28/04/2023

Julgamento no STF será “decisivo” para que terras indígenas “sejam reconhecidas como legítimas e legais”, afirma CNBB

Em “mensagem ao povo brasileiro” divulgada no fim de sua 60ª Assembleia Geral, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil apontou a importância de se efetivar os direitos dos povos originários

Nova presidência da CNBB foi empossada ao final da 60ª Assembleia Geral. Foto: Victória Holzbach/CNBB Sul 3

Nova presidência da CNBB foi empossada ao final da 60ª Assembleia Geral. Foto: Victória Holzbach/CNBB Sul 3

Por Assessoria de Comunicação do Cimi, com informações da CNBB

Nesta sexta-feira (28), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou sua “Mensagem da CNBB ao povo brasileiro”. O documento foi elaborado e aprovado pela quase totalidade dos 326 bispos ativos e parte dos 157 bispos eméritos brasileiros presentes na 60ª Assembleia Geral da CNBB, realizada em Aparecida (SP).

“Esses dias na casa da Mãe Aparecida foram uma oportunidade para experimentarmos a comunhão a partir da riqueza de nossas diversidades”, afirma a mensagem. “Quem nos une é Cristo e, por ele, esperançosos e comprometidos, renovamos nossa opção radical e incondicional com a defesa integral da vida que se manifesta em cada ser humano e em toda a criação”.

A CNBB avalia que “a renovação desse compromisso com a vida dá-se num tempo marcado por grandes desafios” e aponta que as comunidades cristãs estão respondendo, “com solidariedade fraterna, às consequências das tragédias socioambientais; com compromisso cidadão na defesa da democracia e, com responsabilidade social, ao drama da fome que nos assola”.

Entre os diversos “flagelos” citados como preocupantes, a mensagem destaca “as agressões desmedidas à ‘casa comum’, aos povos originários e comunidades tradicionais, a mineração predatória, entre tantas outras, que fragilizam o tecido social e tencionam as relações humanas”.

“Certa cultura da insensibilidade nos conduz a essas situações extremas”, afirma a mensagem da CNBB. “A degradação da criação e o descaso com os mais pobres e abandonados estão presentes, por exemplo, na criminosa tragédia ocorrida com o povo Yanomami. O mesmo ocorre com muitos dos povos das florestas, das águas e do campo, submetidos a graves e duras realidades que os expõem à globalização da indiferença”.

Enquanto cerca de seis mil indígenas encerravam o 19º Acampamento Terra Livre (ATL) na capital federal, também finalizado nesta sexta-feira (28), a carta dos bispos destaca a importância histórica dos povos originários e de sua resistência, assim como a necessidade de que os postos que agora conquistaram em espaços governamentais de decisão repercutam em ações efetivas.

“Reconhecemos a importância da resistência histórica do movimento indígena, cujo fruto se traduz na chegada de suas lideranças a diversos postos de decisão no governo federal e em alguns governos estaduais. Contudo, essa presença não pode ser apenas figurativa. Há uma imensa necessidade de se adotarem providências e ações concretas em defesa desses povos. Não podemos mais aceitar em nossa história o descaso com os povos originários”, afirma o documento.

“Acreditamos que o julgamento da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal, no próximo mês de junho, seja decisivo para que suas terras sejam reconhecidas como legítimas e legais. Temos esperança que essa definição venha a ser um passo importante para a garantia dos direitos constitucionais”

Mais de cinco mil indígenas participaram da marcha do Acampamento Terra Livre 2023, no dia 26 de abril, em Brasília (DF), em manifestação em defesa dos direitos indígenas e contra a tese do marco temporal. Foto: Maiara Dourado/Cimi

Mais de cinco mil indígenas participaram da marcha do Acampamento Terra Livre 2023, no dia 26 de abril, em Brasília (DF), em manifestação em defesa dos direitos indígenas e contra a tese do marco temporal. Foto: Maiara Dourado/Cimi

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que deverá trazer uma definição sobre a tese ruralista do marco temporal e, consequentemente, sobre a demarcação das terras indígenas no Brasil, também foi apontado pela CNBB como “decisivo”.

“Acreditamos que o julgamento da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal, no próximo mês de junho, seja decisivo para que suas terras sejam reconhecidas como legítimas e legais. Temos esperança que essa definição venha a ser um passo importante para a garantia dos direitos constitucionais”, afirma o documento.

A CNBB é uma das organizações que atuam como amici curiae – “amigas da Corte” – e se manifestaram contra a tese do marco temporal e em favor dos direitos constitucionais dos povos indígenas no processo que corre na Suprema Corte. A presidente do STF, Rosa Weber, anunciou que o julgamento deverá ser retomado no dia 7 de junho.

Na avaliação dos bispos, os diversos problemas e conflitos sociais vivenciados no Brasil e no mundo “têm origem na opção por um modelo econômico cruel, injusto e desigual”.

