23/04/2021

Em Brasília, indígenas denunciam invasões a seus territórios e cobram retomada das demarcações de terras

Após dois dias de manifestações com distanciamento na capital federal, indígenas irão realizar quarentena de isolamento ao retornarem aos seus territórios

Indígenas cobram a retomada das demarcações de seus territórios. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Em caminhada pela Esplanada dos Ministérios, na manhã da terça-feira, 20, indígenas dos povos Xerente, Krahô, Krahô Takaywra, Xokleng, Kaingang, Terena, Guarani e Kaiowá, Kinikinau, Munduruku, Tupinambá e Arapium denunciaram as constantes investidas do governo federal para liberar a mineração e o agronegócio em terras indígenas e cobraram a demarcação e desintrusão de seus territórios e um plano de vacinação para todos os indígenas.

Com cerca de 130 indígenas de seis estados – Tocantins, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Pará -, a delegação realizou manifestações em frente aos Ministérios do Meio Ambiente, da Saúde e da Justiça. Os indígenas protocolaram em cada uma das pastas uma carta com suas reivindicações.

“A delegação realizou manifestações em frente aos Ministérios do Meio Ambiente, da Saúde e da Justiça”

Pela tarde, os povos realizaram uma manifestação em frente à sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), onde cobraram a presença do presidente do órgão, Marcelo Xavier. Sem serem recebidos, protocolaram sua carta e documentos com reivindicações das regiões.

Na carta protocolada e em suas falas, cartazes e faixas, os povos manifestaram-se também contra a tese do marco temporal, os Projetos de Lei (PLs) 191/2020 e 490/2007 e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215.

A caminhada e os rituais sagrados foram realizados seguindo protocolos sanitários de prevenção à covid-19, como o uso de máscaras, cuidados de higiene e distanciamento social. Todos os indígenas que participaram dos atos já foram imunizados com duas doses da vacina contra a covid-19 e, ao retornar aos seus territórios, irão cumprir quarentena de isolamento para evitar uma possível contaminação.

“Estamos aqui para dizer não à mineração nos territórios indígenas. A gente veio protestar contra as diversas investidas do ministro do Meio Ambiente”

Na carta protocolada e em suas falas, cartazes e faixas, os povos manifestaram-se também contra a tese do marco temporal, os PLs 191/2020 e 490/2007 e a PEC 215. Foto: Tiago Miotto/Cimi

 

Manifestações nos Ministérios 

No Ministério do Meio Ambiente, além de protocolar a Carta Manifesto construída pelo conjunto dos povos, os indígenas deixaram um recado ao Ministro Ricardo Salles. “Estamos aqui para dizer não à mineração nos territórios indígenas. A gente veio protestar contra as diversas investidas do ministro do Meio Ambiente, que para nós é o ministério do desmatamento da Amazônia e da invasão dos nossos territórios”, denuncia Auricélia Fonseca, indígena do povo Aparium, e uma das coordenadoras do Conselho Indígena dos Rios Tapajós e Arapiuns (Cita).

A delegação cobra também que o ministro Salles deixe o cargo, por atuar contra a fiscalização e favorecer a atuação de invasores das terras indígenas. “Sabemos que Salles tem ido negociar com os madeireiros, tem tido várias investidas para liberar madeireiros dentro dos territórios indígenas na Amazônia, bem como grilagem, mineração e projetos do agronegócio”, afirmou Auricélia em frente ao Ministério. 

Na semana passada, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, enviou à Suprema Corte uma notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente, denunciando Salles pelos supostos crimes de obstrução de investigação ambiental, advocacia administrativa e organização criminosa. Exonerado do cargo logo após a denúncia, Saraiva afirmou que o ministro atuou de “forma muito explícita” em favor de madeireiros ilegais na Amazônia.

“Salles tem ido negociar com os madeireiros, tem investidas para liberar madeireiros dentro dos territórios indígenas na Amazônia, bem como grilagem, mineração e projetos do agronegócio”

Rituais sagrados marcaram as manifestações em frente ao Ministério da Saúde, faixas e palavras de ordem denunciam o descaso com a saúde das comunidades indígenas em meio à pandemia e cobram “saúde para a vida e não para a morte dos povos”. As lideranças não foram recebidas pela equipe ministerial, nem puderam realizar o protocolo de documentos.

A delegação cobra o cumprimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 que obriga o governo federal a criar um plano para enfrentamento da pandemia do coronavírus nas comunidades indígenas. Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo federal não tem cumprido de forma adequada as determinações. 

O terceiro momento das manifestações deu-se no Ministério da Justiça, com palavras de ordem e faixas cobrando “Demarcação Já” e “Fora Bolsonaro”. Os indígenas cobraram ainda a fiscalização e a retirada dos invasores de suas terras e a retomada das demarcações paralisadas sob o governo Bolsonaro. 

