18/02/2021

Invasores devem ser retirados da Terra Indígena Urubu Branco, confirma STF

Após disputa judicial de quase vinte anos e com parte do seu território tradicional ocupado por não-indígenas, decisão foi comemorada pelo povo Apyãwa

Festa tradicional de Iraxao (Aruanã), do povo Apyãwa, na Terra Indígena Urubu Branco. Foto: Kamoriwa'i Elber Tapirapé

Festa tradicional de Iraxao (Aruanã), do povo Apyãwa, na Terra Indígena Urubu Branco. Foto: Kamoriwa’i Elber Tapirapé

Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Uma luta antiga do povo Tapirapé, autodenominado Apyãwa, pode finalmente estar chegando ao fim. No dia 10 de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, confirmou a decisão que determina a retirada dos não-indígenas do interior da Terra Indígena (TI) Urubu Branco, em Mato Grosso, pondo fim a uma disputa judicial que se desenrola desde 2003.

“A notícia da decisão e determinação do STF em relação à retirada dos invasores não-indígenas do nosso território nos deixou muito alegres, após 18 anos de luta. A gente agradece muito as instituições que nos ajudaram na luta por essa desintrusão até agora. Ficamos muito contentes com essa decisão, que vai deixar a terra indígena para os Tapirapé, nos livrando dessa invasão que sempre nos deixou muito preocupados. Agora, é fazer com que isso aconteça de fato”, comemora Kamoriwai’i Elber Tapirapé, cacique-geral do povo Apyãwa.

O ministro Luiz Fux confirmou a decisão que havia sido concedida em julho do ano passado pelo ministro Dias Toffoli, então presidente da Corte, suspendendo os efeitos da liminar que impedia a retirada dos não-indígenas da TI Urubu Branco.

A origem da disputa no Judiciário remonta a 2003, quando o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Civil Pública pedindo a retirada dos não-indígenas de dentro da TI Urubu Branco, homologada e registrada pela União no ano de 1998 com 167,5 mil hectares.

A Justiça Federal determinou a desintrusão da terra indígena, mas os fazendeiros recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) e e obtiveram uma liminar que suspendeu a remoção e garantiu sua permanência no interior da terra demarcada.

No ano passado, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, solicitou a suspensão da liminar do TRF-1, e teve seu pedido acatado pelo ministro Dias Toffoli. Os fazendeiros que ocupam a porção norte do território Apyãwa recorreram da decisão do STF, e a recente decisão de Fux negou o recurso dos fazendeiros.

“A decisão do STF garantindo a retirada dos invasores da TI Urubu Branco é de extrema importância, tendo em vista que a manutenção desses invasores com liminares tem significado a destruição de parte da terra indígena”

Devastação causada pelas queimadas na TI Urubu Branco, em setembro de 2019. Segundo os indígenas, incêndios foram iniciados por ação de fazendeiros e posseiros que ocupam a terra demarcada. Foto: povo Tapirapé

Devastação causada pelas queimadas na TI Urubu Branco, em setembro de 2019. Segundo os indígenas, incêndios foram iniciados por ação de fazendeiros e posseiros que ocupam a terra demarcada. Foto: povo Tapirapé

Ao longo dos anos de morosidade no processo, idas e vindas da Justiça acabaram fomentando novas invasões ao território Tapirapé e gerando insegurança e preocupação para o povo.

“Teve pessoas que foram indenizadas, mas voltaram para a área. Alguns até hoje estão no território, mas outros voltaram somente para comercializar a posse deles, acabaram vendendo para outras pessoas que hoje estão lá. Alguns lotearam uma das partes do nosso território, aproveitando a carona do pessoal que estava segurado pela liminar. Houve a grilagem e teve até problema entre eles, mesmo com o território já demarcado e homologado”, relata Kamoriwai’i Tapirapé.

O cacique-geral do povo Apyãwa conta que o desmatamento, o arrendamento para criadores de gado, a destruição de locais sagrados, a poluição dos córregos e até ameaças ao povo estão entre os principais problemas causados pela presença dos não-indígenas.

O risco de conflitos violentos, inclusive, é abordado pelo ministro Luiz Fux em sua decisão (leia aqui), na qual afirma que a situação poderia se agravar “em caso de não efetivação da decisão judicial” de desintrusão, com “risco de grave lesão à ordem pública”. O presidente da Suprema Corte também destaca  a “existência de demarcação e reconhecimento oficial da tradicionalidade da ocupação” da TI Urubu Branco pelos Tapirapé.

