23/05/2019

Comunidade Xokleng é admitida como parte em processo de repercussão geral no STF

Processo de repercussão geral pode definir futuro das terras indígenas no Brasil. No despacho, Cimi também foi admitido como amigo da corte

Lideranças do povo Xokleng, durante audiência no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Lideranças do povo Xokleng, durante audiência no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

O povo Xokleng terá voz no processo do Supremo Tribunal Federal (STF) que poderá definir o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil. A comunidade da Terra Indígena (TI) Ibirama-La Klãnõ, em Santa Catarina, foi admitida como parte no processo que discute a posse de sua terra tradicional e que, em fevereiro de 2019, teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF – o que significa que o caso servirá de referência para todos os demais processos que discutem a temática das terras indígenas.

Em decisão publicada no dia 13 de maio, o relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, emitiu um despacho em que admite a participação da comunidade indígena Xokleng como “litisconsorte passiva necessária”. O termo, conforme explica o assessor jurídico do Cimi e advogado da comunidade indígena, Adelar Cupsinski, significa que o relator reconheceu que a comunidade será afetada diretamente pela decisão que for tomada no processo.

“É uma decisão muito boa, até porque, se está falando sobre a terra, o direito, o conhecimento, o dono da terra deveria sempre ser ouvido”, avalia Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng. “Ficamos tranquilos e satisfeitos, até porque os principais interessados nesse caso somos nós, indígenas”.

Entenda: Caso de repercussão geral no STF pode definir o futuro dos povos indígenas do Brasil

A notificação e habilitação de todas as partes envolvidas é um preceito jurídico básico em qualquer processo judicial, para garantir que o julgamento seja justo e todos tenham direito a defender suas posições. No caso dos povos indígenas, entretanto, o cumprimento deste princípio ainda não é a regra e os povos, de maneira geral, ainda são tratados pelas cortes e juízes como se fossem “tutelados” pelo Estado.

“O Poder Judiciário continuou tratando as comunidades indígenas como tuteladas nos processos. Essa realidade vem mudando aos poucos, a partir da pressão dos indígenas”

“Até 1988, as comunidades indígenas não podiam constituir advogados, não podiam ingressar em juízo para defender os seus direitos, porque não eram reconhecidas como sujeitos de direito. Nesse processo, sofreram grandes prejuízos” explica Cupsinski.

O paradigma da tutela foi rompido pela Constituição de 1988, que reconheceu às comunidades indígenas o direito de ingressarem em juízo. Na prática, entretanto, até recentemente pouco havia mudado.

“As comunidades indígenas continuaram sendo tratadas como se fossem tuteladas nos processos que tramitam em todo o Poder Judiciário brasileiro”, prossegue o advogado. “Essa é uma realidade que vem mudando aos poucos, a partir da própria pressão dos indígenas por representação dentro dos processos judiciais”.

O artigo 232 da Constituição Federal, que trata exatamente deste ponto, é mencionado por Fachin em seu despacho.

“Qualquer decisão a ser proferida no presente feito tem o potencial de atingir a esfera de direitos dos índios da Comunidade Indígena Xokleng”, sustenta o ministro, justificando sua decisão de admitir a participação dos indígenas no processo.

“Esse julgamento pode pacificar os direitos indígenas no âmbito do Poder Judiciário”

Indígenas manifestam-se em frente ao STF. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Indígenas manifestam-se em frente ao STF. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Repercussão geral

O processo em que a comunidade Xokleng foi admitida como parte é o Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que teve a repercussão geral reconhecida pelo STF. Trata-se de uma reintegração de posse movida pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que ocupam uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional.

A área em questão é parte do território que foi subtraído dos Xokleng ao longo do século XX e acabou ficando ficou de fora da demarcação da TI Ibirama-La Klãnõ. A revisão dos limites da terra, cobrada há anos pelos indígenas, já teve o estudo concluído pela Funai e a portaria declarada pelo Ministério da Justiça.

