06/06/2022

Terra Indígena Yanomami: 30 anos de conquista e luta para o futuro do mundo

Em artigo, Corrado Dalmonego, do Cimi Regional Norte I, denuncia o cenário de violência na TI Yanomami (RR); as atividades de garimpo e os assassinatos foram lembrados, com preocupação, no texto

Fórum das Lideranças Yanomami. Comunidade Xiropi. Maio 2022. Foto: Corrado Dalmonego/Cimi Regional Norte I

Por Corrado Dalmonego, do Cimi Regional Norte I

Há mais de 15 dias, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicitou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) uma intervenção de medidas provisórias para proteger os direitos à vida do povo Yanomami devido à “situação de extrema gravidade e urgência de danos irreparáveis aos seus direitos no Brasil”. No relatório, a Comissão reconhece que as medidas implementadas pelo governo federal “são insuficientes”.

A mineração ilegal realizada na Bacia Amazônica é vinculada a processos globais e transnacionais. Como última fronteira de colonização interna, a Amazônia brasileira é rearticulada no sistema da economia mundial pela implementação de projetos extrativos agrominerais, insistindo em uma estratégia geopolítica já atuada pelos governos militares. Tal estratégia afirma a “defesa da soberania territorial” da Nação, mas ignora as populações que habitam e protegem territórios cobiçados como “reservas territoriais” e florestas equatoriais ricas em recursos que devem ser explorados para o desenvolvimento.

As diversas atividades econômicas ilícitas que manifestam dinâmicas expansionistas com invasão de terras indígenas, terras de comunidades quilombolas e tradicionais e unidades de conservação, incluindo a mineração, são alimentadas por e sustentam redes de crime organizado transnacionais envolvidas com tráfico de drogas, armas e pessoas, bem como com crimes financeiros, incluindo lavagem de dinheiro.

O “boom” da exploração mineral na América Latina (iniciado nos anos 1990) é o resultado de um processo de dominação e acumulação colonial que implicou transformações estruturais no último terço do século XX. O processo de ocupação e invasão dos territórios, a fim de exploração mineral, se acelerou com o “neodesenvolvimentismo” que caracteriza o século XXI, no Brasil, acompanhado pela emergência do “neoextrativismo” e uma “reinvenção” do garimpo.

Na Amazônia, o “modelo extrativista agromineral” manifesta toda a brutalidade de uma situação colonial voltada à exportação para outros continentes. No primeiro semestre de 2019, R$ 48,7 milhões em ouro foram exportados de Roraima – que não registra a presença de minas autorizadas – para a Índia.

Na Terra Indígena Yanomami, essa nova corrida do ouro se traduz em um aumento vertiginoso de dragas, balsas e locais de extração ilegal. A mudança ocorrida na atividade exploratória, o incremento e expansão da mineração (um crescimento estimado em 3.350% entre 2016 e 2020, e um aumento exponencial desde o segundo semestre de 2020), a destruição ambiental, os riscos para os ecossistemas e os impactos sobre as populações de tais atividades são documentados por estudos técnicos, científicos e jornalísticos.

O relatório “Yanomami sob Ataque” revela o crescimento de 46% das áreas destruídas em 2021, com um incremento anual de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de 3.272 hectares. Nessa recente corrida do ouro, destaca-se o aumento da violência pela associação do garimpo com grupos criminosos organizados.

Os diversos e complexos impactos sociais sobre as comunidades indígenas (entre os quais a desassistência sanitária, os conflitos internos, as violências sexuais) são frequentemente deixados em segundo plano – em relatórios técnicos e notícias jornalísticas – frente aos impactos ambientais e econômicos da mineração ilegal, embora tenham sido objeto de intervenções por parte do Ministério Público Federal (MPF) e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nas palavras dos Yanomami – que foram também divulgadas no relatório apresentado em abril de 2022 – emerge uma potencialidade destrutiva do garimpo, que vai além da violência e dos conflitos armados noticiados esporadicamente e de forma sensacionalista pela mídia.

A mídia noticiou a morte de dois adultos por armas de fogo, na região de Parima, em junho de 2020, a morte de duas crianças e as agressões armadas às comunidades da região de Palimiu, ocorridas no mês de maio de 2021, a morte de um jovem atropelado por uma aeronave de garimpeiros ilegais na pista de pouso de Homoxi, e a morte de duas crianças provocada por dragas instaladas no rio Parima, em outubro de 2021. Tais notícias circularam na mídia, mas receberam uma atenção temporária, como é costume em uma sociedade que se habituou à violência – e que projeta, para longe de si, as responsabilidades e costuma aplicar o consumismo e o descarte rápido das notícias.

A notícia que circulou no final de abril de 2022, informando sobre um possível caso de estupro de menor e morte, ocorrido em uma comunidade Sanöma (subgrupo do povo Yanomami), despertou a atenção da mídia nacional e internacional. Perante uma diligência de parlamentares, realizada em Boa Vista (RR) na metade de maio de 2022, foi descrito o contexto dentro do qual um fato de tamanha gravidade pode ter ocorrido. Lamentavelmente, muitas ocorrências anteriores foram “esquecidas”.

Observando a situação da metade das comunidades distribuídas na Terra Indígena Yanomami (TIY), e prestando ouvido às narrativas de mulheres e homens do povo Yanomami que têm suas vidas transformadas pela invasão garimpeira, emergem casos de violência mais numerosos daqueles noticiados pela mídia ou objeto de investigação policial.

As mortes, os conflitos provocados pelo garimpo, o aliciamento, a exploração sexual, a perda de independência alimentar e da sustentabilidade econômica afetam as comunidades indígenas. A vida cotidiana é marcada por ameaças e constante medo. A floresta e as estações que passam, escondem muitas tragédias. As noções de tempo e espaço são relativas e, muitas vezes, ao investigar um “suposto crime”, não se recebem as respostas esperadas a perguntas equivocadas. Somente a escuta demorada juntamente a condições de segurança e confiança permitem o emergir de informações.

Perante essa situação dramática regional com vinculações econômicas e geopolíticas globais, foram feitas todas as tentativas, junto às autoridades brasileiras, para que a União cumprisse seu dever constitucional e combatesse as atividades ilegais e criminosas que estão afetando o povo Yanomami e outros povos indígenas. A pressão internacional (possível também pela visibilidade dada pela mídia) e a mobilização de organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), motivadas pela situação sofrida pelo povo Yanomami, parecem ser uma possibilidade para que algumas medidas sejam tomadas, em vista a interromper um genocídio que perdura há décadas, mas que se agravou nos últimos anos.

Celebrando os 30 anos de homologação da TI Yanomami, centenas de representantes de mais de 25 comunidades Yanomami e de diversas associações indígenas, se reuniram na comunidade de Xihopi, entre os dias 22 e 26 de maio de 2022, participando do Fórum de Lideranças Yanomami e Ye´kwana. O evento celebrou uma conquista e uma luta, mas colocou a atenção na tragédia e no luto que envolvem o território indígena. Numerosos foram os testemunhos de coragem e os apelos para evitar uma catástrofe demasiadas vezes anunciada. As palavras pronunciadas por Davi Kopenawa soaram como grave alerta.

Referindo-nos apenas a uma localidade específica, podemos concluir que, até que se apurem a sequência de crimes ocorridos contra a comunidade Sanöma de Aracaça (região de Waikás, rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, em Roraima), o crime de estupro e assassinato que está sendo investigado pelas autoridades competentes trouxe à tona um contexto de violência e destruição culposamente tolerado há tempo.

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