12/07/2022

Em Mecanismo de Especialistas da ONU, Cimi alerta para as práticas integracionistas do governo federal, combinadas com o discurso de ódio no mais alto nível de comando

A 15ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP) foi realizada de 4 a 8 de julho de 2022; foram três contribuições da entidade junto ao Mecanismo

15ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP), Genebra-Suíça. Foto: Cimi

Por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Ao Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP), da Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), chamou a atenção para o conjunto de violações que os povos originários enfrentam no Brasil. Entre elas, a política anti-indígena e integracionista do governo federal, combinadas com o discurso de ódio no mais alto nível de comando, e o aumento das violações no Brasil. “As notícias que trazemos sobre os povos indígenas no Brasil são dramáticas”, alertam em declaração conjunta 21 organizações, entre movimentos e articulações indígenas e da sociedade civil.

A 15ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi realizada de 4 a 8 de julho de 2022, em Genebra, na Suíça. Ao longo dos cinco dias, o Cimi realizou pelo menos três contribuições, duas delas em declarações conjuntas com outras organizações indígenas e da sociedade civil. As contribuições se deram nos itens sobre diversidade linguística e cultural; a que busca aumentar a participação dos povos indígenas nas Nações Unidas; e no item sobre os povos indígenas isolados, ou em isolamento voluntário. Paulo Lugon Arantes, assessor internacional do Cimi, deu voz às denúncias presencialmente no evento.

“Cimi chamou a atenção para o conjunto de violações que os povos originários enfrentam no Brasil”

Com o propósito de ajudar os Estados membros a alcançar os objetivos da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, o Mecanismo de Especialistas busca fornecer ao Conselho de Direitos Humanos experiência e aconselhamento sobre o tema. As sessões são realizadas anualmente, na qual participam representantes de Estados, povos indígenas e suas organizações, sociedade civil, organizações intergovernamentais e acadêmicas.

Neste ano, devido à pandemia de Covid-19, o evento ocorre em formato híbrido, com participações presenciais e remotas. O debate acontece durante a “Década Internacional das Línguas Indígenas”, ressaltando a importância de protegê-las e promover seus usos.

“As notícias que trazemos sobre os povos indígenas no Brasil são dramáticas”

15ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP), Genebra-Suíça. Foto: Cimi

EMRIP: diversidade linguística e cultural

A primeira contribuição do Cimi junto à 15ª sessão do EMRIP se deu no dia 5 de julho, quando alertou para o risco que a diversidade linguística e cultural dos povos indígenas enfrenta no Brasil. A intervenção ocorreu durante o debate sobre línguas indígenas.

“Os povos indígenas no Brasil têm sido ativos na promoção e preservação de suas próprias línguas, assumidas por eles como parte integrante de suas identidades étnicas e de seus modos de vida tradicionais”, destacou Paulo. No Brasil, há uma grande diversidade de línguas indígenas: atualmente, 274 línguas nativas são faladas, segundo o Censo Demográfico de 2010.

Os povos indígenas e parceiros no Brasil têm assumido a liderança na proteção de suas línguas diante das políticas indígenas hostis do governo brasileiro, abertamente anti-indígena. Neste ano, professores indígenas dos povos Jamamadi, Apurinã, Jarawara e Paumari, do Rio Purus, na região amazônica, produziram quatro livros escolares bilíngues. O objetivo desses livros é potencializar o registro e o desenvolvimento do conhecimento oral e escrito, bem como as pedagogias específicas indígenas, lista o assessor do Cimi ao Mecanismo.

“Os povos indígenas, mais do que ninguém, possuem compreensão oral de suas línguas. Catalogação de livros é uma atividade imensa que parece não ser a principal preocupação dos povos indígenas. Catalogar todos os livros publicados em línguas indígenas no Brasil é uma tarefa gigantesca”, afirma Paulo. Só em Mato Grosso, neste ano foram publicados sete livros em diversas línguas indígenas.

“Essa rica diversidade linguística e cultural está em risco diante das práticas integracionistas do governo federal, combinadas com o discurso de ódio no mais alto nível de comando”

No entanto, “essa rica diversidade linguística e cultural está em risco diante das práticas integracionistas do governo federal, combinadas com o discurso de ódio no mais alto nível de comando”, alerta o Cimi, com seus 50 anos de atuação junto aos povos indígenas. Porém, ainda é preciso garantir o uso das línguas indígenas nos serviços básicos de saúde, educação e no sistema de justiça, a fim de cumprir plenamente as normas internacionais do direito indígena, como também assegura a Constituição brasileira.

Na oportunidade, Paulo lembra que, durante uma exposição de arte no espaço do Embú das Artes, em São Paulo, organizada para celebrar o Ano Internacional das Línguas Indígenas, 30 obras de arte dedicadas às línguas indígenas foram danificadas por vândalos anônimos.

“Embora a atribuição direta aos funcionários públicos não possa ser estabelecida, é certo que a abordagem integracionista e o discurso de ódio do governo no Brasil legitimam tais atos violentos e diminuem os custos de perpetração, em detrimento da preservação e promoção da rica diversidade de terras e de povos indígenas no Brasil”, denunciou o representante do Cimi no evento. Paulo ainda completa: “este é um exemplo triste sobre como um ambiente hostil aos povos indígenas por ser prejudicial às suas línguas, culturas e sobrevivência”.