“A delegação denuncia o descaso com a saúde das comunidades indígenas em meio à pandemia e cobram ‘saúde para a vida e não para a morte dos povos'”

Palavras de ordem e rituais em frente do Ministério da Saúde denunciam o descaso com a saúde das comunidades indígenas. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Na avaliação dos indígenas, a aprovação dos PLs 191/2020 e 490/2007 e da PEC 215, irão inviabilizar demarcações e permitir a devastação das terras indígenas, ao liberar a mineração e grandes projetos nos territórios. “É uma armadilha que fizeram para nós, isso vai acabar com os povos indígenas”, alerta Elza Nâmnandi, do povo Xerente, do Tocantins.

O Ministério da Justiça, junto com a Fundação Nacional do Índio (Funai), são os órgãos responsáveis pelas demarcações. Ressaltando que, apesar da quarentena, mas também de que a luta não pode parar, Elza ainda destaca que vir até a capital federal se fez necessário diante das constantes ameaças sofridas pelos povos.

“Viemos exigir nossos direitos no Ministérios da Justiça, muitos povos indígenas do Brasil ainda não têm seus territórios demarcados. Tem que apressar, porque não é fácil viver sem o território. Somos a origem do Brasil, dessa terra”, sustenta Elza.

“Viemos exigir nossos direitos no Ministérios da Justiça, muitos povos indígenas do Brasil ainda não têm seus territórios demarcados”


Na avaliação dos indígenas, a aprovação dos PLs 191/2020 e 490/2007 e da PEC 215, irão inviabilizar demarcações e permitir a devastação das terras indígenas. Foto: Tiago Miotto/Cimi

 

Funai segue sem dialogar com lideranças indígenas 

Como parte da programação, a delegação esteve na tarde desta terça, 20, na sede da Funai para cobrar a demarcação de seus territórios e serem ouvidos pelo presidente do órgão, o delegado da Polícia Federal, Marcelo Xavier. Enquanto esperavam, as lideranças dos povos se pronunciaram num ato improvisado do lado de fora do prédio que hospeda a sede nacional do órgão indigenista. 

Kretã Kaingang, uma das lideranças da delegação, lembra que o órgão tem a obrigação de demarcar as terras indígenas. “Não use o marco temporal e nem a decisão de Repercussão Geral, que tramita no STF, para dizer que não pode demarcar nossas terras. Desça aí, delegado, vem dar uma satisfação para nós do porquê foi paralisado as demarcações”, cobra Kretã.

“Não use o marco temporal e nem a decisão de Repercussão Geral para dizer que não pode demarcar nossas terras”

Marco temporal é a tese anti-indígena defendida pela bancada ruralista. A tese encontra-se em disputa na Suprema Corte e defende que os povos indígenas só podem reivindicar as terras onde já se encontravam na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. 

Os povos indígenas defendem que o STF reafirme a tese do Indigenato, a qual reconhece o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas, antes mesmo da colonização, e garante aos índios a demarcação de suas terras como direitos originários e imprescritíveis.

Na avaliação dos indígenas, nada justifica a paralisação das demarcações das terras e denunciam os interesses do governo federal, de grandes conglomerados empresariais e investidores, nacionais e internacionais, da mineração e do agronegócio em explorar ilegalmente as terras indígenas.

“Marco temporal é a tese anti-indígena defendida pela bancada ruralista. Os povos indígenas defendem que o STF reafirme a tese do Indigenato”

A caminhada e os rituais sagrados foram realizados seguindo protocolos sanitários de prevenção à covid-19. Foto: Tiago Miotto/Cimi

 

Carta Manifesto 

Durante os dois dias que a delegação esteve em Brasília, em cada lugar em que realizaram suas manifestações e rituais sagrados, também entregaram uma Carta Manifesto. Escrito a partir das definições deliberadas em assembleia pelas lideranças dos povos presentes na capital federal, o documento reafirma suas lutas e direitos.

Como disse Eliseu Lopes, liderança do povo Guarani e Kaiowá, durante manifestação na Praça dos Três Poderes, sair de sua terra e ir até Brasília não era algo planejado no meio da pandemia. 

“Estamos aqui no dia 19 de abril, Dia do Índio, não comemorando, mas em manifesto, pedindo respeito. Nesse pesadelo de pandemia, em que já morreram mais de mil indígena, a gente ainda tem invasores nos territórios, com garimpo, grilagem, arrendamento. Não estamos aguentando isso. Precisamos sair das áreas para vir aqui dizer que estamos morrendo”, denuncia.

“Estamos aqui no dia 19 de abril, Dia do Índio, não comemorando, mas em manifesto, pedindo respeito. Não estamos aguentando isso”

Ao retornar aos territórios, cada povo levou uma cópia da Carta Manifesto e dos documentos protocolados. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Na Carta Manifesto, o grupo destaca não aceitar “que um governo genocida, juntamente com políticos ligados ao agronegócio e à mineração, promova armações na tentativa de atacar nossos direitos e tentem criar um ambiente favorável à aprovação de projetos voltados à exploração e à devastação de nossos territórios”. 

Ao retornar aos territórios, cada um dos povos levou uma cópia da Carta Manifesto, que também encontra-se disponível para consulta e download no site do Cimi – Conselho Indigenista Missionário, e demais organizações parceiras.

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