09/04/2025

Os direitos indígenas hoje: o que está em jogo?

Demarcações, Lei 14.701/2023, mesa de conciliação e julgamento de repercussão geral no STF: um resumo das atuais disputas em torno dos direitos constitucionais dos povos originários

Arte: Verônica Holanda/Cimi

Nos últimos anos, os ataques contra os direitos constitucionais dos povos indígenas se intensificaram e chegaram a um novo impasse com a promulgação da Lei 14.701/2023, conhecida como a Lei do Marco Temporal.

Apesar do nome, esta lei reúne um conjunto de ataques contra os direitos constitucionais dos povos indígenas que vão muito além do marco temporal. Ela abre as terras indígenas já demarcadas para a exploração predatória e a devastação, além de dificultar novas demarcações. Ela afronta a Constituição Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Em setembro de 2023, o plenário do STF julgou o mérito do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365. O processo trata, originalmente, de uma disputa envolvendo o território dos Xokleng em Santa Catarina. O caso recebeu repercussão geral, o que significa que sua decisão serve de referência para todas as outras e fixa o entendimento que o STF tem sobre o assunto. Por essa razão, esse julgamento também passou a ser conhecido como Tema 1031.

A Suprema Corte decidiu, no Tema 1031, que o “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas é inconstitucional e que os direitos indígenas são originários – ou seja, anteriores à própria existência do Estado.

Apesar disso, a Lei 14.701/2023 segue em vigência, fragilizando os direitos indígenas. Ela foi questionada no STF pelos povos indígenas e por partidos políticos. No entanto, a Suprema Corte não julgou os pedidos – e nem sequer suspendeu a validade da lei enquanto não toma uma decisão definitiva sobre ela.

O ministro Gilmar Mendes, relator de algumas destas ações, decidiu criar uma “Comissão Especial” de conciliação para tentar chegar a uma “solução consensual” sobre este ataque violento e brutal contra os direitos indígenas. Esta “conciliação forçada”, como caracterizou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pode trazer consequências ainda mais graves para os povos do que a própria Lei 14.701.

É neste ponto crítico que nos encontramos em abril de 2025.

Com cantos e danças, gritos e cartazes, cerca de 8 mil indígenas de todo o país marcharam até a Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). Os povos reivindicam a declaração da inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 e a demarcação de seus territórios. Foto: Hellen Loures/Cimi

Por que a Lei 14.701 ainda está em vigor?

Logo após a promulgação da Lei, a Apib e os partidos Psol, Rede, PT, PV, PCdoB e PDT ingressaram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no STF, pedindo que a Corte reafirmasse sua decisão de setembro de 2023 e derrubasse a medida.

Em sentido oposto às ADIs, os partidos Progressistas (PP), Republicanos e PL protocolaram a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86.

Todas estas ações acabaram ficando sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ao invés de julgá-las, o ministro criou uma “Comissão Especial de Conciliação” para discutir a Lei e chegar a uma “decisão consensual” sobre o tema. Apesar dos pedidos de partidos e povos indígenas, o ministro também se negou a suspender a vigência da lei enquanto as reuniões da mesa de conciliação acontecem.

Tema 1031

Além das ADIs, a lei também foi questionada pelo povo Xokleng, com apoio de outros povos indígenas e de organizações aliadas, no Tema 1031.

Como a Lei 14.701 trata exatamente do tema daquele processo, ele é o espaço mais adequado para discuti-la. Foi por essa razão que o povo Xokleng entrou com um pedido chamado “incidente de inconstitucionalidade”. Desde o início de 2024, o povo Xokleng e os demais povos que participam deste processo de repercussão geral como amigos da Corte aguardam que o STF julgue os embargos de declaração e o incidente que questiona a lei.

Demarcações retardadas

O governo Lula 3 iniciou com a promessa de retomada das demarcações de terras indígenas, paralisadas por anos e duramente atacadas sob os governos Temer e Bolsonaro. As demarcações de fato voltaram a avançar. Contudo, desde a aprovação da Lei 14.701, o governo federal as desacelerou, sob a justificativa de que a norma tem dificultado novos avanços.

