02/06/2023

Carmen Camlem Criri: “O marco temporal significa a morte dos povos indígenas”

Lideranças e representantes indígenas de todo o país se manifestam contra a tese do marco temporal; a retomada do julgamento está prevista para o dia 7 de junho

Por assessoria de Comunicação do Cimi

“No passado, o povo Xokleng morava na beira do rio” lembra Carmen Camlem Criri, cacica da aldeia Kóplág da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ. O rio, ao qual se refere a cacica, é o Itajaí, que banhava as terras férteis que existiam na TI Ibirama-Laklãnõ antes da construção da barragem Norte. A obra realizada durante a ditadura militar, no final da década de 1970, afetou sensivelmente a vida do povo Xockleng e, de modo particular, a das mulheres.

“A barragem Norte fez uma devastação dentro da TI. Algumas aldeias foram condenadas pela Defesa Civil e não temos [outro] território para onde a gente possa ir, para onde as comunidades dessas aldeias possam morar”, explica Carmem. A alteração do curso e do volume das águas do Itajaí produziu cheias no inverno e estiagens severas fora da estação, o que provocou, por sua vez, a morte de peixes e demais vidas do rio.

As áreas planas, próprias para agricultura e para moradia, foram drasticamente reduzidas, o que forçou o deslocamento e a dispersão do povo Xokleng. Hoje, sua população se encontra espalhada em nove aldeias que formam a TI, mas também em áreas urbanas de cidades como Presidente Getúlio e Blumenau, no estado de Santa Catarina.

Em decorrência dos deslocamentos forçados provocados pela barragem, “as mulheres tiveram que mudar a sua vida”, conta Carmem. “No passado, as mulheres não precisavam trabalhar fora, ficavam em casa cuidando dos seus filhos”. Contudo, sem áreas férteis para plantar, muitas mulheres passaram a ver no trabalho nas cidades a única opção de sobrevivência, ao mesmo tempo que passaram a assumir um lugar de protagonismo e liderança na luta pela defesa de seu território.

“Não existia mulher liderança. Hoje, a mulher Xokleng é muito conhecida por sua luta”, explica Carmem, uma das primeiras mulheres de seu povo a assumir a posição de cacica na TI Ibirama-Laklãnõ. Para Carmem, as mulheres tem um trabalho importante dentro do território junto com a comunidade, principalmente com os jovens.

“Hoje a gente tem o grupo das mulheres Xokleng que está sempre trabalhando para manter a comunidade mais tranquila, para não ficar no desespero com essas ameaças”, explica a cacica. A frequência das ameaças feitas por fazendeiros e madeireiros da região contra o povo Xokleng tem se intensificado com a proximidade do julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), marcado para o dia 7 de junho. A discussão se origina do caso de Recurso Extraordinário com repercussão geral do qual os Xokleng são um dos protagonistas.

Há mais de 10 anos eles aguardam a conclusão do julgamento que pode decidir o rumo das gerações futuras de seu povo e dar um desfecho que honre a luta de seus antepassados. Para Carmem, a depoente dessa semana para a campanha “Terra é Vida”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a tese do marco temporal significa a morte de seu povo, “porque a gente vem perdendo muito da nossa cultura”, explica.

Esse é um prejuízo que as mulheres Xokleng vem tentando reparar não só no acolhimento de seu povo, mas também em um trabalho ativo e político de mobilização contra a inconstitucionalidade da tese do marco temporal. Isso, tanto nas escolas com os estudantes indígenas, quanto em Brasília, nas audiências com os ministros do STF.

“A gente está trabalhando bastante com o marco temporal com os alunos e fazendo com que a nossa cultura não se perca, trazendo a nossa cultura de novo. As mulheres também fazem esse trabalho em Brasília, participando de audiências com o STF, mostrando o trabalho para comunidade, para que as mulheres da base se sintam mais fortes”, afirma Carmem.

O trabalho de mobilização e organização que realizam as mulheres Xokleng dentro e fora da comunidade se orienta na importância que o território assume em suas vidas. É o que dá base material e simbólica para se constituírem enquanto povo. Não à toa as mulheres indígenas se destacam enquanto lideranças: são seus corpos e suas vidas, entremeados ao território, que estão em jogo.

Foto: Maiara Dourado/Cimi

“Hoje a gente tem o grupo das mulheres Xokleng que está sempre trabalhando para manter a comunidade mais tranquila, para não ficar no desespero com essas ameaças”


Carmen Camlem Criri, do povo Xokleng
Cacica da aldeia Kóplág, da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ

O marco temporal para gente significa a morte não só do povo Xokleng, mas de todos os povos indígenas. A gente perdeu muito da nossa cultura dentro da nossa TI por causa do marco temporal e a gente espera que esse julgamento seja favorável aos povos indígenas.

Hoje, a gente tem Ação Cível Originária (ACO) 1100 que vai estar em pauta no julgamento de repercussão geral do STF. O povo Xokleng é protagonista do [julgamento do] marco temporal e, por causa disso, a gente vem sofrendo ameaças, inclusive pelas redes sociais.

Há mais de 10 anos, estamos esperando esse julgamento. E, esse tempo todo que a gente está esperando, a gente vem trabalhando com a comunidade, que está ansiosa com o julgamento do dia 7 de junho. As mulheres dentro da TI estão se organizando e fazendo um trabalho muito bonito junto com as lideranças que são homens.

Mas é preciso dizer que muito do que se perdeu com o marco temporal não se supera: os prejuízos na cultura, a perda dos anciões que hoje não estão mais presentes. Mas a gente trabalha para que a comunidade, que está sofrendo com isso tudo, fique bem de alguma forma.

O povo Xokleng é um povo guerreiro, que resiste, que está na luta, e vamos continuar com o nosso trabalho. Vamos continuar lutando como a gente sempre fez, como nossos antepassados sempre fizeram. Afinal, foram eles que nos permitiram, hoje, estar aqui.

Share this:
Tags: