocasião, o povo Kinikinau também reforçou o pedido de investigação, apresentado pela assessoria jurídica do Cimi MS, de duas crianças Kinikinau, de sete e nove anos de idade, protocolado no Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) no último dia 19. O atropelamento aconteceu, no dia 13 de novembro, quando as crianças andavam de bicicleta próximo à estrada que liga Miranda à Cerâmica, em frente à Comunidade Mãe Terra, na Terra Indígena Cachoeirinha. Na ocasião do atropelamento, o motorista, que dirigia uma Camionete branca, fugiu sem prestar qualquer tipo de socorro. Segundo a liderança indígena da comunidade Mãe Terra, há suspeita de que o crime tenha sido cometido por fazendeiro local. A mãe de uma das crianças esteve na reunião e fez o relato da violência.
Após o pedido de investigação, MPF-MS requisitou à Delegacia de Polícia Civil de Miranda a instauração de inquérito policial para apurar a prática de crimes relacionados ao atropelamento. Pelo trâmite legal, o pedido de investigação protocolado no Ministério Público Federal ainda terá de passar por análise do órgão. Após essa avaliação inicial, serão decididas as providências que serão adotadas sobre o caso, tendo em visto a recorrência de intimidação e violência registrados na região.
Reivindicação na Funai
O trabalho de articulação na Funai foi realizado em dois momentos: 27 de novembro, protocolo do relatório antropológico de fundamentação do território Kinikinau; e, 28 de novembro, reunião com o presidente da Funai, Wallace Moreira Bastos.
A frente da Funai há seis meses, o presidente da Casa, Wallace Moreira Bastos, revela que no momento o órgão não tem condições orçamentárias e nem de pessoal para constituir todos os Grupos de Trabalho (GTs) solicitados pelos povos indígenas. “Esbarramos na questão financeira, pois desde 2009 a Funai sofre redução orçamentária. Hoje, nossa prioridade é caminhar com a criação dos GTs que possuem ordem judicial. Mas assumo o compromisso de viabilizar, no primeiro semestre de 2019, a criação do GT para o território do povo Kinikinau. Primeiramente, vamos analisar o relatório protocolado para assim dar continuidade no trabalho”, garantiu.Wallace Moreira Bastos também assegurou, sem detalhes, que o orçamento previsto para o próximo ano é maior do que o de 2018. “Com esse capital estimado, será possível desafogar o quantitativo de demandas da Casa que fazem referência à demarcação de terras indígenas. Nossa proposta é contratar pessoas capacitadas para contribuir com o trabalho realizado atualmente pela Funai”, explicou.
Por fim, o presidente da Funai afirmou que, minimamente, é dever institucional do Órgão prestar esclarecimentos acerca dos processos em andamento na Casa e diz não entender a omissão ocorrida frente ao protocolo dos indígenas registrado em 2015, bem como da ausência de informação na Grande Assembleia do Povo Kinikinau.
Projeto antidemarcação em pauta
Paralelo, a Delegação indígena Kinikinau e representantes do Conselho Terena também acompanharam a tramitação do Projeto de Lei (PL) 490/2007 – o Projeto Antidemarcação da bancada ruralista – em pauta, nos dias 27 e 28 de novembro, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), da Câmara dos Deputados.
De acordo com o relator na CCJC, o ruralista Jerônimo Goergen (PP/RS), o PL defende uma série de dispositivos que inviabilizam novas demarcações e facilitam obras e a exploração de recursos em terras indígenas já demarcadas, que seriam implementadas “independentemente de consulta” às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai.
Jerônimo Goergen defende a aprovação do PL 490, mas com a redação do PL 6.818/2013, na condição de substitutivo, além da constitucionalidade dos demais projetos apensados ao PL 490. O mérito do PL 6.818/2013 se assemelha à tese inconstitucional do marco temporal, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988.