01/11/2023

Lideranças indígenas e integrantes do Cimi Regional Leste participam da Mesa Redonda Brasil 2023, na Alemanha

O evento ocorreu entre os dias 20 e 22 de outubro, em Bonn, Alemanha; desta vez, o tema escolhido foi “Lutas Decoloniais: nunca mais um Brasil sem nós”

Mesa durante o evento Mesa Redonda Brasil 2023, em Bonn, Alemanha. Foto: Haroldo Heleno/Cimi Regional Leste e Jessica Tupinambá

Por Haroldo Heleno, coordenador do Cimi Regional Leste, e Assessoria de Comunicação do Cimi

Entre os dias 20 e 22 de outubro deste ano, uma delegação formada por lideranças indígenas da Bahia e do Rio Grande do Sul e por integrantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Leste esteve em Bonn, cidade na Alemanha. A ida à Europa teve como finalidade a participação na Mesa Redonda Brasil 2023, promovida pela organização de cooperação internacional Kooperation Brasilien e.V. (KoBra). O evento ocorre anualmente e, desta vez, o tema foi “Lutas Decoloniais: nunca mais um Brasil sem nós”.

Haroldo Heleno, coordenador do Cimi Regional Leste, Jéssica Tupinambá, do povo Tupinambá de Olivença e integrante do Departamento Jurídico do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), e Gãh Té, do povo Kaingang, tiveram a oportunidade de participar da edição deste ano da Mesa Redonda Brasil.

Na abertura do evento, a primeira mesa – formada por Ana Gualberto (Koinonia), Jessica Tupinambá e Iracema Kaingang – discutiu o tema “Primeiro ano do governo Lula e as lutas contra o racismo estrutural”. A pauta relacionada à “descolonização” está cada vez mais no centro de discussões e conflitos.

Ana Gualberto e Jessica Tupinambá após a mesa de abertura do evento. Foto: Haroldo Heleno/Cimi Regional Leste

A mesa contribuiu com reflexões a respeito de: como os movimentos sociais estão lidando com o processo de descolonização; e quais são as estratégias de luta e de enfrentamento e como os movimentos e povos estão ou não conseguindo garantir e pleitear suas demandas. Além disso, foi feito um balanço do primeiro do governo Lula, momento que ficou perceptível o “alívio após o golpe de 2016 e o aprofundamento da necropolítica do governo Bolsonaro”, assim como foi pontuado pelos participantes do evento.

Na avaliação dos integrantes do Cimi Regional Leste, apesar de ter sido uma vitória a eleição do presidente Lula, a garantia de direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais do país ainda está longe de se concretizar. Na ocasião, tanto Ana Gualberto quanto Jessica Tupinambá afirmaram que os direitos desses povos ainda continuam funcionando como “moeda de troca” – mesmo no atual governo.

“Os direitos desses povos ainda continuam funcionando como ‘moeda de troca'”

Nesse sentido, a última reflexão feita pela mesa esteve relacionada com a continuidade da mobilização e articulação dos povos e comunidades tradicionais, das lutas conjuntas e em redes, da incidência e do apoio por parte da cooperação internacional, entre outras alianças e parcerias que precisam ser descobertas, estabelecidas e ampliadas.

Nos dias seguintes, foram realizados grupos de trabalho (GTs) paralelos, oficinas, plenárias discursivas, momentos de oportunidades e painéis expositivos. Em todos os espaços a temática das “lutas decoloniais” esteve presente, incluindo o debate sobre como isso afeta a relação entre Brasil e Europa.

 

Oficinas

Na oficina “Comunidades Afro-Brasileiras em resistência: a luta contra o racismo, o machismo e a intolerância religiosa”, assessorada pela Ana Gualberto, percebeu-se como as lutas interseccionais contra o racismo estrutural, machismo e intolerância religiosa são o dia a dia de muitas comunidades e o quanto de luta ainda se tem pela frente.

“Temos que manter o foco nos mesmos objetivos, pois, infelizmente o quadro de violações de direitos e de intolerância religiosa não mudou. É preciso fazer com que as sociedades brasileira e internacional tomem conhecimentos dos belos trabalhos de intervenção social que são realizados nos terreiros, que são espaços de cuidado e acolhimento, e para que as comunidades quilombolas permaneçam em seus territórios, para que os princípios da equidade, respeito e justiça sejam presentes no cotidiano destes grupos”, afirmou Haroldo Heleno, coordenador do Cimi Regional Leste.

