12/12/2020

STF inclui na pauta ação sobre TI Ibirama Laklaño que influencia Recurso Extraordinário com repercussão às demais terras do país

Julgamento começa na próxima sexta (18) e ocorrerá em plenário virtual. Prazo para manifestação dos ministros e ministras se estende até 5 de fevereiro

Lideranças do povo Xokleng, durante audiência no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Lideranças do povo Xokleng, durante audiência no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Assessoria de Comunicação – Cimi

Entrou na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), a uma semana do início do recesso judicial, a Ação Cível Originária (ACO) 1100. A matéria, que será votada pelos ministros em plenário virtual, a partir da próxima sexta-feira (18), trata de um pedido de anulação da demarcação da Terra Indígena (TI) Ibirama Laklaño, do povo Xokleng, no Alto Vale do Itajaí (SC).

A ação judicial foi impetrada por ocupantes não indígenas do território tradicional e uma empresa que explora madeira em áreas da Terra Indígena, a Batistela Agroflorestal. Como assistentes na ação estão o Governo do Estado e o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina. A União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) são rés.

O povo Xokleng conseguiu ingresso na ação como litisconsorte necessário, em 2013, que é quando partes originárias do processo não constam da petição inicial, mas é determinada a citação. Esta, inclusive, foi a primeira vitória do povo neste processo: os Xokleng puderam instruir a própria defesa nomeando para tal a assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A segunda se espera que seja a manutenção da demarcação da TI Ibirama Laklaño.

No plenário virtual, o ministro relator Edson Fachin colocará à disposição seu posicionamento aos demais dez ministros nas primeiras horas do dia 18 e, na sequência, os demais ministros irão referendar ou não o voto do relator. Caso haja pedido de vista ou destaque, a matéria é retirada do plenário virtual.

Como a votação se inicia no último dia antes do recesso, o prazo para que os ministros dêem seus votos se encerra no dia 5 de fevereiro, ou seja, logo após a volta do STF aos trabalhos. A ACO é uma ação distinta do Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, apesar dos processos terem muitas similaridades – como a tese do marco temporal (leia mais abaixo).

Os autores da ACO, o caso em tela e na pauta do STF, tem como principal argumento o marco temporal, que defende como Terra Indígena apenas aquelas ocupadas ou disputadas pelos povos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988. Além da tese, os autores da ACO usam uma condicionante da TI Raposa Serra do Sol para questionar a demarcação da TI Ibirama Laklaño.

Bugreiros posam para foto com suas vítimas Xokleng. Foto: acervo Sílvio Coelho dos Santos

Bugreiros posam para foto com suas vítimas Xokleng. Foto: acervo Sílvio Coelho dos Santos

Reduções e deslocamentos forçados

As consequências dos deslocamentos forçados do povo Xokleng no chão de seu território invadido, a TI Ibirama-Laklãnõ, está hoje no centro de um debate que pode definir o destino dos povos indígenas e suas terras por todo o país, com o julgamento pelo STF da ACO 1100, a partir de sexta (18), e do Recurso Extraordinário com repercussão geral, ainda sem retorno à pauta, mas que pode ser influenciado pela decisão da ACO 1100.

Em ambos processos, de um lado está a tese restritiva do marco temporal; de outro, uma tradição legislativa que desde o Período Colonial reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário – anterior à chegada dos europeus ao Brasil e ao próprio Estado brasileiro.

O extenso território foi reduzido a menos de 15 mil hectares, demarcados SPI, que após isso conduziu, inúmeras vezes, a diminuição deste espaço já dilapidado

Essa compreensão antropológica, autóctone, defendida pelos povos indígenas, é de forma exemplar verificada no caso Xokleng. E a história desse povo, a partir da chegada dos colonizadores na região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, é marcada por eventos traumáticos que os levaram a deslocamentos forçados, mas sem jamais sair do território onde viviam desde a chegada dos colonizadores.

Seu extenso território foi reduzido a menos de 15 mil hectares, reservados em 1914 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que inúmeras vezes conduziu a diminuição deste pequeno espaço já dilapidado, que o próprio SPI demarcou. O povo, por sua vez, nunca desistiu de reivindicar as partes subtraídas de forma arbitrária.

Nos anos 1990, os Xokleng conseguiram que a Funai realizasse os estudos para reaver sua terra tradicional – que se estenderam até os anos 2000. Essa nova demarcação, correção de uma injustiça histórica, é que está no centro da disputa no STF tanto na ACO quanto no Recurso Extraordinário.