“A esperança é que a decisão seja cumprida o quanto antes e o povo Tapirapé, autodenominado Apyãwa, possa ter o usufruto exclusivo e total do seu território depois de tantos anos, podendo transitar dentro dele com tranquilidade”

Madeira apreendida em operação da Polícia Civil na TI Urubu Branco, em maio de 2020. Foto: povo Tapirapé

Madeira apreendida em operação da Polícia Civil na TI Urubu Branco, em maio de 2020. Foto: povo Tapirapé

A retirada ilegal de madeira também é um problema constante e continuou ocorrendo mesmo durante a pandemia de covid-19. Em maio do ano passado, uma operação de fiscalização apreendeu madeireiros no interior da terra indígena, num acampamento com motosserras e muitas toras de pau-brasil.

“Nesse tempo de pandemia, mesmo após o início da vacinação a manutenção dos invasores tem gerado uma insegurança para o povo, tanto pela questão da contaminação quanto, principalmente, por conta da exploração do seu território”, avalia Gilberto Vieira dos Santos, coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso.

“A decisão do STF garantindo a retirada dos invasores da TI Urubu Branco é de extrema importância, tendo em vista que a manutenção desses invasores por década, praticamente, com liminares, tem significado a destruição de parte da terra indígena pela exploração de madeira, desmatamento para pastagem, com a construção de casas, inclusive, numa parte da área norte onde está invadida há algum tempo a terra indígena”, destaca o missionário.

A consolidação das invasões com a construção de infraestrutura dentro da terra indígena foi uma das motivações para que o MPF movesse uma nova Ação Civil Pública, em 2019, pedindo à União e à Funai indenização pelos danos causados ao povo Tapirapé.

O MPF também ingressou com uma ação contra a Energisa, empresa que forneceu energia elétrica ilegalmente aos invasores da TI Urubu Branco. Segundo o órgão, a eletrificação gerou “uma percepção de regularidade para os ocupantes desta área, o que contribui para a valorização das posses, ainda que ilícitas, e sua negociação por parte dos grileiros”.

“Esse referendo pelo STF traz enfim um pouco mais de tranquilidade para o povo Apyãwa, que vem denunciando por várias vezes a exploração do território por esses invasores, e também a questão do fogo, que nos anos de 2019 e 2020 prejudicou o povo, por ter se alastrado em boa parte dessa área onde há invasão, mas também em alguns outros pontos da terra indígena”, avalia o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso.

“A esperança é que a decisão seja cumprida o quanto antes e o povo Tapirapé, autodenominado Apyãwa, possa ter o usufruto exclusivo e total do seu território depois de tantos anos, podendo transitar dentro dele com tranquilidade”, reitera.

“A gente sempre acreditou que iria ter nosso território tradicional, em que nossos avós estiveram. Isso fez com que a gente sempre sonhasse que um dia iríamos ter esse território livre dos invasores. Agora, acreditamos que isso de fato vai acontecer”

Queimadas atingiram grande parte da TI Urubu Branco em setembro de 2019. Segundo os indígenas, incêndios foram iniciados por ação de fazendeiros e posseiros. Foto: povo Tapirapé

Queimadas atingiram grande parte da TI Urubu Branco em setembro de 2019. Segundo os indígenas, incêndios foram iniciados por ação de fazendeiros e posseiros. Foto: povo Tapirapé

Em 2019,  as queimadas atingiram 17% da TI Urubu Branco e, junto às invasões e ao desmatamento, fizeram o cacique-geral afirmar que o futuro do povo Apyãwa estava em risco. Agora, a recente decisão traz ao povo a perspectiva de finalmente ter o território livre e seguro.

“Apesar da morosidade que sempre acontece na decisão judicial, o povo Apyãwa sempre acreditou na Justiça, até porque a Constituição brasileira sempre nos garantiu esse direito. A gente sempre acreditou que a gente iria ter esse direito de ter nosso território tradicional, em que nossos avós estiveram. Isso fez com que a gente sempre sonhasse que um dia iríamos ter esse território livre dos invasores. Agora, acreditamos que isso de fato vai acontecer”, afirma Kamoriwai’i Elber Tapirapé.

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