“Por trás da palavra ‘mercado’”, aponta a mensagem, “existe um sistema financeiro e econômico autônomo, que protagoniza ações inescrupulosas, destrói a vida, precariza as políticas públicas, em especial a educação e a saúde, adota juros abusivos que ampliam o abismo social, afeta a cadeia produtiva e reduz o consumo dos bens necessários à maioria do povo brasileiro”.

Antonio Eduardo de Oliveira, secretário executivo do Cimi (direita), e dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho (RO), participaram da 60ª Assembleia Geral da CNBB. Foto: arquivo pessoal

Antonio Eduardo de Oliveira, secretário executivo do Cimi (direita), e dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho (RO), participaram da 60ª Assembleia Geral da CNBB. Foto: arquivo pessoal

Nova presidência

Também nesta sexta-feira, durante a celebração de encerramento da 60ª Assembleia Geral da conferência. A nova presidência da CNBB tomou posse, assim como os presidentes das 12 Comissões Episcopais permanentes.

O início da celebração foi presidido pelo arcebispo de Belo Horizonte (MG), dom Walmor Oliveira de Azevedo, que encerrou seu mandato de presidente da CNBB. Ao arcebispo de Porto Alegre e novo presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, dom Walmor ofereceu uma palavra de proximidade e entregou de forma simbólica o estatuto e o regimento da conferência.

“Dom Jaime, agora é sua vez de conduzir a barca nessa travessia sempre muito exigente que nós fazemos por amor, como Igreja, à tarefa de anunciar o Evangelho de Jesus. Conte com nosso apoio, nossa presença, nossa oração e nossa comunhão”, afirmou o agora ex-presidente.

Agora, a presidência da CNBB passa a ser composta por Dom João Justino de Medeiros Silva, arcebispo de Goiânia (GO) e primeiro vice-presidente da CNBB; Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, bispo de Garanhuns (PE), segundo vice-presidente da CNBB; Dom Ricardo Hoepers, bispo de Rio Grande (RS) e secretário-geral da CNBB; e pelo bispo dom Jaime Spengler, novo presidente.

“Cuidemos uns dos outros e nos deixemos cuidar uns dos outros para levar a bom termo aquilo que a Igreja, o nosso povo pedem e esperam de nós”, declarou dom Jaime durante a cerimônia de posse.

Leia abaixo a íntegra da mensagem da CNBB, ou clique aqui para baixá-la em pdf:

 

Mensagem 0126/23

Aparecida – SP, 28 de abril de 2023

MENSAGEM DA CNBB AO POVO BRASILEIRO

“Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só, em sua carne derrubando o muro da inimizade que os separava” (Ef. 2,14)

Animados pelo amor do Pai, pela luz do Senhor ressuscitado e com a força do Espírito Santo, nós, bispos católicos, nos reunimos em Aparecida para a 60ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB. Fizemos isso como pastores em comunhão com os presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas, consagrados e consagradas, cristãos leigos e leigas. Sentimo-nos acompanhados pela oração de nosso povo, representado visivelmente pela multidão de peregrinos de todo o Brasil, que rezaram conosco nas celebrações eucarísticas. Maria, Mãe de Jesus, a Senhora Aparecida, esteve perto de nós, acolhendo-nos, cuidando de nossos trabalhos e intercedendo por nós.

Esses dias na casa da Mãe Aparecida foram uma oportunidade para experimentarmos a comunhão a partir da riqueza de nossas diversidades. Quem nos une é Cristo e, por ele, esperançosos e comprometidos, renovamos nossa opção radical e incondicional com a defesa integral da vida que se manifesta em cada ser humano e em toda a criação.

A renovação desse compromisso com a vida dá-se num tempo marcado por grandes desafios que, longe de nos desanimarem, estimulam a Igreja na promoção do Reino de Deus. Nossas comunidades estão respondendo, com solidariedade fraterna, às consequências das tragédias socioambientais; com compromisso cidadão na defesa da democracia e, com responsabilidade social, ao drama da fome que nos assola. Com alegria, reconhecemos que esse é o autêntico e eficaz testemunho de que o mundo necessita, à luz da Palavra de Deus, pois não temos ouro nem prata, mas trazemos o que de mais precioso nos foi dado: Jesus Cristo ressuscitado (cf. At. 3,6).

Essa alegria é consequente e, por isso, nos faz enxergar também os sofrimentos presentes na sociedade. Nossa atenção se volta especialmente para o que estamos vivendo: “uma terceira guerra mundial em pedaços” (Papa Francisco, em 13 de setembro de 2014, ao lembrar o início da Primeira Guerra Mundial), evidenciada no solo ucraniano, mas também em outras regiões do planeta. Além do flagelo das guerras, muitas outras situações nos preocupam, como os autoritarismos, as polarizações, as desinformações, as desigualdades estruturais, o racismo, os preconceitos, a corrupção, a banalização do mal e das vidas, as doenças, a drogadição, o tráfico de drogas e pessoas, o analfabetismo, as migrações forçadas, as juventudes com poucas oportunidades, as violências em todas as suas dimensões, o feminicídio, a precarização do trabalho e da renda, as agressões desmedidas à “casa comum”, aos povos originários e comunidades tradicionais, a mineração predatória, entre tantas outras, que fragilizam o tecido social e tencionam as relações humanas.

