20/06/2022

Justiça Federal do Maranhão decide arquivar processo contra indígenas Akroá Gamella

Em carta os indígenas asseguram, se “não fossem pelas forças ancestrais que carregamos em nós e pela solidariedade que nos chegou vinda de muitos lugares teríamos perdido a esperança”

Povo Akroá Gamella, durante festivais do Bilibeu e da Peteca de Milho. Foto: Fábio Costa/ Cimi-MA

Por Jesica Carvalho, da Ascom do Cimi Regional Maranhão

O juiz federal Luiz Régis Bomfim Filho, na terça-feira (14), após pedido do Ministério Público Federal (MPF) decidiu arquivar o processo contra oitos indígenas do povo Akroá Gamella, em decorrência de conflito com funcionários de uma empresa de energia elétrica do Maranhão na Terra Indígena (TI) Taquaritiua, localizada no município de Viana, no Maranhão (MA). Em sua decisão, o magistrado solicita “o arquivamento de inquérito policial ou quaisquer peças de informação constitui ato alicerçado em prévio requerimento ministerial a partir das constatações investigativas e posterior decisão jurisdicional”.

O conflito se deu com a chegada na terra indígena de empregados da empresa de energia, de forma hostil, acompanhados de jagunços armados, que depois se soube que eram policiais sem identificação. Na ocasião, o povo Akroá Gamella foi surpreendido com a presença destes representantes da empresa, sem qualquer consulta e respeito aos indígenas, com o objetivo de instalar torres e linhões de transmissão no território, que está, desde 2014, em processo de demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

“Os Akroá Gamella foram surpreendidos com a presença de representantes da empresa, sem qualquer consulta e respeito aos indígenas, com o objetivo de instalar torres e linhões de transmissão no território”

De acordo com a assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, Lucimar Carvalho, desde 2016, a empresa tenta implantar suas torres de energia, que passam por dentro da terra indígena. “A ação dessa empresa é completamente descabida. Primeiro que o licenciamento corre pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, enquanto deveria ser pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]. Além disso, deveriam respeitar o componente indígena, que é o termo de referência para essas situações e que deveria ser construído com a participação do povo. Os impactos no território sequer foram observados. Já passa um trecho de uma linha de transmissão e há uma tremenda devastação embaixo dessas linhas”, destaca.

Para os Akroá Gamella, decisão é importante, ainda mais no contexto em que vivem os povos originários, de extremo retrocesso de direitos, de ameaças e violência contra seus territórios e aliados da causa indígena. Com a decisão o povo Akroá Gamella tornou público, na quinta-feira (16), uma carta onde destaca que se “não fossem pelas forças ancestrais que carregamos em nós e pela solidariedade que nos chegou vinda de muitos lugares, teríamos perdido a esperança. Elas nos dizem que lutamos pelos nossos ancestrais e para as futuras gerações. Assim seguimos enfrentando o medo e espalhando sementes”, destaca o documento.

“A ação da empresa é completamente descabida. Deveria respeitar o componente indígena”

Indígenas do povo Akroá Gamella próximos à uma torre de transmissão, na TI Taquaritiua. Foto: Povo Akroá Gamella

O Cimi Regional Maranhão reforça que a criminalização dos povos originários pela sua autodeterminação e autonomia deve sempre ser rechaçada. E que seguirá acompanhando o caso.

Confira abaixo a carta na íntegra:

 

Aos Povos

Há quase sete meses, o Povo Akroá Gamella – Território Taquaritiua viveu mais um triste capitulo da violência institucionalizada. No dia 18 de novembro de 2021, fomos arbitraria e violentamente atacados por policiais militares em nossas aldeias, amontoados em camburões e conduzidos primeiro a um posto de combustíveis onde ficamos por quase 60min para, em seguida, ser conduzidos à delegacia de Polícia Civil de Viana-MA. Nesse tempo a Secretaria de Segurança Pública, em Nota, manifestou o convencimento de que havíamos praticado crimes, sem, contudo, perguntar porque policiais à paisana, com armas e munições da forca pública, prestavam serviço a uma empresa privada.

Nosso sofrimento foi aumentado quando 16 indígenas foram amontoados novamente nos camburões que saíram sem dizer para onde os levariam. Aqueles foram momentos de angústia profunda porque não sabíamos se sobreviveriam e também não sabíamos se iriamos aguentar a violência anunciada pelos policiais enfurecidos que ameaçam varrer todo as casas à procura de armas da força policial a serviço da empresa de Equatorial Energia que insiste em violar nossos Lugares Sagrados. Quando as armas e munições foram recolhidas nas mãos de homens à paisana em carros particulares imediatamente a Delegacia de Polícia Agraria foi informada. No começo da madrugada do dia 19 de novembro, oito indígenas foram indiciados pelos crimes de roubo e dano qualificados.

Não fossem pelas forças ancestrais que carregamos em nós e pela solidariedade que nos chegou vinda de muitos lugares teríamos perdido a esperança. Elas nos dizem que lutamos pelos nossos ancestrais e para as futuras gerações. Assim seguimos enfrentando o medo e espalhando sementes.

No dia 16 de junho de 2022, o juiz federal da 1ª Vara Federal Criminal da Sessão Judiciaria do Maranhão, determinou o arquivamento do Inquérito Policial nº 066/2021 – 2º DP de Viana MA – instaurado para apurar eventuais crimes praticados por nosso povo, no dia 18 de novembro de 2021, quando defendíamos nosso território sagrado. Em seu Parecer afirmou o MPF “a autoria do delito de roubo com as majorantes indicadas pela autoridade de Policia Civil carece de elementos indiciários suficientes à oferta de ação penal”. Conclui: “sendo inaceitável a propositura de ação peal com supedâneo em imputações genéricas”.

Em sua Decisão o Magistrado assenta: “No caso constato que não estão caracterizadas a materialidade e a autoria dos crimes… Por conseguinte, faz-se imperiosa a determinação jurisdicional de arquivamento. Pelo exposto determino o arquivamento do presente IPL… bem como, revogo as medidas cautelares ainda vigentes em face dos indiciados”.

Agradecemos aos nossos e às nossas ancestrais, aos nossos encantados que cuidam do nosso corpo-território; também aos que conosco estão unidas e unidos na luta por justiça. Com todos cantamos:

Ê João Piraí, tu é brabo, eu sou maroto/

Quem manda no Rio Grande é tu/ não é outro;

Ê João Piraí, tu é brabo, eu sou maroto/

Quem manda no Território é tu/ não é outro;

Ê João Piraí, tu é brabo, eu sou maroto/

Quem manda nesta Luta é tu/ não é outro.

 

Às margens do Rio Grande, sob a proteção de João Piraí

Maranhão, 16 de junho de 2022

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