Vista da Barragem Norte e o local onde estava instalada a antiga aldeia Xokleng, vítima do despejo dentro da própria Terra Indígena. Foto: Renato Santana/Cimi

Vista da Barragem Norte e o local onde estava instalada a antiga aldeia Xokleng, vítima do despejo dentro da própria Terra Indígena. Foto: Renato Santana/Cimi

Barragem Norte: nova redução

Até os primeiros anos do século XX, os Xokleng foram alvos de caçadas e de massacres perpetrados pelos chamados bugreiros, que os obrigaram a fazer contato com agentes do SPI e aos primeiros deslocamentos internos forçados do povo Xokleng no seu próprio território, em 1914.

Sessenta anos depois do contato, de sucessivas reduções territoriais e de incontáveis mortes, o povo Xokleng mais uma vez se viu forçado a um deslocamento indesejado, com a construção da Barragem Norte, no final da década de 1980. Foram forçados a mudar não apenas os Xokleng, mas também os Kaingang e Guarani que junto a este povo se refugiaram.

“Se não estávamos numa determinada área do território em 1988, não significa que era terra de ninguém ou que não estávamos lá porque não queríamos. O marco temporal reforça uma violência histórica, que até hoje deixa marcas”, diz Brasílio Priprá Xokleng

Indígenas do povo Xokleng foram presos após se defenderem de agressores que não os queriam andando na parte da Terra Indígena, ainda ocupada por não indígenas. Mesmo assim, os Xokleng entendem que o Estado precisa arcar com seus erros e, conforme a lei, reassentar e indenizar os colonos que possuem um ou os dois direitos.

“O que nós buscamos é a nossa terra tradicional. Não somos contra os colonos e nem as empresas, entendemos que são pessoas trabalhadoras. Mas não vamos abrir mão de um centímetro de nossa terra”, afirma Priprá.

Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng, com decreto do governo estadual de Santa Catarina que reduziu a Terra Indígena reservada aos Xokleng. Foto: Renato Santana/Cimi

Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng, com decreto do governo estadual de Santa Catarina que reduziu a Terra Indígena reservada aos Xokleng. Foto: Renato Santana/Cimi

ACO 1100 e Recurso Extraordinário

A ACO 1100 e o Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365 são duas ações distintas, com tramitação no STF, mas que possuem um ponto em comum tornando os processos íntimos: questionam a ocupação tradicional dos povos que vivem na TI Ibirama Laklaño. É possível deduzir, portanto, que o resultado da ACO 1100 repercutirá no julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral.

Ambas foram impetradas em 2007, contam com o governo estadual como parte contrária à demarcação da TI Ibirama Laklaño e articulam o mesmo argumento: a tese restritiva do marco temporal, que defende como Terra Indígena apenas aquelas ocupadas pelos povos indígenas que as ocupavam na data da promulgação da Constituição de 1988.

A ACO teve início como ação ordinária e pedia a anulação do processo de demarcação da Terra Indígena. A Justiça Estadual entendeu que havia conflito federativo e a enviou ao STF. O entendimento foi mantido pela Corte Suprema e em 2008 a ACO passou a tramitar, inicialmente, sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

Já o Recurso Extraordinário, que chegou ao STF 12 anos após a ACO, se trata também de um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente e Governo de Santa Catarina. Alegam na ação que os indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani ocupam uma área de preservação ambiental sobreposta à TI.

A principal diferença entre a ACO 1100 e o Recurso Extraordinário é que no caso da ACO, que pede a anulação da demarcação, seus efeitos não são vinculantes

As ações tiveram argumentos refeitos após os julgamentos da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em 2009 e 2012. A tese do marco temporal foi a principal mudança. Inicialmente, em 2007 e 2008, os impetrantes alegaram apenas que os indígenas não podiam ocupar as terras que ocupavam porque a demarcação ainda não estava concluída e, de tal modo, deveriam se retirar delas.

Com o estabelecimento da condicionante 17, pelo STF, à guisa de manter a homologação de Raposa Serra do Sol, e que impôs apenas a esta Terra Indígena a determinação de que não poderia haver ampliação de limites, os autores da ACO passaram a trabalhar ainda com a ideia de que essa condicionante vale para o caso da TI Ibirama Laklaño – mesmo que no julgamento das condicionantes de Raposa, em 2012, os ministros tenham decidido que nenhuma delas possui efeito vinculante.

A principal diferença entre a ACO e o Recurso Extraordinário é que no caso da ACO, que pede a anulação da demarcação, seus efeitos não são vinculantes, ou seja, assim como o caso Raposa Serra do Sol a decisão fica restrita aos envolvidos na ação. O  Recurso Extraordinário é possessório, trata de uma reintegração de posse, porém, foi reconhecido como caso de repercussão geral e servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas.

Conheça a história do povo Xokleng, no centro do debate sobre direitos indígenas no STF

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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