04/03/2020

Ocupação Mbya Guarani contra devastação de seu território por construtora completa um mês na capital paulista

Indígenas da TI Jaraguá seguem resistindo em ocupação realizada depois de empresa derrubar ilegalmente quatro mil árvores ao lado de suas aldeias

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Por Cimi Regional Sul – equipe São Paulo

No último domingo, dia 1° de março, a ocupação Yary Ty, realizada pelo povo Guarani Mbya num terreno da Construtora Tenda, ao lado da Terra Indígena (TI) Jaraguá, completou um mês.  O protesto Guarani, que começou como um ato ritual de luto pela morte da floresta e dos animais, transformou-se numa grande mobilização em defesa da vida e pelo respeito aos diretos constitucionais dos povos originários.

Tudo se iniciou após a supressão de centenas de árvores nativas para a construção de seis torres de apartamentos, destinados à “moradia popular”. O empreendimento está situado numa área de manancial, remanescente de Mata Atlântica. Conforme declaração da Unesco, esse território compõe o cinturão verde do bioma Mata Atlântica no Estado de São Paulo e, portanto, deve ser preservado. Durante o processo de licenciamento ambiental, a construtora e a Prefeitura do Município de São Paulo não observaram essas recomendações.

Além disso, o terreno está localizado a uma distância de apenas oito metros de uma das aldeias (tekoa) que compõem a TI Jaraguá. Conforme estabelece a Portaria Interministerial 060/2015, alguns procedimentos administrativos devem ser observados, em se tratando de empreendimentos próximos a terras indígenas. O processo de licenciamento ambiental deveria levar em conta o componente indígena, o que não aconteceu.

O MPE-SP chama atenção para o papel de uma das poucas áreas de mata da metrópole na absorção da água das chuvas e na prevenção das “inundações cada vez mais intensas” em São Paulo

A construtora e os órgãos do poder executivo municipal também ignoraram a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Esse tratado internacional prevê a consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas, nos casos em que os empreendimentos afetam direta ou indiretamente o modo de vida dos povos originários e comunidades tradicionais. O embate entre a construtora Tenda e povo Mbya Guarani evidencia a falta de compromisso do poder executivo municipal com os direitos constitucionais dos povos originários e os interesses escusos da empresa, que se materializam numa ação de especulação imobiliária e se valem da precariedade do direito à moradia que acomete milhões de brasileiros.

Para Ministério Público, obra é “inconcebível”

Um parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) sobre o empreendimento afirma que os impactos ambientais “negativos, significativos, irreversíveis e de grande magnitude” sobre o ambiente urbano e a comunidade indígena “constituem impedimentos insuperáveis à implantação do projeto imobiliário”.

O MPE-SP chama atenção para o papel da área de mata, uma das poucas remanescentes na metrópole, na absorção da água das chuvas e na prevenção das “inundações cada vez mais intensas” na cidade de São Paulo, a exemplo da enchente de grandes proporções ocorrida no último dia 10 de fevereiro.

“Esse gravíssimo episódio recente reforça a necessidade de cessação do avanço desenfreado dos projetos imobiliários sobre as já escassas áreas permeáveis e a premência da reparação do meio ambiente degradado com a restituição da cobertura florestal”, afirma o MPE.

Por estes motivos, o órgão afirma considerar “inconcebível a implantação dos condomínios projetados no local”.

Mais uma vez, os Mbya Guarani mostram para as elites e o poder econômico de São Paulo que conhecem os seus direitos constitucionais e não irão se curvar

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Pressão e resistência

Os crimes produzidos pela Tenda e seus corresponsáveis – a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e a Prefeitura de São Paulo – chamam a atenção da sociedade para a avanço do capital financeiro e especulativo sobre os territórios sagrados dos povos originários. Situações como essa multiplicam-se Brasil a fora. A coragem e a resistência dos guardiões da floresta conclamam a sociedade a se juntar na luta pela vida do planeta e a rechaçar um modelo desenvolvimentista predatório que prega o lucro pelo lucro.

Os Xondaros e Xondarias (guerreiros e guerreiras) Guarani decidiram resistir na ocupação e esperar pela reintegração de posse, da qual foram notificados poucos dias após a ocupação e que prevista para o dia 10 de março. Estrategicamente, entendem que a repercussão negativa na mídia dessa ação vai prejudicar, ainda mais, a imagem da Tenda. Acreditam também que esse fato irá sensibilizar a sociedade em torno da criação de um parque ecológico no local do empreendimento. A proposta de um projeto de lei para a criação do Parque Yary Ty no lugar do empreendimento já foi feita na Câmara dos Vereadores.

No dia 4 de março, acontecerá uma audiência de conciliação, última tentativa de diálogo entre as partes. A Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPE), Ministério Público Federal (MPF), assessoria jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) – que representa a comunidade – e algumas associações de juristas irão acompanhar a audiência.

Na ocupação o clima é de teimosia e esperança. Várias ações culturais estão acontecendo no espaço, tais como: oficinas de artesanato; aulas de língua guarani; luau com a cantora Maria Gadu e outros artistas; mutirão de revitalização da nascente; mutirão para ampliação do lago; construção de banheiros ecológicos; cine debates; reuniões com mandados parlamentares; intervenções artísticas com grafiteiros e artistas de rua; entre outras. Vários coletivos, movimentos sociais, entidades indigenistas e de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos se revezam, marcando presença na ocupação.

No próximo dia 8, está prevista a visita de Guilherme Boulos, que promete trazer o apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no dia da reintegração de posse. Lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos também participaram de reuniões com lideranças Guarani e prometem somar na resistência junto à comunidade.

Mais uma vez, os Mbya Guarani mostram sua habilidade de criar fatos políticos, mostrando para as elites e o poder econômico de São Paulo que conhecem os seus direitos constitucionais e não irão se curvar e nem aceitar migalhas em troca da vida da mãe terra.

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