Enquanto isso, os conflitos, a pressão e a violência contra os povos indígenas em luta por seus territórios se intensificaram. Os casos dos povos Avá-Guarani, no oeste do Paraná, Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e Pataxó, no extremo sul da Bahia, e Mura, no Amazonas, são emblemáticos – mas, infelizmente, estão longe de serem os únicos.

No dia 25 de abril, os povos indígenas presentes no 20º Acampamento Terra Livre (ATL) realizaram a marcha “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Mesa de conciliação: e os povos indígenas?

Ao criar a Comissão Especial de Conciliação, o ministro Gilmar Mendes afirmou buscar “pacificação” para superar o conflito em torno da Lei 14.701. Ele determinou que todos os autores das ações, incluindo a Apib, participassem das reuniões de conciliação.

O governo federal, a Funai, a Câmara Federal e o Senado Federal também foram convocados, e os estados e municípios puderam indicar um representante cada. Outros agentes, como representantes da mineração e do agronegócio, também passaram a incidir sobre os processos.

A primeira reunião ocorreu no dia 5 de agosto de 2024. Na segunda reunião, os povos indígenas, representados pela Apib, decidiram se retirar da mesa, que caracterizaram como uma negociação ilegítima de seus direitos.

A Constituição estabelece que as terras indígenas são “inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. Assim, qualquer negociação sobre direitos fundamentais já seria, a princípio, inadmissível”, afirmou a Apib.

A saída dos povos indígenas não foi um obstáculo para que as reuniões da mesa seguissem. O direito dos povos indígenas à consulta e ao consentimento foi ignorado desde o início, assim como a premissa básica da ideia de conciliação: ninguém pode ser forçado a conciliar, ainda mais quando seus direitos estão sob ataque.

Apesar da falta de legitimidade, as discussões ficaram cada vez mais amplas e perigosas. Há risco, inclusive, do que na prática seria uma revisão do julgamento do Tema 1031.

Em janeiro de 2025, o gabinete do ministro Gilmar Mendes apresentou à mesa a redação de um anteprojeto de lei que sintetizaria os acordos da conciliação – mesmo sem participação dos povos indígenas. O governo federal seguiu participando da mesa e apresentou uma contraproposta, com pontos de convergência e outros em que não houve acordo com a proposta de Mendes.

Apesar de excluir a tese do marco temporal, o que já havia sido garantido pelo próprio STF, este anteprojeto manteve muitos dos ataques aos direitos indígenas contidos na Lei 14.701/2023 – e incluiu outros igualmente graves, que podem impor novos retrocessos.

Maria Baré faz a leitura da carta-manifesto anunciando a saída da Apib da mesa de conciliação do marco temporal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Maria Baré faz a leitura da carta-manifesto anunciando a saída da Apib da mesa de conciliação do marco temporal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Principais ameaças em pauta

A substituição da Lei 14.701/2023 por outra lei é uma das intenções da mesa de conciliação. Durante as negociações, o marco temporal e a mineração em terras indígenas foram excluídos da nova proposta. Este resultado, contudo, não pode ser apresentado como uma vitória: o marco temporal já havia sido descartado pelo STF, e a substituição de uma Lei inconstitucional por outra equivalente não é aceitável. Isso sem contar o próprio fato de que a mesa, em si, é ilegítima e já deveria ter sido extinta.

Entre as principais ameaças da proposta de revisão ou substituição da Lei 14.701/2023, estão:

• Alteração do procedimento administrativo de demarcação: as demarcações são regulamentadas pelo Decreto 1.775/1996, que estabelece os parâmetros e as etapas do procedimento de demarcação de terras indígenas. Este decreto é alvo de contínuos ataques e já foi questionado no STF, que confirmou sua constitucionalidade. Ele garante espaço ao contraditório e à ampla defesa, bem como a participação e o questionamento das demarcações por pessoas ou entes que se julguem prejudicados. Apesar disso, há propostas para que ele seja alterado e fragilizado, burocratizando o procedimento demarcatório ao ponto de praticamente inviabilizar novas demarcações

• Obras e empreendimentos de “interesse público”: possibilidade de realização de obras de “relevante interesse público da União” em terras indígenas, mesmo sem a anuência dos povos afetados. Esse conceito, propositalmente amplo, abarcaria obras de infraestrutura de transporte, sistema viário, saneamento, energia, telecomunicações, radiodifusão, entre outros.

