PL 191/2020: indígenas e parlamentares tentam barrar projeto que libera mineração em terra indígena
Cerca de 150 indígenas compareceram à Câmara Federal nesta terça-feira (8) para pressionar e derrubar a proposta do governo Bolsonaro
“O minério em terras indígenas viola o direito das mulheres. Ele causa diversos transtornos, como estupros, abuso sexual e afeta também a nossa saúde. Não podemos deixar mais isso acontecer”. No Dia Internacional das Mulheres – 8 de março – Samêhy Pataxó lembrou o impacto causado pela mineração na vida das mulheres indígenas e a importância de barrar o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que libera essa prática – e outras atividades, como agronegócio e grandes obras de infraestrutura – nas terras indígenas de todo o país.
A base governista pressiona para que o projeto seja apreciado em caráter de urgência ainda nesta semana pela Câmara Federal. Em resposta, cerca de 150 indígenas, de oito povos da Bahia, compareceram no Anexo II da Casa, na manhã desta terça-feira (8), para pressionar e pedir a derrubada do projeto. Parte da delegação foi liberada para participar de uma reunião a respeito do assunto. O encontro contou com a presença dos deputados federais Joenia Wapichana (Rede-RR) e Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
“A desculpa do governo agora é a história do fertilizante. Mas sabemos que não é isso que o governo quer. Eles querem liberar para os garimpeiros e para o pessoal que quer ocupar as terras indígenas. Mas vamos fazer um esforço para que a urgência não seja aprovada”, afirmou o deputado Rodrigo Agostinho durante a reunião.
“Eles querem liberar para os garimpeiros e para o pessoal que quer ocupar as terras indígenas”
A deputada Joenia também apresentou sua posição contrária ao projeto e disse que os partidos de oposição já estão se articulando para derrubar o projeto na Casa. “Bolsonaro pediu prioridade e nós [oposição] estamos pedindo para retirar de pauta. Somos minoria, mas é importante essa manifestação. Esse projeto é inconstitucional. Se for para discutir mineração em terra indígena, tem que ser através de projeto de lei complementar e não por meio de uma lei ordinária”, afirmou a deputada.
“Esse projeto é inconstitucional. Se for para discutir mineração em terra indígena, tem que ser através de projeto de lei complementar e não por meio de uma lei ordinária”
Logo após a reunião, Agnaldo Pataxó Hã-Hã-Hãe, coordenador do Movimento Unido dos Povos e Organização Indígenas do estado da Bahia (Mupoiba), disse à equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que os indígenas também continuarão se mobilizando nos próximos dias para barrar o andamento do PL 191/2020.
“Estamos fazendo uma incidência direta no Congresso Nacional e iremos entrar em contato com os gabinetes dos parlamentares para retirar da pauta esse projeto da mineração”, afirmou o coordenador do Mupoiba.
“Estamos fazendo uma incidência direta no Congresso Nacional e iremos entrar em contato com os gabinetes dos parlamentares”
Projeto de Lei 191/2020
De autoria do atual governo, o PL 191/2020 libera a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas.
Aproveitando a guerra na Europa, entre Rússia e Ucrânia, Bolsonaro pediu a urgência à Câmara Federal para aprovar o projeto. O pedido foi feito sob o argumento de “diminuir a dependência do Brasil de fertilizantes”. Apesar de ser de 2020, o texto segue engavetado no Congresso Nacional.
A proposição foi encaminhada, no dia 6 de fevereiro de 2020, pelo então ministro da Justiça, Sérgio Moro, e por Bento Albuquerque, do Ministério de Minas e Energia. Na época, a Câmara Federal era presidida por Rodrigo Maia. Após intensa mobilização dos povos indígenas e aliados, Maia decidiu não pautar a matéria. Agora, com Arthur Lira (PP-AL) no cargo, o projeto voltou à mesa.
Mobilização em Brasília: povos da Bahia
Nesta semana, cerca de 150 indígenas do estado da Bahia desembarcaram na capital federal para uma agenda de incidências. Entre as pautas da delegação está o combate aos projetos de lei que caminham na direção contrária dos direitos originários. A previsão é que a mobilização se estenda entre os dias 8 e 12 de março.
Entre os povos presentes, estão Tupinambá de Olivença, Pataxó, Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Kamacã, Kiriri do norte e do oeste da Bahia, Atikum, Tumbalalá e Truká. Lideranças da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat), do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) e do Movimento Indígena da Bahia (Miba) também acompanharão a agenda na capital.
Além de cobrar dos poderes Executivo e Judiciário o apoio e a efetivação de políticas públicas para suas comunidades, os indígenas prometem também se mobilizar para derrubar projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, como o PL 490/2007, que inviabiliza a demarcação das terras indígenas (TIs) de todo o país, e o PL 191/2020, que regulariza a mineração nas TIs.
A agenda desta semana é vista como a “continuidade” dos atos que ocorreram em Brasília e em todo o país no ano passado, o que inclui o pedido para retomar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, processo de repercussão geral que pode definir o futuro das demarcações de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF).