Em nota pública, CNDH repudia campanha de desinformação contra os povos indígenas de Porto Murtinho (RO)
Ruralistas de Rondônia divulgaram vídeo amedrontando agricultores locais por meio do argumento de que perderão suas terras para os indígenas caso Lula vença as eleições
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) repudiou, por meio de nota pública divulgada na última terça-feira (25), a campanha de desinformação contra os povos indígenas Migueleno, Puruborá e Kujubim, do Distrito de Porto Murtinho, em Rondônia.
Na semana passada, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou – em matéria, na Sexta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) e no MFP de Rondônia – que fazendeiros e empresários de Rondônia tentam, injustamente, conquistar votos para a reeleição de Jair Bolsonaro. Como parte da campanha, os ruralistas estão amedrontando os agricultores locais por meio do argumento de que perderão suas terras para os indígenas em caso de uma eventual vitória de Lula.
A ação foi feita por meio de um vídeo que passou a circular no WhatsApp dos moradores de Porto Murtinho (RO) e região. No vídeo, é possível conferir um mapa com uma grande área marcada na cor verde. E, acima, escrito: “você sabia que a maioria de vocês estão [sic] dentro dessa área que é de interesse da Funai que a esquerda promete virar reserva indígena?”. Além disso, os ruralistas promoveram um encontro na noite do dia 8 de outubro, no Parque de Exposição de São Francisco de Guaporé (RO), com o mesmo objetivo.
“No vídeo, é atribuído à Fundação Nacional do Índio – Funai e à ‘esquerda’ a promessa do referido território ser transformado em reserva indígena, sugerindo que a decisão em relação ao voto na esquerda nas eleições presidenciais será determinante para a entrega do patrimônio nacional, ameaçando desta forma proprietários e famílias locais de serem destituídos de seu patrimônio”, diz um trecho do documento.
O CNDH diz, ainda, que a divulgação do vídeo, “desprovido de veracidade”, gerou “animosidade em relação aos povos indígenas” e que poderá, inclusive, colocar em risco o trabalho de servidores da Funai.
“Além de impactar no modo de vida dos povos tradicionais, este fato coloca em risco o desenvolvimento de eventuais atividades de servidoras/es da Funai no desempenho de suas funções institucionais, bem como o livre exercício do voto no processo eleitoral em curso, tanto para indígenas como não indígenas que recebem esse tipo de informação falsa”, afirma o CNDH.
“Além de impactar no modo de vida dos povos tradicionais, este fato coloca em risco o desenvolvimento de eventuais atividades de servidoras/es da Funai”
A área destacada no vídeo é o Vale do Guaporé, local que abarca os municípios de São Miguel, Seringueiras, São Francisco e Costa Marques – e onde, há décadas, os povos Puruborá, Migueleno e Kujubim travam uma luta pela demarcação de seus territórios.
GT na Funai
Os territórios requisitados pelos Migueleno, Puruborá e Kujubim ainda aguardam a devida demarcação. Dos três povos, os Puruborá e os Migueleno possuem Grupo de Trabalho (GT) criado para estudo de áreas etno-histórica, antropológica, cartográfica e ambiental, na Fundação Nacional do Índio (Funai) – Portaria Funai 469, de 25 de janeiro de 2022 (Puruborá) e Portaria Funai 439, de 1 de dezembro de 2021 (Migueleno).
Os dois povos tiveram seus grupos criados recentemente por determinação judicial, após ações civis públicas no MPF em Rondônia as quais solicitam a continuidade dos processos.
Mas vale lembrar que, há mais de dez anos, tanto os Puruborá quanto os Migueleno tentam instituir um Grupo de Trabalho na expectativa de garantir os seus territórios demarcados e os direitos garantidos. A morosidade escancara não só a falta de prioridade de demarcar as terras indígenas, mas também o desmonte da Funai ao longo dos últimos quatro anos.
CNDH com os povos indígenas
Ao final do documento, o CNDH reafirmou sua solidariedade e compromisso com os povos indígenas do distrito de Porto Murtinho – povos Migueleno, Kujubim e Puruborá – e afirmou que é “necessário que sejam adotadas, com urgência, medidas preventivas”.
“É necessário que sejam adotadas, com urgência, medidas preventivas e ostensivas para interromper a circulação do vídeo de forma imediata, para resguardar a integridade física e a liberdade dos povos indígenas diretamente afetados pela divulgação de notícias inverídicas e para apurar eventuais ilícitos penais e eleitorais, ademais de promover a identificação e responsabilização dos que criaram e divulgaram o vídeo. Destaca-se ainda a necessidade de que seja apurado se a prática em questão está sendo replicada em outros locais do país com o mesmo fim”, afirma, em nota, a CNDH.
“A não demarcação e a não proteção das terras dos povos originários se relacionam diretamente com outras violações de direitos humanos”
Por fim, o CNDH reiterou que “a não demarcação e a não proteção das terras dos povos originários se relacionam diretamente com outras violações de direitos humanos”. Por isso, o Conselho reforçou a importância de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar e encerrar, de vez, o julgamento do Recurso que trata do chamado marco temporal.
Confira aqui a nota completa.