Em encontro, indígenas Apinajé reforçam que “não venderão nem trocarão suas terras”
A luta contra o marco temporal foi um dos temas mais debatidos na aldeia Serrinha, na TI Apinajé (TO); o evento ocorreu entre os dias 22 e 24 de junho
A luta contra o marco temporal foi um dos temas mais debatidos na aldeia Serrinha (TO), escolhida pelo povo Apinajé para ser o local do Encontro de Formação Política do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Goiás/Tocantins. O evento, realizado entre os dias 22 e 24 de junho, teve como tema “Direitos Indígenas: ameaças, desafios, perspectivas e estratégias de luta”.
Ao todo, participaram indígenas de 40 aldeias, da Terra Indígena (TI) Apinajé, em Tocantins – entre eles estavam homens, mulheres, crianças, jovens e anciões.
No encontro, as lideranças Apinajé fizeram uma análise da conjuntura nacional, regional e local. Destacaram como os principais problemas que afetam os povos indígenas a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, no dia 30 de maio, na Câmara Federal, e manifestaram repúdio a essa votação – já que a proposição tem como objetivo liberar, na prática, as terras indígenas para a mineração e paralisar as demarcações de terras indígenas. O ataque direto foi contra o artigo 231, da Constituição Federal de 1988.
“A proposição tem como objetivo liberar, na prática, as terras indígenas para a mineração e paralisar as demarcações de terras indígenas”
Outro ponto importante no debate foi a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, no Supremo Tribunal Federal (STF), no início de junho – o caso de repercussão geral sobre direitos originários. Na ocasião, os indígenas apresentaram descontentamento com mais um pedido de vista – desta vez, feito pelo ministro André Mendonça. As lideranças destacaram que essa demora tem provocado mais violência contra os povos indígenas, mais ameaças ao direito dos povos a viver em paz em seus territórios.
Os indígenas lembraram, ainda, do sofrimento dos povos que vivem à beira das estradas, como o povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e os povos que vivem em territórios alheios, como é o caso do povo Avá-Canoeiro, que já tem a Portaria Declaratória da TI Taego Awá desde 2016, mas que, pela tese ruralista do marco temporal, não avançou a demarcação do território. E, como esse caso, há muitos territórios com os processos de demarcação paralisados.
“Há muitos territórios com os processos de demarcação paralisados”
No encontro, houve manifestações sobre problemas relacionados com as invasões do território por madeireiros e traficantes ilegais de animais silvestres. Além disso, as pressões pela empresa Suzano estão voltando para assediá-los mesmo dentro das aldeias.
Outra questão levantada pelas lideranças presentes foi a luta pela outra parte da terra, a região da Gameleira, que, devido ao erro no processo demarcatório, ficou fora da demarcação feita em 1985. No entanto, o povo Apinajé manifestou que não abre mão dessa parte da terra, e afirmaram que essa terra é deles e não vão deixar na mão de outros.
Em relação aos problemas das políticas públicas, exigiram que o município tome providências para dar manutenção a todas as estradas no interior do território. A precariedade e condições péssimas das estradas têm provocado impactos graves na educação, como a paralisação das aulas. Já na saúde, os impactos são mais graves, pois coloca em risco a vida das pessoas. Além da estrada ruim, existe falta de transporte, falta de remédios e demora nos atendimentos à saúde.
“A precariedade e condições péssimas das estradas têm provocado impactos graves na educação, como a paralisação das aulas”
Foi exigido também que o poder público e os órgãos competentes assumam sua responsabilidade e compromisso para a manutenção das estradas. E pediram para que o Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) tomem providências e busquem solucionar, em breve e definitivamente, essa situação vergonhosa das estradas internas.
Outro momento importante do encontro foi o aprofundamento sobre o marco temporal: como está o processo, sobre a análise dos votos dos ministros e os passos seguintes desse julgamento histórico e fundamental para os povos indígenas.
As diversas falas dos caciques, vice caciques e das lideranças Apinajé foram para reafirmar que eles não vão deixar que o marco temporal seja aprovado e, por isso, se mobilizaram no dia 7 de junho fechando a rodovia TO-210 em apoio aos indígenas que estavam mobilizados em Brasília na mesma data.
“Os ministros têm que votar logo, e tem que votar em favor de nosso direito originário. Nós somos os primeiros habitantes do Brasil. E nós não vamos deixar de lutar pelo que é nosso. Não vamos parar de lutar e, enquanto existir um fio de nosso cabelo, vamos brigar pelo nosso direito”, afirmou uma das lideranças presentes no encontro.
“Não vamos parar de lutar e, enquanto existir um fio de nosso cabelo, vamos brigar pelo nosso direito”
A partir do encontro, os indígenas construíram e enviaram uma mensagem para os ministros: “nós queremos que mantenham o nosso direito originário como diz a Constituição Federal de 1988. Nós não vamos trocar nunca nossa terra, não vamos aceitar que seja nossa terra trocada ou vendida. Pois a terra é nossa Mãe, e nossa Mãe é uma só e não vamos vendê-la jamais”, diz um trecho da mensagem.
“Nós não vamos trocar nunca nossa terra, não vamos aceitar que seja nossa terra trocada ou vendida”
Os anciões Apinajé incentivaram os jovens a seguir os passos de seus avós e avôs, que lutaram pela demarcação do território, e que, assim como outros povos, vieram a ajudá-los na luta. Agora todos devem se unir em uma só luta contra o marco temporal.
A palavra das mulheres Apinajé foi também muito forte e contundente: “o marco temporal é uma coisa ruim, que quer acabar com nosso direito originário, mas nós não vamos ficar paradas. É Tirtũm [Deus] que nos deu a terra, e por isso vamos lutar”.
Em seguida, reafirmaram com força e convicção: “os caciques têm voz, os anciões têm voz, os alunos têm voz, os jovens têm voz, os professores têm voz, as mulheres têm voz. E nossa voz é uma voz só: vamos defender nossa terra, que é nossa Mãe. Pois, sem a nossa terra, não temos nada, nem batata doce, mandioca, inhame, fava. Nossa cultura acaba e nós também acabamos. Por isso, vamos defender nosso direito”.
“Vamos defender nossa terra, que é nossa Mãe”
Os Apinajé também ficaram muito preocupados com o PL 490/2007, aprovado na Câmara, e que agora tramita no Senado sob numeração PL 2903/2023. O projeto também ameaça as terras indígenas, e os povos sabem que os seus territórios são muito cobiçados.
Os jovens também levantaram sua voz para dizer que vão lutar, pois seu território é rico em água, floresta, frutas, remédios, entre outros elementos essenciais. Disseram que lutarão pelas futuras gerações, pelos seus filhos e netos. A intenção é garantir o território livre de ameaças para seus filhos brincarem felizes e em paz.
Animados e fortalecidos pelos cantos e danças realizados durante o encontro e nas noites à luz da lua, reafirmaram que continuarão firmes e decididos. Não vão renunciar ao seu direito e estão prontos para ir a Brasília para somar na defesa do direito originário com os outros povos indígenas de todo o país. A força ancestral que brota da terra e de suas espiritualidades anima e fortalece a luta contra o marco temporal.
Veja aqui o documento final do encontro.