Na decisão em que a repercussão geral do caso é reconhecida pelo STF, o ministro Fachin argumenta que uma decisão definitiva sobre o tema das terras indígenas é necessária, pois os conflitos vêm se agravando e o assunto não se encontra pacificado “na sociedade e nem mesmo no Poder Judiciário”.

Além dos reflexos imediatos sobre o caso específico do povo Xokleng, a repercussão geral significa que a decisão tomada pelo STF também terá consequências sobre todos os casos envolvendo terras indígenas no Brasil.

“Esse julgado pode pacificar os direitos indígenas no âmbito do Poder Judiciário, tanto quanto as questões pertinentes aos direitos indígenas sobre o território, costumes, usufruto exclusivo das terras demarcadas”, explica Adelar Cupsinski.

A Suprema Corte poderá tomar uma decisão definitiva acerca do direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras tradicionais e do próprio conceito de terra tradicional. O acórdão da decisão que admitiu a repercussão geral do caso sinaliza que a disputa entre o conceito de “direito originário” e a tese restritiva do marco temporal, defendida por ruralistas, deverá entrar na pauta do julgamento.

Portanto, além dos casos que tramitam nas várias instâncias do Judiciário, o julgamento também poderá impactar projetos de lei, procedimentos de demarcação em andamento e medidas administrativas, como o Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU).

“Esperamos que, nesse julgado, o acesso à justiça para as comunidades indígenas seja englobado também e definido em todo âmbito do Poder Judiciário”

Edson Fachin ouve a fala de Brasílio Priprá, representante do povo Xokleng. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Edson Fachin ouve a fala de Brasílio Priprá, representante do povo Xokleng em audiência realizada no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Acesso à Justiça

O reconhecimento da comunidade indígena como parte ativa no processo traz a possibilidade de que o tema do acesso à justiça por comunidades indígenas também seja objeto de uma definição da Corte.

“O acesso à justiça é um fundamento bastante amplo, ligado à dignidade da pessoa humana. Esperamos que, nesse julgado, a matéria seja englobada também e definido em todo âmbito do Poder Judiciário”, afirma Adelar Cupsinski.

“Tomara que isso venha a acontecer nos casos de outros povos e outras terras indígenas também”, afirma Brasílio Priprá. “É uma referência e uma decisão que deixa a gente crer que é nessa linha que o judiciário vai seguir nos próximos processos”.

A comunidade indígena Xokleng também teve sua participação como litisconsorte passiva necessária admitida em outro processo, a Ação Cível Originária (ACO) 1100. Também sob relatoria de Fachin, a ação discute, igualmente, a demarcação da TI Ibirama-La Klãnõ. Além de garantir a voz e a manifestação dos indígenas ao longo do trâmite do processo, a participação dos indígenas tem garantido avanços e até abriu a oportunidade de um possível acordo entre as partes.

Indígenas acompanham audiência do caso Xokleng no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Indígenas acompanham audiência no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Amigo da corte

Em seu despacho do dia 13, o ministro Edson Fachin também admitiu a participação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no processo, como amicus curiae – ou, em português, “amigo da corte”.

O ministro atendeu ao pedido da organização para contribuir com o julgamento, reconhecendo a “evidente representatividade” do Cimi na temática e apontando que “sua atuação no feito tem a possibilidade de enriquecer o debate e assim auxiliar a Corte na formação de sua convicção”.

“Consideramos que este julgamento é de extrema importância para o presente e o futuro dos povos indígenas do Brasil”, afirma o Secretário Executivo do Cimi, Cleber Buzatto. “Também salientamos nossa disposição em contribuir com a Corte, em busca de uma solução definitiva para garantir o respeito à Constituição Federal e aos direitos originários dos povos indígenas”.

Na decisão em que reconhece a repercussão geral do caso, os ministros também salientam a importância da “ampla participação de todos os setores interessados”, em função de sua relevância jurídica e social.

O ministro Edson Fachin também determinou, em seu despacho do dia 13, o envio do processo à Procuradoria-Geral da República, para que o órgão manifeste sua posição sobre o tema.

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