Na oficina “Repatriação de artefatos indígenas”, conduzido por Jéssica Tupinambá, foi abordada a busca do povo Tupinambá de Olivença, do extremo sul da Bahia, pelos seus artefatos. Na oportunidade, foi relatado o processo da volta do Manto Tupinambá ao Brasil – já que se encontra, atualmente, no museu da Dinamarca. Além do manto, diversas outras peças do povo já foram localizadas durante esse processo de peregrinação.

Oficina sobre repatriamento de artefatos indígenas com Jéssica Tupinambá, do povo Tupinambá de Olivença (extremo sul da Bahia). Foto: Haroldo Heleno/Cimi Regional Leste

“Perspectivas decoloniais da cooperação alemã na Amazônia” foi o tema de outra oficina, mediada pelo sociólogo alemão Thomas Fatheurer. Nesse espaço, foi discutido como tornar a cooperação internacional mais descolonizada e para além da Amazônia. Por fim, também foi debatido o contexto climático no evento. Na oficina “Vozes e práticas decoloniais para a Justiça Climática e a soberania alimentar”, moderada por Felipe Campelo, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Justiça Climática, igualdade de oportunidades sociais, preservação da diversidade ecológica e soberania alimentar foram pautadas durante o debate.

 

Luta feminista

A luta feminista, também presente nos territórios, foi outro tema apresentado ao longo da Mesa Redonda 2023. Segundo o coordenador do Cimi Regional Leste, o trecho abaixo da cartilha “Território, Corpo e Violência”, do Coletivo Nacional de Gênero do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), é um exemplo de recorte do que foi abordado no encontro. É necessário não só considerar que existem hoje diversos “tipos” de lutas feministas, mas também as especificidades de cada um deles.

“…Todos sabemos que a sociedade brasileira, foi formada a partir de alguns princípios estruturadores como o patriarcado, a divisão da sociedade em classes sociais e as diferenças étnico–raciais que marcam a nossa formação cultural, política, econômica e social, direcionando assim um hegemônico conjunto de práticas, relações de poder e leituras de mundo e, neste lugar, consolidou-se a subordinação feminina como condição estrutural à exploração capitalista. Ao longo da história as mulheres sofrem com a naturalização da superioridade construída pelo capitalismo patriarcal dos homens sobre as mulheres, sendo aqueles os privilegiados históricos e detentores do poder. E, por isso, ouvimos a vida inteira que o lugar da mulher é dentro de casa, cuidando da família, dos/as adoecidos/as e tantas outras tarefas que, ao final, foi e vai marcando o lugar das mulheres como o lugar do privado, do invisível, do secundário e do doméstico. Mas, hoje, fruto do legado das lutas revolucionárias e das rebeldias deste tempo atual, já sabemos que lugar de mulher é onde ela quiser.

A conjuntura nos desafia a lutar, caminhar de mãos dadas rumo à construção do poder popular que brota dos vários processos, mas, principalmente, da unidade de forças, política e ideológica e é partindo disto que, a partir da luta dentro dos territórios, afirmamos a defesa da vida e contra as violências e a fome…”


Cimi

No dia 21 de outubro, integrantes do Cimi tiveram a oportunidade de apresentar e entregar aos presentes o Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2022 (mais atualizado). A realidade retratada nessa última edição do Relatório mostra o cenário agravado pelo governo Bolsonaro também no ano de 2022, período marcado por violações de direitos e pela intensificação da violência contra os povos indígenas do país.

“O ano de 2022 foi um período marcado por violações de direitos e pela intensificação da violência contra os povos indígenas do país”

O coordenador do Cimi Regional Leste I, Haroldo Heleno, apresenta o Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2022 durante uma das oficinas da Mesa Redonda Brasil 2023, em Bonn (Alemanha). Foto: Jessica Tupinambá

Assim como nos três anos anteriores – 2019 a 2021 –, os conflitos e a grande quantidade de invasões e danos aos territórios indígenas avançaram lado a lado com o desmonte das políticas públicas voltadas aos povos originários, como a assistência em Saúde e Educação, e com o desmantelamento dos órgãos responsáveis pela fiscalização e pela proteção desses territórios.

O relatório entregue na ocasião foi traduzido para o inglês e confeccionado pela Fundação Rosa de Luxemburgo. Nessa mesma oportunidade, os companheiros e companheiras da FIAN Internacional apresentaram alguns resultados de um novo estudo que deve ser lançado ainda neste ano, sobre a situação da segurança alimentar em algumas comunidades Guarani e Kaiowá. A pesquisa aponta a importância da retomada do território.

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