- Cimi - https://cimi.org.br -

Ocupação Mbya Guarani contra devastação de seu território por construtora completa um mês na capital paulista

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Por Cimi Regional Sul – equipe São Paulo

No último domingo, dia 1° de março, a ocupação Yary Ty, realizada pelo povo Guarani Mbya num terreno da Construtora Tenda, ao lado da Terra Indígena (TI) Jaraguá, completou um mês.  O protesto Guarani, que começou como um ato ritual de luto pela morte da floresta e dos animais, transformou-se numa grande mobilização em defesa da vida e pelo respeito aos diretos constitucionais dos povos originários.

Tudo se iniciou após a supressão de centenas de árvores nativas [1] para a construção de seis torres de apartamentos, destinados à “moradia popular”. O empreendimento está situado numa área de manancial, remanescente de Mata Atlântica. Conforme declaração da Unesco, esse território compõe o cinturão verde do bioma Mata Atlântica no Estado de São Paulo e, portanto, deve ser preservado. Durante o processo de licenciamento ambiental, a construtora e a Prefeitura do Município de São Paulo não observaram essas recomendações.

Além disso, o terreno está localizado a uma distância de apenas oito metros de uma das aldeias (tekoa) que compõem a TI Jaraguá. Conforme estabelece a Portaria Interministerial 060/2015, alguns procedimentos administrativos devem ser observados, em se tratando de empreendimentos próximos a terras indígenas. O processo de licenciamento ambiental deveria levar em conta o componente indígena, o que não aconteceu [2].

O MPE-SP chama atenção para o papel de uma das poucas áreas de mata da metrópole na absorção da água das chuvas e na prevenção das “inundações cada vez mais intensas” em São Paulo

A construtora e os órgãos do poder executivo municipal também ignoraram a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Esse tratado internacional prevê a consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas, nos casos em que os empreendimentos afetam direta ou indiretamente o modo de vida dos povos originários e comunidades tradicionais. O embate entre a construtora Tenda e povo Mbya Guarani evidencia a falta de compromisso do poder executivo municipal com os direitos constitucionais dos povos originários e os interesses escusos da empresa, que se materializam numa ação de especulação imobiliária e se valem da precariedade do direito à moradia que acomete milhões de brasileiros.

Para Ministério Público, obra é “inconcebível”

Um parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) [3] sobre o empreendimento afirma que os impactos ambientais “negativos, significativos, irreversíveis e de grande magnitude” sobre o ambiente urbano e a comunidade indígena “constituem impedimentos insuperáveis à implantação do projeto imobiliário”.

O MPE-SP chama atenção para o papel da área de mata, uma das poucas remanescentes na metrópole, na absorção da água das chuvas e na prevenção das “inundações cada vez mais intensas” na cidade de São Paulo, a exemplo da enchente de grandes proporções ocorrida no último dia 10 de fevereiro.

“Esse gravíssimo episódio recente reforça a necessidade de cessação do avanço desenfreado dos projetos imobiliários sobre as já escassas áreas permeáveis e a premência da reparação do meio ambiente degradado com a restituição da cobertura florestal”, afirma o MPE.

Por estes motivos, o órgão afirma considerar “inconcebível a implantação dos condomínios projetados no local”.

Mais uma vez, os Mbya Guarani mostram para as elites e o poder econômico de São Paulo que conhecem os seus direitos constitucionais e não irão se curvar

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Mbya Guarani ocuparam área de Mata Atlântica onde construtora derrubou árvores e pretende erguer condomínio. Foto: Comunidade da Terra Indígena Jaraguá

Pressão e resistência

Os crimes produzidos pela Tenda e seus corresponsáveis – a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e a Prefeitura de São Paulo – chamam a atenção da sociedade para a avanço do capital financeiro e especulativo sobre os territórios sagrados dos povos originários. Situações como essa multiplicam-se Brasil a fora. A coragem e a resistência dos guardiões da floresta conclamam a sociedade a se juntar na luta pela vida do planeta e a rechaçar um modelo desenvolvimentista predatório que prega o lucro pelo lucro.

Os Xondaros e Xondarias (guerreiros e guerreiras) Guarani decidiram resistir na ocupação e esperar pela reintegração de posse, da qual foram notificados poucos dias após a ocupação [4] e que prevista para o dia 10 de março. Estrategicamente, entendem que a repercussão negativa na mídia dessa ação vai prejudicar, ainda mais, a imagem da Tenda. Acreditam também que esse fato irá sensibilizar a sociedade em torno da criação de um parque ecológico no local do empreendimento. A proposta de um projeto de lei para a criação do Parque Yary Ty no lugar do empreendimento já foi feita na Câmara dos Vereadores.

No dia 4 de março, acontecerá uma audiência de conciliação, última tentativa de diálogo entre as partes. A Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPE), Ministério Público Federal (MPF), assessoria jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) – que representa a comunidade – e algumas associações de juristas irão acompanhar a audiência.

Na ocupação o clima é de teimosia e esperança. Várias ações culturais estão acontecendo no espaço, tais como: oficinas de artesanato; aulas de língua guarani; luau com a cantora Maria Gadu e outros artistas; mutirão de revitalização da nascente; mutirão para ampliação do lago; construção de banheiros ecológicos; cine debates; reuniões com mandados parlamentares; intervenções artísticas com grafiteiros e artistas de rua; entre outras. Vários coletivos, movimentos sociais, entidades indigenistas e de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos se revezam, marcando presença na ocupação.

No próximo dia 8, está prevista a visita de Guilherme Boulos, que promete trazer o apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no dia da reintegração de posse. Lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos também participaram de reuniões com lideranças Guarani e prometem somar na resistência junto à comunidade.

Mais uma vez, os Mbya Guarani mostram sua habilidade de criar fatos políticos, mostrando para as elites e o poder econômico de São Paulo que conhecem os seus direitos constitucionais e não irão se curvar e nem aceitar migalhas em troca da vida da mãe terra.