• Mineração em terras indígenas: A liberação da mineração em terras indígenas havia sido incluída no primeiro anteprojeto apresentado por Gilmar Mendes. Embora tenha sido excluída pelo ministro e pelo governo federal, é uma grave ameaça que ainda ronda os povos indígenas e que pode ser tratada em outra comissão do STF – ou retomada em outros projetos do Congresso Nacional

• Criminalização de retomadas: o anteprojeto apresentado pelo ministro Gilmar Mendes previa a criminalização de retomadas realizadas por indígenas e, inclusive, de apoiadores dos povos. As retomadas são uma forma legítima de luta e de sobrevivência de povos que aguardam há anos pela demarcação de suas terras, muitas vezes em condições de vulnerabilidade extrema

• “Parcerias” para exploração de terras indígenas: as “parcerias” com não indígenas para a exploração de terras indígenas, já contidas na Lei 14.701, seriam mantidas na nova proposta

• Indenização por terra nua: uma das ameaças centrais em pauta hoje, esta prática é vedada pela Constituição e pode inviabilizar completamente novas demarcações

Mobilizados em defesa de seus direitos constitucionais, cerca de 600 indígenas de diversos povos estiveram presentes em Brasília (DF) para acompanhar o julgamento do STF sobre demarcação de terras indígenas. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Demarcação e indenização

Uma dos principais pontos em disputa em relação aos direitos indígenas, hoje, envolve a indenização pela chamada “terra nua” – ou seja, pelo valor da terra das propriedades que, eventualmente, estejam sobrepostas a terras indígenas que venham a ser demarcadas.

O que diz a Constituição?

A Constituição garante, no caso de propriedades sobrepostas a terras indígenas, a indenização pelas chamadas “benfeitorias”: obras, construções e quaisquer bens que existam no imóvel. Essa indenização é condicionada à “boa-fé”; ou seja, cabe apenas naqueles casos em que o ocupante não sabia que o local era uma terra indígena.

Por outro lado, a Constituição proíbe a indenização pela propriedade em si, ou pelo que se costuma chamar de “terra nua”. Isso porque as terras indígenas são propriedade da União. Como o Estado poderia pagar por uma terra que já é sua? Essa é a razão pela qual a “terra nua” não pode ser indenizada.

O que decidiu o STF?

No julgamento do Tema 1031, o STF buscou encontrar uma solução para essa questão. Na tese que resultou do julgamento, a Corte não previu indenização pela “terra nua”, proibida pela Constituição. Mas, por entender que em alguns casos a emissão de títulos de propriedade sobre terras indígenas foi um erro cometido pelo Estado, o STF decidiu que o poder público deve ser responsabilizado, indenizando as pessoas pelo dano, decorrente do evento danoso, que seu equívoco gerou a pessoas de boa-fé.

Assim, com base no artigo 37 da Constituição Federal, o STF decidiu que os proprietários de títulos de boa-fé podem ser indenizados financeiramente, desde que:

• A área a ser indenizada não estivesse na posse dos povos indígenas ou em disputa com eles no dia 5 de outubro de 1988, nem sobreposta a terras indígenas já reconhecidas, declaradas e pacificadas (exceto nos casos judicializados)

• Não seja possível o reassentamento das famílias em outras áreas

Nestes casos, o titular da propriedade teria direito a uma indenização financeira pelo “evento danoso” em valor correspondente ao da terra nua, o que não se confunde com o pagamento pela terra nua propriamente dita. O STF apenas a utiliza como uma referência de valor. A decisão também estabelece que:

• As indenizações pelo evento danoso serão apuradas e pagas em procedimento administrativo à parte do processo demarcatório; ou seja, elas não travariam o avanço da demarcação

• O proprietário teria direito à posse da área até o pagamento do valor definido pela União, chamado de “valor incontroverso”. Se o proprietário considerar o valor insuficiente, pode questioná-lo judicial e administrativamente, mas sem direito à posse enquanto o recurso tramita separado do procedimento demarcatório

• O pagamento das indenizações será pago pela União, que poderá pedir o ressarcimento dos estados ou municípios que foram responsáveis pela emissão do título nulo

Ainda há questões que precisam ser especificadas pelo STF, o que deve ocorrer na análise dos embargos do Tema 1031. É importante ressaltar, contudo, que a decisão mais importante da Corte sobre o tema jamais previu indenização pela terra nua e que isso está fora de questão na análise dos embargos.

