08/12/2005

Informe no. 693: Povo Guarani Kaiowá pode ser expulso de terra homologada

Povo Guarani Kaiowá pode ser expulso de  terra homologada


 


O povo Guarani Kaiowá da terra Indígena Nhanderu Marangatu recebeu na tarde de ontem, dia 7, a notícia da decisão no Tribunal Regional Federal, 3ª. Região, São Paulo, pela reintegração de posse solicitada pelos proprietários das fazendas Ita Brasília e Pequiri Santa Creuza. Para cumprir a decisão judicial, a Polícia Federal já anunciou que irá proceder a expulsão do povo Guarani Kaiowá no próximo sábado, dia 10.


 


As fazendas estão localizadas total ou parcialmente dentro da terra indígena homologada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva no dia 28 de março deste ano. A homologação é o passo final do processo de demarcação de terras indígenas.


 


Ao serem informadas sobre a reintegração de posse, as lideranças Guarani Kaiowá, que já tinham como definitiva a posse de sua terra, manifestaram perplexidade. “Isso vem em cima da gente como um tiro. Mas nós não vamos arredar o pé. Estamos na terra que é nossa, que está reconhecida e daqui ninguém nos tira enquanto estivermos vivos”, afirmou uma das lideranças.


 


O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) tem acompanhado toda a longa história da reconquista da terra tradicional Guarani Kaiowá. Ao longo destes anos, este povo tem resistido heroicamente com muito sofrimento e morte de várias lideranças – dentre elas Marçal de Souza Tupã i, assassinado em novembro de 1983.


 


O Cimi mais uma vez une-se ao clamor de centenas de Guarani Kaiowá ameaçados em seu sagrado direito de viver em sua terra, conclamando a solidariedade e apoio decisivo de todos os que, no Brasil e no mundo, querem construir esse mundo plural com justiça e respeito aos povos e culturas.


 


ONU ouve movimentos sobre ameaças a defensores de direitos


 


A relatora da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre defensores de direitos humanos, Hina Jilani, está no Brasil para conhecer melhor a situação das pessoas que são ameaçadas por atuarem na defesa de direitos. Jilani passou por Brasília nesta terça-feira, dia 8, e reuniu-se com movimentos sociais para receber denúncias. Ela visitará também o Pará, onde acontece amanhã (9) o julgamento dos acusados pela morte da Ir. Dorothy Stang, e a usina hidrelétrica de Campos Novos, em Santa Catarina, onde vai conhecer melhor a criminalização da população atingida pela barragem. A relatora passará também pela terra do povo Truká, em Cabrobó, Pernambuco, onde dois indígenas foram assassinados por policiais em 30 de junho deste ano. Hina Jilani volta a Brasília em 20 de dezembro para apresentar um relatório preliminar ao governo brasileiro.


 


Em Brasília, Jilani recebeu denúncias do movimento de Rádios Comunitárias, dos Sem Teto, de movimentos camponeses e do Cimi, que apresentou seis casos de ameaças a indígenas e missionários. “Há casos de violência contra comunidades indígenas, contra pessoas destas comunidades e contra não-índios que atuam nas comunidades, como os missionários do Cimi”, disse Saulo Feitosa, vice-presidente da entidade. Segundo ele, as ameaças são conseqüências de conflitos por terras e de disputas por riquezas dos territórios, como os recursos minerais, madeira ou recursos hídricos. As ameaças e agressões partem de particulares ou do poder público, que atua por ação de agentes de segurança pública, como no caso das mortes em Pernambuco, ou por omissão, quando não demarca e fiscaliza as terras.


 


As características destas ameaças são semelhantes às das denúncias feitas pelo movimento camponês. No caso do movimento sem teto, a violência policial denunciada também foi conseqüência de uma ação violenta para retirada de militantes de uma ocupação de terra no Parque Oeste Industrial, em Goiânia. Após serem expulsos, os sem teto foram submetidos a situações humilhantes e ficaram alojados em local sem condições de higiene, o que levou à morte de 14 pessoas, com crianças entre elas.  


 


O Cimi relatou que cerca de 48 povos indígenas sem contato são obrigados a fugir de madeireiros e grileiros que invadem suas terras. Exemplo deste problema é o da terra Rio Pardo, no Mato Grosso, onde os invasores já estiveram muito próximos aos indígenas, que podem ser exterminados. Nesta região no Mato Grosso, os poderes públicos municipais e estadual costumam apoiar a atividade dos madeireiros. Há uma semana, 20 pessoas que há cinco anos exploram a terra indígena foram presas pela Polícia Federal. 


 


O Cimi apresentou à relatora também as ameaças a 10 lideranças do povo Guajajara da terra Bacurizinho, no Maranhão. O cacique deste povo foi assassinado e outras duas pessoas foram baleadas após invasão de fazendeiros, em 21 de maio de 2005. Depois das mortes, as ameaças continuaram.


 


Outra denúncia lembrou as ameaças de arrozeiros contra indígenas em Raposa Serra do Sol, onde uma escola, uma igreja e um hospital, que faziam parte do Centro de Formação da Missão Surumu, foram incendiados em setembro deste ano. Durante o incêndio, jovens que dormiam na escola foram agredidos.


 


Os Terena da terra Cachoeirinha, no Mato Grosso do Sul, também têm sido ameaçados depois que retomaram suas terras, em 28 de outubro. Nesta semana, este povo enviou ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público Federal carta relatando que as ameaças são “feitas por telefone ou mesmo diretamente por recado”. “A área retomada é terra tradicional imprescindível para nossa sobrevivência, pois possui os recursos naturais necessários para nós, como o córrego Ka´iKoe, de onde retiramos os peixes para alimentação das famílias e água para consumo da comunidade”. Eles também denunciam a demora para a demarcação da terra, que os obriga a tomar atitudes como a retomada. “Temos conhecimento de que o processo de demarcação (…) vem sendo protelado pelo Ministério da Justiça e pela Funai com encaminhamentos totalmente desnecessários e que não possuem fundamentação para justificar a demora para a publicação da Portaria Declaratória dos limites da terra”, afirmaram na carta.


 


“Há uma responsabilidade direta do governo brasileiro sobre as ameaças a defensores dos direitos humanos quando ele não assume a responsabilidade de demarcar terras”, afirmou Saulo Feitosa. Ele relatou que o  Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas tem dados de que há 445 terras a serem demarcadas. “Se mantido o ritmo das demarcações hoje, teremos mais 45 anos de violência contra indígenas”.


 


Brasília, 8 de dezembro de 2005


Cimi – Conselho Indigenista Missionário


www.cimi.org.br


 


 


 

Fonte: Cimi
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