19/04/2023

Comunidade Kurupi volta a ser alvo de ataques de funcionário da fazenda Tejuy

Funcionário da propriedade rural sobreposta ao tekoha do povo Guarani Kaiowá derruba barracão de reuniões e é impedido por indígenas de realizar novo ataque

Polícia Militar, que vem atuando de forma ilegal contra comunidade Kurupi, faz cerco e coage indígenas. Foto: comunidade Kurupi

Por Maiara Dourado, da Assessoria da Comunicação do Cimi

No último sábado (15), funcionários da fazenda Tejuy atentaram, mais uma vez, contra a comunidade Guarani Kaiowá do tekoha Kurupi. O ataque se deu na madrugada daquela noite e resultou na demolição de um dos barracões do tekoha – “o lugar onde se é” para o povo Guarani e Kaiowá – localizado no município de Naviraí, no Mato Grosso do Sul. 

O espaço, utilizado para reuniões dos indígenas, foi demolido pelo trator de um funcionário da fazenda, que fica sobreposta à terra tradicional Guarani e Kaiowá e encontra-se arrendada para plantio de cana de açúcar. Os destroços do barraco foram enterrados pelo tratorista, com a intenção de ocultar provas da atividade criminosa.

“O espaço, utilizado para reuniões dos indígenas, foi demolido pelo trator de um funcionário da fazenda”

O tratorista, supostamente, era encarregado de gradear a terra – técnica agrícola que se vale de grandes máquinas para preparar o solo – para o plantio de cana. Na mesma noite do ataque, ele teria ido embora, mas retornado com a intenção de derrubar outra habitação da comunidade. A demolição só não ocorreu porque foi impedida pelos indígenas, que detiveram a ação do funcionário da fazenda. 

“Eles derrubaram o barraco, enterraram ele naquela noite e foram embora no sentido da fazenda, mas aí eles voltaram, vieram [de forma] ameaçadora para atacar a comunidade. Foi nesse período que a comunidade avançou”, explicou Kunumi Vera’ju, morador do tekoha Kurupi. 

“Eles derrubaram o barraco, enterraram ele naquela noite e foram embora no sentido da fazenda, mas aí eles voltaram”

Local onde foram enterrados os destroços dos barracos derrubados. Foto: Kunumi Vera’ju

Se os indígenas não agissem, explica Kunumi, os funcionários da fazenda “iriam derrubar tudo”. Na circunstância, “a comunidade resolveu entrar em ação e nós detivemos esse pistoleiro para poder entregar para a polícia”.

No amanhecer do dia, a Polícia Militar (PM) formou um cerco a fim de entrar sem ordem judicial na comunidade. Esse tipo de conduta tem se tornado cada vez mais recorrente por parte da PM da região. “A Polícia Militar queria entrar à força, não queria respeitar o território Kurupi. Nós respeitamos a cidade deles, eles têm que respeitar a nossa terra também. Eles vão ter que aprender a respeitar nosso povo Guarani Kaiowá”, exige Kunumi Vera’ju.

“A Polícia Militar queria entrar à força, não queria respeitar o território Kurupi”

A forma ilegal como a PM vem atuando contra o povo Guarani e Kaiowá tem gerado um clima de medo e insegurança entre os indígenas, que em razão disso, têm resistido. Para a retirada do tratorista invasor do território Guarani e Kaiowá, a comunidade exigiu a presença da Polícia Federal (PF), que no mesmo dia compareceu no local do ataque, conduzindo-o para fora do território.

Ataques sistemáticos

Esse tipo de ataque em que casas são derrubadas e enterradas já é prática conhecida pela comunidade de Kurupi. Em reportagens passadas, foram relatados outros casos de funcionários da fazenda Tejuy que avançaram com tratores contra a comunidade. A constância desses ataques apenas denota a violência sistemática investida contra o povo Guarani e Kaiowá. 

Desde a retomada da parte de sua terra à qual a fazenda Tejuy está sobreposta, em junho do ano passado, esses ataques têm se intensificado. Mas como relatado por Kunumi Vera’ju, “o território Kurupi está sofrendo ameaça não é de agora”.

“o território Kurupi está sofrendo ameaça não é de agora”

Comunidade Kurupi tem se mostrado resistente aos contínuos ataques de funcionários da fazenda e policiais militares. Foto: Anderson Santos

Há pelo menos uma década a comunidade Kurupi vive de acampamento em acampamento na beira da BR-163. “Desde então eles nunca pararam de sofrer violência”, explica Matias Benno, coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul.

“A comunidade teve um acampamento queimado por pelo menos três vezes, sofreram tortura, ataque, ameaças, pressões e disparos. Recentemente, o que era feito pelos fazendeiros passou a ser feito pelas forças de segurança de maneira completamente ilegal, algo que está acontecendo também de modo geral” com comunidades indígenas de todo o estado do Mato Grosso do Sul, explica o coordenador do Cimi. 

“A comunidade teve um acampamento queimado por pelo menos três vezes, sofreram tortura, ataque, ameaças, pressões e disparos”

O tekoha Kurupi, localizado dentro da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambai Pegua II, encontra-se, há anos, com seu processo de demarcação travado, o que coloca os indígenas em um contexto cada vez maior de violência e violações de direitos. “Eles estão há 10 anos esperando o processo de demarcação”, afirma Benno. Enquanto isso, a comunidade vive, por determinação de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), desde 2014, restrita a um pequena área de mata.

Sem acesso a água potável, “a comunidade precisou expandir a retomada para plantar e acessar o rio. Mas é uma retomada absolutamente pequena”, explica o missionário do Cimi.

“Eles estão há 10 anos esperando o processo de demarcação”

A proteção do rio e da área de mata ocupada pelos indígenas tem sido um dos motivos para a comunidade resistir ao avanço dos tratores dos fazendeiros. “Enquanto os maquinários estão lá desmatando para o plantio, inclusive enterrando as árvores, eles [os indígenas] estão ali defendendo esse espaço de natureza”, destaca Matias.

 

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