Povo Munduruku denuncia ataque contra ônibus que levava lideranças a Brasília
Ministério Público Federal e Frente Parlamentar Indígena acionaram governo federal e governo do Pará para garantir escolta aos indígenas, impedidos por garimpeiros de sair de Jacareacanga (PA)
Em nota divulgada nesta quarta-feira (9), o povo Munduruku denunciou um ataque contra o ônibus que levaria lideranças da Terra Indígena (TI) Munduruku, na região do Alto Tapajós, no Pará, para Brasília, onde projetos anti-indígenas correm risco de ser votados na Câmara dos Deputados e julgamentos decisivos – para o povo Munduruku e para o conjunto dos povos indígenas do Brasil – ocorrem nesta e na próxima semana.
“Na manhã do dia 9 de junho no município de Jacareacanga, o ônibus que iria buscar nosso comitiva do Alto Tapajós para levar à Brasília foi atacado, teve seus pneus furados e o motorista foi ameaçado, se não saísse da cidade o ônibus iria ser queimado. Não havia ninguém no ônibus”, informa uma nota do movimento Ipereg Ayu.
Nos últimos meses, os ataques de garimpeiros que atuam ilegalmente na TI Munduruku contra lideranças do povo têm se intensificado. No dia 26 maio, garimpeiros armados atacaram uma aldeia e queimaram a casa de Maria Leusa Kaba, liderança contrária à mineração e ao garimpo na TI Munduruku. Outras ameaças se seguiram ao ataque, que ocorreu em represália a uma operação de fiscalização e combate ao garimpo ilegal na região.
Apesar do clima de terror, no dia seguinte ao ataque, as forças federais e estaduais se retiraram da região e deixaram os indígenas sem proteção. No dia 29 de maio, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal determinou o retorno de forças federais a Jacareacanga, para garantir a proteção do povo Munduruku.
A Justiça impôs ao governo federal uma multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento da decisão. A Força Nacional chegou a ser deslocada para a região, mas lideranças Munduruku denunciam que o povo continuou desprotegido e ameaçado pelos criminosos.
“Responsabilizamos o Estado brasileiro caso aconteça alguma coisa com todos. Não nos protegeram em situação de ameaça constante, não garantiram reforço policial no município de Jacareacanga. Nunca teve reforço policial no município continuamos sendo atacados, mesmo informando, pedindo policiamento, pedindo apoio”, afirma a nota Munduruku.
O governo federal tem atuação direta na região do conflito – mas não a favor dos indígenas. No ano passado, uma ação de fiscalização contra o garimpo ilegal na região foi interrompida após visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da intervenção do Ministério da Defesa.
O MPF abriu inquérito para analisar a ocorrência de improbidade administrativa por parte das autoridades responsáveis por impedir a invasão da terra indígena e investiga, inclusive, suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros que atuam ilegalmente na TI Munduruku em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).
A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Indígenas solicitou medidas urgentes ao Ministério da Justiça e ao governo estadual do Pará para garantir a segurança e o direito de ir e vir dos indígenas. Os deputados Airton Faleiro (PT-PA) e Vivi Reis (PSOL-PA), membros da Frente, acompanham o caso na região.
Hoje (10), o MPF enviou uma requisição direta à Força Nacional de Segurança Pública, a Polícia Rodoviária Federal e à Força Nacional de Segurança solicitando escolta e proteção policial para que as lideranças do povo Munduruku possam se deslocar de Jacareacanga até Brasília.
Mobilização em Brasília
Entre esta sexta-feira (11) e a sexta-feira da próxima semana (18), julgamentos centrais para o povo Munduruku e o conjunto dos povos indígenas ocorrem no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF).
Um deles envolve medidas de segurança da parte do governo para os povos Yanomami e Munduruku e o pedido de um plano federal para a retirada de garimpeiros e invasores destes e de outros cinco territórios indígenas. O pedido foi feito no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709/2020, de autoria da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Outro processo decisivo é o caso de repercussão geral que vai tratar de demarcações de terras indígenas no Brasil. O status de “repercussão geral” dado pelo STF ao processo significa que a decisão tomada nele servirá para fixar diretrizes para todos os outros casos envolvendo a demarcação de terras indígenas.
A expectativa dos povos indígenas é que a Corte tome uma decisão definitiva contra a tese do “marco temporal”, defendida por ruralistas e outros setores econômicos interessados na exploração de suas terras, como o da mineração (saiba mais).
Além disso, projetos que visam retirar direitos territoriais dos povos indígenas, inviabilizar demarcações e abrir terras indígenas para exploração econômica correm risco de votação no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei (PL) 490, que tem sido incluído na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados e pode ser votado em breve.
Desde o início desta semana, uma delegação de cerca de 70 indígenas das regiões Sul e Sudeste do país está em Brasília, realizando atos e mobilizações contra o marco temporal e o PL 490.
“Queremos manter nossa viagem, para denunciar, para falar com os ministros”, informam os Munduruku na nota divulgada ontem (9).
Leia a íntegra do comunicado do movimento Ipereg Ayu:
II comunicado aliança das organizações do movimento Ipereg Ayu
Continuamos a ser atacados. Os serviços públicos não funcionam, Jacareacanga é cidade sem lei.
Os caciques precisam ser respeitados na sua decisão. Os bandidos não podem ser soberanos mais do que os Caciques.
Queremos denunciar o que estamos vivendo, estamos indo pra Brasília para denunciar todas as ameaças que estamos vivendo. Não estamos conseguindo sair. Nossos caciques estão presos no município.
Na manhã do dia 9 de junho no município de Jacareacanga, o ônibus que iria buscar nosso comitiva do Alto Tapajós para levar à Brasília foi atacado, teve seus pneus furados e o motorista foi ameaçado, se não saísse da cidade o ônibus iria ser queimado. Não havia ninguém no ônibus.
Nossa comitiva do alto Tapajós está proibida de seguir viagem.
Responsabilizamos o estado Brasileiro caso aconteça alguma coisa com todos. Não nos protegeram em situação de ameaça constante, não garantiram reforço policial no município de Jacareacanga. Nunca teve reforço policial no município continuamos sendo atacados, mesmo informando, pedindo policiamento, pedindo apoio.
Queremos manter nossa viagem, para denunciar, para falar com os ministros. Estamos em um grupo grande do nosso movimento de resistência Ipereg Ayu, sofrendo ameaças aos arredores de Jacareacanga, sabemos que eles estão armados e nós não. Informamos a todos o que estamos vivendo para que possam nos ajudar.