22/05/2019

Com risco de retrocesso, Frente Parlamentar defende demarcações e Funai no Ministério da Justiça

MP 870, que tirou Funai da Justiça e entregou demarcações aos ruralistas, está na pauta de votação no plenário da Câmara

Indígenas manifestam-se em frente aos espelhos d'água do MJ durante o ATL 2019. Lideranças buscaram audiência, mas não foram recebidas por Moro. Foto: Christian Braga/MNI

Indígenas manifestam-se em frente aos espelhos d’água do MJ durante o ATL 2019. Foto: Christian Braga/MNI

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Indígenas emitiu hoje (22) uma nota em que reafirma a importância de que as demarcações de terras indígenas fiquem com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e que o órgão, por sua vez, volte a ser vinculado ao Ministério da Justiça (MJ). A Medida Provisória (MP) 870, que vinculou a Funai ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e jogou as demarcações para o Ministério da Agricultura, pode ser votada no plenário da Câmara a qualquer momento.

No dia 9 de maio, a Comissão Mista que analisava a MP aprovou o retorno da competência de demarcar terras indígenas à Funai e a volta da Funai ao MJ, como tem reivindicado o movimento indígena desde o final do ano passado, quando a mudança na estrutura do órgão indigenista ainda não era oficial.

Apesar da votação na Comissão ter sido comemorada pelos povos indígenas e apoiadores da causa, ainda há outras etapas até que a medida seja definitivamente revertida: a MP 870 ainda precisa ser analisada nos plenários da Câmara e do Senado e, por fim, sancionada pelo Presidente da República. Se não for aprovada até o dia 3 de junho, a MP 870 perde validade.

Uma das principais críticas à medida é que, além de ter desmembrado a Funai, órgão com reconhecida especialização para tratar das questões indígenas, o governo Bolsonaro entregou sua principal atribuição – a de demarcar as terras indígenas – aos ruralistas, inimigos declarados dos povos indígenas.

Por meio de propostas legislativas e atuação jurídica, os ruralistas vêm atuando fortemente, nos últimos anos, para inviabilizar novas demarcações de terras indígenas e reverter as que já foram concluídas.

A existência de claro conflito de interesses entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e os povos indígenas é apontada pelo movimento indígena, por organizações indigenistas e pelo próprio Ministério Público Federal (MPF). Por conta disso, também chegou a ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), onde uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema ainda tramita.

A luta contra a MP 870 foi uma das principais pautas do Acampamento Terra Livre (ATL) 2019. Durante a mobilização nacional, lideranças reuniram-se com os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que se comprometeram a atuar para que a Funai retorne ao Ministério da Justiça com a competência de demarcar terras indígenas.

Desde então, indígenas tem marcado presença no Congresso Nacional e buscado o apoio de parlamentares para devolver a Funai e as demarcações ao MJ. Na semana passada, uma delegação de lideranças indígenas do Acre e sul do Amazonas cobrou deputados e deputadas de sua região.

“Há um óbvio conflito de interesses sobre demarcação das terras indígenas no Ministério da Agricultura. A demarcação das terras indígenas deve ser mantida na FUNAI, e esta no Ministério da Justiça”

Chiquinho Arara, cacique-geral do povo Apolima-Arara, participou da delegação de lideranças que foi a Brasília cobrar demarcação. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Chiquinho Arara, cacique-geral do povo Apolima-Arara, do Acre, esteve em Brasília junto a lideranças que cobraram demarcação de terras indígenas e a reversão da MP 870. Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Desmembrar a Funai é o mesmo que se tivesse despenado uma galinha, esquartejado um animal. Não dá certo e deixa a desejar, por isso nossa luta é a continuidade da Funai no Ministério da Justiça”, afirmou Chiquinho Arara, cacique-geral do povo Apolima-Arara, do Acre, que integrou o grupo presente em Brasília.

Informações sobre um possível acordo entre o governo Bolsonaro e o chamado “centrão” – conjunto de partidos fisiológicos de centro-direita que, juntos, formam maioria na Câmara – para a votação da MP 870 circulam na imprensa, trazendo incertezas e risco de retrocesso nas vitórias obtidas na votação da Comissão Mista.

“Existe o risco de os deputados quererem votar o texto original e ignorar o texto que foi aprovado na Comissão Mista, que reverteu as mudanças originais da MP. Isso seria muito prejudicial aos povos indígenas”, avalia Vanessa Araújo, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Também há a possibilidade da bancada ruralista pedir destaque do relatório, para votar em separado a questão das demarcações. Tudo vai depender do andamento da votação”.

“A demarcação das terras indígenas deve ser mantida na Funai, e esta no Ministério da Justiça, para dar maior segurança jurídica e garantia dos direitos constitucionais”, afirma a nota da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Indígenas.

Confira a nota abaixo, na íntegra:

Nota da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas:

A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas considerando que a MP 870/2019 estará em pauta na plenária da Câmara dos Deputados hoje, 22, vem se manifestar pela importância de demarcação das terras indígenas para permanecer como função institucional da Funai, e pela Funai no Ministério da Justiça.

A Constituição garante aos povos indígenas o direito as suas terras como direito fundamental que assegura a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas. A terra indígena não é um valor meramente econômico ou bem material, mas é a própria vida dos povos indígenas.

A demarcação das terras indígenas tem uma legislação específica que estabelece que deva ser executada pelo órgão indígena Funai, pois existem particularidades que asseguram serem considerados os direitos indígenas, sua coletividade, e critérios específicos à cultura e organização social dos povos indígenas. Além disso, há um óbvio conflito de interesses sobre demarcação das terras indígenas no Mapa que mantém políticas de apoio ao agronegócio que conflitam com o direito indígena.

A Funai teve todo investimento governamental para tratar como assunto técnico que foi acumulada desde a SPI e tem a cultura de diálogo com os povos indígenas. Precisa- se garantir as políticas indigenistas conquistadas nos últimos 30 anos de Constituição.

Assim, a demarcação das terras indígenas deve ser mantida na FUNAI, e esta no Ministério da Justiça, para darem maior segurança jurídica e garantia dos direitos constitucionais.

Brasília, 22 de maio de 2019.

Joenia Wapichana
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas

Câmara dos Deputados

 

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