Por que a nova proposta é uma ameaça?

A proposta apresentada pelo ministro Gilmar Mendes e parcialmente endossada pelo governo federal vai em direção oposta à decisão do STF no Tema 1031 – que contou, inclusive, com a anuência de Mendes.

Ela prevê a indenização pela terra nua, o que é inconstitucional. Além disso, a proposta não separa, explicitamente, o procedimento que discutirá a indenização do procedimento demarcatório. Isso abre margem para que o questionamento de fazendeiros ao valor da indenização proposto pela União trave a demarcação.

A demarcação ficaria, ainda, suscetível à destinação de orçamento, pelo Congresso, para o pagamento das indenizações. Num contexto em que o orçamento público sofre cortes sucessivos, isso pode paralisar completamente as demarcações. Além disso, estados e União não entraram em acordo sobre a responsabilidade pelos pagamentos.

Outro problema, ainda mais grave, é que há casos concretos que estão em discussão no poder Judiciário nos quais sequer ocorre a análise da boa-fé dos não indígenas. Esta prática pode acabar beneficiando grileiros, invasores e assassinos de lideranças indígenas, que verão seus atos ilegais premiados pelo Estado.

A União chegou a propor um artigo que vedava a indenização a títulos que constituam “apropriação ilegal de terras públicas”, mas a proposta foi recusada pelos representantes do agronegócio e do Congresso Nacional.

Mobilização Munduruku contra lei 14.701 e câmara de conciliação no STF iniciou no dia 25 de março com ocupação da BR-230. Foto: Frank Akay - Coletivo Dau'k

Mobilização Munduruku contra lei 14.701 e câmara de conciliação no STF iniciou no dia 25 de março com ocupação da BR-230. Foto: Frank Akay – Coletivo Dau’k

E agora?

Não é a primeira vez que os povos indígenas se veem diante de uma encruzilhada. E não é a primeira vez que superam as adversidades e encontram alternativas, com teimosia e resistência.

É necessário lutar para que a Lei 14.701/2023 seja declarada inconstitucional, sem que seja substituída por outra versão supostamente melhor. Como dizem vários povos indígenas: direitos fundamentais não podem ser negociados.

Também é preciso lutar para que o STF conclua o julgamento do Tema 1031, com a análise dos embargos e do incidente de inconstitucionalidade que questiona a Lei 14.701/2023. Mais do que qualquer mesa, essa é a instância apropriada para debater os direitos constitucionais dos povos indígenas. Por fim, é importante que o governo federal cumpra sua promessa e avance com as demarcações de terras.

Indígenas protestam, em Brasília, contra o então Projeto de Lei 2903/2023, que viria a se tornar a Lei 14.701/2023. Foto: Verônica Holanda/Cimi

Relembrando a origem da Lei 14.701

Em 2021, quando a pandemia ainda tirava milhares de vidas e as vacinas contra a Covid-19 eram pouco mais que uma incerteza, os povos indígenas realizaram uma grande mobilização contra um projeto de lei que ameaçava seus direitos: o PL 490/2007, que reunia uma série de ataques contra seus direitos. A mobilização foi vitoriosa e conseguiu, naquele momento, atrair o apoio da sociedade nacional e internacional e impedir que o projeto virasse lei.

A mobilização também demonstrou ao STF que era urgente retomar o julgamento do Tema 1031, no qual a Suprema Corte afastou a tese do “marco temporal”. Imediatamente, em represália, a bancada ruralista e representantes de outros setores interessados em se apropriar das terras indígenas – como as empresas da mineração, da especulação imobiliária, do setor de energia, as construtoras de grandes obras, entre outras – aceleraram a tramitação do PL 490.