Certa cultura da insensibilidade nos conduz a essas situações extremas. A degradação da criação e o descaso com os mais pobres e abandonados estão presentes, por exemplo, na criminosa tragédia ocorrida com o povo Yanomami. O mesmo ocorre com muitos dos povos das florestas, das águas e do campo, submetidos a graves e duras realidades que os expõem à globalização da indiferença.

Reconhecemos a importância da resistência histórica do movimento indígena, cujo fruto se traduz na chegada de suas lideranças a diversos postos de decisão no governo federal e em alguns governos estaduais. Contudo, essa presença não pode ser apenas figurativa. Há uma imensa necessidade de se adotarem providências e ações concretas em defesa desses povos. Não podemos mais aceitar em nossa história o descaso com os povos originários. Acreditamos que o julgamento da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal, no próximo mês de junho, seja decisivo para que suas terras sejam reconhecidas como legítimas e legais. Temos esperança que essa definição venha a ser um passo importante para a garantia dos direitos constitucionais.

Esses problemas têm origem na opção por um modelo econômico cruel, injusto e desigual. Por trás da palavra “mercado” existe um sistema financeiro e econômico autônomo, que protagoniza ações inescrupulosas, destrói a vida, precariza as políticas públicas, em especial a educação e a saúde, adota juros abusivos que ampliam o abismo social, afeta a cadeia produtiva e reduz o consumo dos bens necessários à maioria do povo brasileiro.

Às vésperas do dia 1º de maio, saudamos os trabalhadores e as trabalhadoras de nosso País, com as palavras do Papa Francisco: “O mundo do trabalho é prioridade humana, é prioridade cristã, a partir de Jesus trabalhador. Onde há um trabalhador, ali há o olhar do amor do Senhor e da Igreja. Lugares de trabalho são lugares do povo de Deus” (Encontro com Trabalhadores em Gênova, Itália, 2017). Diante das mudanças do mundo do trabalho, percebemos que promessas de crescimento econômico, geração de empregos, melhores condições de trabalho, aumento de renda, redução da carga horária, mais tempo de descanso e convivência social, enfim, condições mais saudáveis de vida, continuam sendo desafios sem soluções. A crescente informalidade das relações trabalhistas reduz a segurança social e impede o acesso ao mínimo para a sobrevivência. O trabalho análogo à escravidão, presente em todo o território nacional, é uma chaga social que precisa ser energicamente combatida pelos poderes constituídos e por toda a sociedade.

As constatações desses tempos difíceis não podem nos limitar, nem servir para que as soluções sejam adiadas. As estruturas do Estado, os poderes da República, as autoridades públicas, as lideranças sociais, as organizações religiosas, os meios de comunicação, as plataformas e as redes sociais, cada um e cada uma, com sua competência, devem apoiar-se reciprocamente para o bem do País. Precisamos criar um “espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e gerar novos processos e transformações. Sejamos parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas” (Fratelli Tutti, 77). Assumindo nosso dever social, não podemos deixar de cobrar dos governos, legitimamente eleitos, o protagonismo que lhes foi confiado, uma opção clara e radical pela vida, desde a concepção até à morte natural, passando inevitavelmente pelos direitos sociais e humanos. Chamamos a atenção para a importância da vacinação, especialmente para das crianças. No cuidado com a vida, nenhuma seletividade pode ser tolerada e será sempre, por nós, denunciada.

Conclamamos toda a sociedade brasileira a construir um amplo projeto de reconciliação e pacificação, a partir de um diálogo franco e aberto, que possibilite superar o que nos afasta, com o objetivo de assegurar o que nos une: o país, o seu povo e a criação. O ponto de partida dessa construção se dá nas famílias, comunidades, relações sociais, profissionais, eclesiais e políticas, através da amizade social que promove a cultura do encontro. Como comunidade de fé, cremos que sua concretização passa necessariamente pelas nossas orações. Rezemos, pois, como nos pede o Papa Francisco, pelo fim das guerras, dos conflitos e das violências. Somos “caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz” (Fratelli Tutti, 8).

Reafirmamos nossa profunda confiança no povo brasileiro. Não tenhamos medo. A esperança é a nossa coragem! Sejamos semeadores de mudança, de solidariedade e de vida. Pelo amor do Cristo vivo e ressuscitado, por intercessão de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, invocamos a bênção de Deus sobre o povo brasileiro, suas famílias e comunidades.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte – MG
Presidente da CNBB

Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre – RS
1º Vice-Presidente

Dom Mário Antônio da Silva
Arcebispo de Cuiabá – MT
2º Vice-Presidente

Dom Joel Portella Amado
Bispo auxiliar do Rio de Janeiro – RJ
Secretário-Geral

 

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