“Abordagem integracionista e o discurso de ódio do governo no Brasil legitimam atos violentos”

15ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP), Genebra-Suíça. Foto: Cimi

EMRIP: participação dos povos indígenas nas Nações Unidas

“As notícias que trazemos sobre os povos indígenas no Brasil são dramáticas”, alertam em declaração conjunta 21 organizações, entre movimentos e articulações indígenas e da sociedade civil, no debate que busca “aumentar a participação dos povos indígenas nas Nações Unidas”, realizado na quinta-feira, 7 de julho.

“O brutal assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips é apenas uma amostra do padrão de ataques sistemáticos contra os povos indígenas. O obituário é extenso, incluindo também Edivaldo Manuel de Souza, do povo Atikum; as chacinas no Rio Abacaxis, do povo Chiquitano e as recentes execuções contra os povos Guarani e Kaiowá, assassinando o indígena Vitor Fernandes, em um sangrento conflito que dura décadas”, destacou o assessor internacional do Cimi.

As organizações listam que as promessas do governo Bolsonaro na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26) foram palavras vazias, sem resultados tangíveis após quase um ano, mas ao contrário, paralisando o processo de demarcações e disseminando discursos de ódio contra os povos indígenas. “A febre da Mãe Terra não se cura com o sangue indígena derramado pelo Brasil – pelo contrário”, reforçam.

A demora do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgar a tese do marco temporal agrava o extermínio dos povos indígenas no Brasil, desrespeita a Constituição Federal de 1988 ao negar aos povos indígenas o direito aos seus territórios. Para o movimento indígena, é fundamental que o marco temporal seja negado pelo STF o quanto antes, pois a proposta é um incentivo para traficantes, garimpeiros, madeireiros e invasores dos territórios. O caso está pronto para julgamento, mas houve sucessivos adiamentos nos últimos três anos.

“A febre da Mãe Terra não se cura com o sangue indígena derramado pelo Brasil – pelo contrário”

“Foi necessário recorrer ao Tribunal Penal Internacional tendo em vista os crimes internacionais em curso contra os povos indígenas no Brasil. Hoje, o Parlamento Europeu adota uma forte resolução sobre os massacres de povos indígenas no Brasil e a destruição de seus biomas”, completa o assessor do Cimi.

Na oportunidade, as organizações reforçam o apoio ao Mecanismo de engajamento do país, que deve ser uma política de Estado do Brasil. No entanto, “a apresentação do representante do Brasil no diálogo de ontem apresentou informações distorcidas e fora de contexto, mascarando a atual política indigenista real. O espaço cívico no Brasil está fechado, sem possibilidade de diálogo e engajamento. Há ameaças abertas contra o processo eleitoral. O engajamento entre o EMRIPR e o Brasil deve incluir também o Judiciário, para ser fortalecido”, apelam as organizações. Pedem ainda solidariedade da comunidade internacional neste momento dramático pelo qual os povos indígenas do Brasil estão passando.

“O representante do Brasil no diálogo apresentou informações distorcidas e fora de contexto, mascarando a atual política indigenista real”

II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, setembro, 2021. Foto: Hellen Loures/Cimi

EMRIP: povos isolados ou em isolamento voluntário

Na sexta-feira (8/7) último dia da 15ª sessão do EMRIP, o Cimi e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), sugeriram ao Mecanismo de Especialistas em Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP) que, para os trabalhos futuros, elabore um estudo sobre povos isolados, de isolamento voluntário ou de contato recente, à luz do direito constitucional dos povos indígenas e do direito internacional. Na Amazônia e em outras regiões do mundo, os povos indígenas que optaram por não entrar em contato com povos não indígenas e outras populações tem sua existência ameaçada.

“As ameaças a esses povos são inúmeras. A corrida aos recursos naturais e minerais sob seus territórios e a pressão da indústria extrativa; as recentes políticas integracionistas, desregulamentação da governança ambiental e extermínio dos povos indígenas; a pandemia de Covid-19; as expedições de missionários religiosos conservadores e as mudanças climáticas são fatores que violam gravemente seus direitos fundamentais”, listou Paulo.

Na oportunidade, as organizações também destacaram a necessidade que os direitos dos povos isolados sejam esclarecidos à luz da Declaração e do acervo de direito internacional dos direitos humanos, assim como as obrigações estatais, positivas e negativas, e questões como confidencialidade, saúde, segurança, deslocamento forçado, culturas, línguas e tradições orais.

É preciso transcender ao modelo meramente médico, segundo o qual o contato com povos isolados pode trazer riscos de contaminação. Embora a pandemia “traga sérios alarmes sobre essa questão, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, em consonância com a Declaração e Programa de Ação de Viena, nos orienta a ter uma visão holística de todos os direitos”, destacou Paulo, que cita ainda um exemplo.

“A elaboração de um estudo pelo mecanismo tem grande potencial para proteger seus direitos, sua existência e sua escolha de estilo de vida”

“A própria escolha de não ter contato com outros povos é uma manifestação do direito à autodeterminação no Artigo 3 da Declaração, mas também dos direitos à vida, integridade, segurança, liberdade, paz e proteção contra o genocídio garantidos no Artigo 7. Também estão em questão a liberdade de religião e crença, os direitos culturais, o patrimônio imaterial”, listou.

Ao concluir a contribuição ao Mecanismo, o Cimi e a Repam-Brasil sugerem que “a elaboração de um estudo pelo mecanismo tem grande potencial para proteger seus direitos, sua existência e sua escolha de estilo de vida”, e se colocam à disposição para somar forças no estudo.

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