• 24 de maio de 2023: Câmara dos Deputados aprova o PL 490/2007, que vira PL 2903/2023 no Senado

• 27 de setembro de 2023: STF declara marco temporal inconstitucional no âmbito do Recurso Extraordinário 1.017.365, porém, com certas questões não finalizadas levantadas durante a votação dos ministros: os embargos de declaração

• 27 de setembro de 2023: Senado aprova em regime de urgência o Projeto de Lei 2903/2023, que se torna a Lei 14.701/2023

• 20 de outubro de 2023: presidente Lula, no último dia do prazo, veta parcialmente o PL. Um dos pontos vetados é o que contempla o marco temporal

• 14 de dezembro de 2023: Congresso derruba vetos presidenciais ao Projeto de Lei

• 28 de dezembro de 2023: Senado Federal promulga a Lei 14.701/2023

Com a promulgação da lei, o Congresso Nacional reafirmou sua postura anti-indígena e agiu com desrespeito à autoridade do STF e à própria Constituição. É o STF, como Corte constitucional, que possui a atribuição de resguardar e interpretar a Constituição Federal. Essa função não cabe ao Congresso – menos ainda quando se está diante de artigos que gozam de proteção especial, como é o caso dos artigos 231 e 232 da Constituição.

Os direitos indígenas são entendidos como cláusulas pétreas. Isso significa que são direitos fundamentais, essenciais à sobrevivência desses povos, e que não podem ser alterados nem mesmo por Propostas de Emenda à Constituição (PECs) – muito menos por leis comuns, como é o caso da Lei 14.701.

Apesar de todos estes absurdos, a lei segue em vigor e o poder público fica obrigado a respeitá-la. Uma verdadeira aberração legal que gera insegurança, neste momento, para todos os povos indígenas do Brasil.

No dia 25 de abril, os povos indígenas presentes no 20º Acampamento Terra Livre (ATL) realizaram a marcha “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”. Foto: Hellen Loures/Cimi

Principais pontos da Lei 14.701/2023

A Lei 14.701/2023 ainda se encontra em vigor. Entre o conjunto de ataques contra os direitos indígenas que ela reúne, os principais pontos são os seguintes:

• Marco temporal: a tese, declarada inconstitucional pelo STF, é usada como critério não só para a demarcação de todas as terras indígenas, mas também para as terras já regularizadas, que podem ter sua demarcação anulada com base na Lei. Segundo esta tese, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse na data de promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988

• Renitente esbulho: os povos indígenas precisam provar que estavam na posse da terra reivindicada ou disputando-a em 5 de outubro de 1988. Até então, os povos indígenas eram tutelados e não podiam ingressar na Justiça por conta própria; além disso, resistiam e mantinham seu vínculo com a terra de formas diversas, não necessariamente por meio de disputas judiciais ou violentas

• Enfraquecimento do procedimento demarcatório: a lei determina a participação de todos os “interessados na demarcação” desde os estudos preliminares da demarcação, abrindo margem para interferência, intimidação, contestações e protelações – e possível anulação de demarcações concluídas ou avançadas

• Proibição da revisão de limites: A lei proíbe a revisão de demarcações que deixaram de fora parte do território dos povos – situação ocorrida, especialmente, em reservas criadas sem o devido estudo técnico e antes da Constituição de 1988

• “Parcerias” para exploração: a lei libera a realização de “parcerias” com não indígenas para a exploração econômica de terras indígenas. Na prática, a norma abre uma brecha para a devastação dos territórios, encoberta por uma falaciosa “cooperação”

• Grandes projetos sem consulta: a instalação de bases militares, estradas, ferrovias, “exploração de alternativas energéticas” e “resguardo de riquezas” estratégicas podem ser realizadas em terras indígenas sem consulta aos povos

• Anulação de demarcações: além de criar todas essas restrições às demarcações, a lei determina que todos os processos demarcatórios em andamento que não estiverem adequados a ela são nulos

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