15/12/2023

Nota do Cimi: Congresso Nacional ataca povos indígenas e rompe pacto constitucional

O Congresso Nacional derrubou nesta quinta-feira (14) a maior parte dos vetos de Lula ao PL 2903/2023. Assim que for publicada, a nova lei deverá ser declarada inconstitucional

Conselho Indigenista Missionário - Cimi

Em sessão conjunta da Câmara e do Senado Federal realizada nesta quinta-feira (14), o Congresso Nacional derrubou a maior parte dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei (PL) 2903/2023, dentre eles o veto ao marco temporal. Com isso, o Congresso ameaça a vida e a integridade dos povos indígenas, afronta os outros dois Poderes do Estado e rompe o pacto constitucional de 1988, alterando o artigo 231 e deturpando um direito fundamental, como é o direito originário dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam.

O presidente Lula havia vetado, total ou parcialmente, 24 dos 33 artigos do PL 2903. Ontem, a maior parte destes vetos foi derrubada pelos parlamentares. A nova lei, designada com o número 14.701/2023, será publicada nas próximas 48 horas e manterá, dentre outros aspectos nocivos, o marco temporal para a demarcação das terras indígenas, a flexibilização do usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre os bens existentes em seus territórios e a dispensa do direito à consulta em caso de empreendimentos de infraestrutura. Fica proibida, ainda, a revisão dos limites das terras indígenas que foram homologadas de forma irregular para atender interesses de particulares.

Esse é um dos maiores ataques legislativos contra os direitos indígenas no período pós-Constituinte, e o primeiro desta magnitude a concluir o rito de tramitação e tornar-se lei.

O direito originário dos povos indígenas a seus territórios está consagrado no artigo 231 da Constituição Federal, configurando um direito fundamental inviolável e imprescritível. Ou seja, é assegurada pela Constituição sua natureza de cláusula pétrea, o que significa que este é um direito que não pode ser alterado de forma alguma, através de qualquer iniciativa legislativa ou jurídica, por nenhum poder do Estado.

O marco temporal não existe na Constituição Federal. Isso já foi definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, que declarou inconstitucional essa tese falaciosa e enganosa.

O Poder Executivo também seguiu esse mesmo entendimento com o veto do presidente Lula. Além de falso e inconstitucional, o marco temporal representa uma declaração de impunidade absoluta a todo o processo de violência e de esbulho dos territórios indígenas. Ele inviabiliza a efetiva retomada da demarcação das terras indígenas e reforça a violência que permanece instalada nos territórios contra os povos originários.

Com o resultado dessa última votação, portanto, o Congresso age isoladamente e ancorado em uma perspectiva colonial e racista. O Poder Legislativo se coloca fora do pacto constitucional e avança na estratégia de tumultuar e criar instabilidade política no país, confirmando-se como a instância de poder que possibilita, hoje, a continuidade do projeto autoritário que governou o Brasil nos últimos anos.

Com a derrubada dos vetos, a maioria conservadora do Congresso Nacional – incluindo parte importante da base do atual governo – atendeu aos interesses particulares de setores econômicos como o agronegócio ou a mineração, os quais constituem a base real de sustentação financeira e ideológica dessas bancadas parlamentares.

A nova lei abre todos os caminhos para a continuidade de um modelo econômico voltado à exportação de bens primários, e que cresce na medida em que consegue incentivos fiscais, desapropria povos e comunidades tradicionais e envenena as fontes de vida. São estes atores econômicos os que detêm a maior concentração de terra e, também, a maior capacidade de influência política no país.

Tão logo seja promulgada, esta lei deverá ser declarada inconstitucional no âmbito do Poder Judiciário, e assim o esperamos. Para além dessa medida necessária e urgente, impõe-se um desafio e uma tarefa coletiva e societária que nos compromete a todos e todas, organizações sociais, igrejas, meios de comunicação, instituições públicas, movimentos populares, academia e a sociedade em seu conjunto.

Trata-se de avançar na compreensão e na convicção de que a demarcação dos territórios indígenas tem importância fundamental para garantir os projetos de vida destes povos e confirmar a configuração plural e diversa do país que somos. As demarcações são fundamentais, também, para colocar freio a um modelo de exploração econômica injusto e insustentável, para aprofundar uma verdadeira e radical democracia e, finalmente, para assegurar as condições de vida para todas e todos – os que estamos hoje e os que virão amanhã.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), diante deste momento, manifesta sua confiança e acredita que as instituições de Estado – e, particularmente, o Supremo Tribunal Federal – agirão de forma imediata para a suspensão e a declaração da inconstitucionalidade do que foi firmado pelo Congresso Nacional.

O Cimi continuará atuando com toda a determinação que o momento exige. Reafirmamos nosso compromisso histórico e irrestrito com a defesa dos direitos dos povos indígenas e nossa convicção em que a força política, ética e espiritual dos povos originários continuará marcando o caminho para uma sociedade do Bem Viver.

Brasília (DF), 15 de dezembro de 2023

Conselho Indigenista Missionário – Cimi

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