Informe nº 803 – Indígenas cobram do Estado aplicação da Declaração da ONU sobre direitos indígenas
Entre 13 e 14 de fevereiro, 61 indígenas do Brasil e de outros países da América Latina se reuniram em Brasília para discutir como as definições da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas podem ser incorporadas pelo Estado brasileiro. Representantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário foram convidados pelos indígenas para participar das discussões.
Um dos desafios para se conseguir a implementação da Declaração no Brasil, segundo Conceição Pitaguary, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), é fazer com que as informações cheguem às comunidades indígenas. Visando isso, foi lançado, no dia 12 de fevereiro, o livro “Um olhar Indígena sobre a Declaração das Nações Unidas”.
O livro é uma versão em português do documento com textos que esclarecem os significados dos artigos contidos na Declaração. Além disso, os indígenas planejam fazer encontros regionais para discutirem e entenderem melhor a Declaração. E, nos debates sobre o Estatuto dos Povos Indígenas, também usarão a Declaração como uma das referências.
“Façam com que isso vire lei, como aconteceu na Bolívia, e com que seja cumprido”, disse Jecinaldo Sateré Mawé, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), ao entregar uma cópia do livro aos representantes do Estado que foram ao evento.
A senadora Fátima Cleide (PT-RO) se comprometeu a pedir uma audiência pública no Senado para discutir o conteúdo da Declaração com os outros senadores. Manuel Castilho, secretário-geral da presidência do Supremo Tribunal Federal, levará ao órgão a proposta de socializar mais o teor da Declaração dentro do Judiciário. “Ainda há juízes que não reconhecem a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] como lei, queremos que o conteúdo da Declaração seja visto como direito nosso”, reforçou Sandro Tuxá, da Apoinme.
Os participantes indígenas reclamaram a ausência de representantes do poder Executivo durante as discussões, especialmente sobre o PAC, e os encaminhamentos de propostas. Eles registraram no documento final esta omissão e pediram mais respeito aos povos indígenas.
Os oponentes da Declaração têm argumentado, em diversos países da América Latina, que ela não tem poder de lei, não é vinculante. “A Declaração Universal dos Direitos Humanos também não é vinculante e é mãe de tantas leis pelo mundo”, lembrou Juan Leon Alvarado, do povo Maya-Quiché, embaixador da Guatemala no Equador e ex-presidente da Comissão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que discute a Declaração Americana sobre os direitos dos povos Indígenas.
O evento foi organizado pela Apoinme, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indígena de Roraima (Cir) e Instituto Warã.
Declaração
A Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada em 13 de setembro de 2007 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, após 20 anos de discussões entre os países e pressão dos indígenas. Nela são tratados os direitos dos povos à livre determinação dos povos indígenas; à terra, aos territórios e aos recursos naturais; ao consentimento prévio, livre e informado; às normas não escritas que regem internamente a vida das comunidades indígenas; à propriedade intelectual.
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“Copo d’água para quem tem sede é papo furado”, diz Ciro em audiência sobre Transposição
Hoje (14/02), em uma audiência no Senado Federal sobre a transposição do rio São Francisco, o deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), ao defender o projeto, assumiu que as populações difusas pelo semi-árido brasileiro não serão beneficiadas. Participaram da audiência Dom Luiz Cappio, bispo de Barra (Bahia) e o ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima, entre outros.
Em sua fala, Dom Luiz mostrou que a transposição beneficiará os grandes produtores nordestinos, em detrimento da população sertaneja que não tem acesso à água. Ele comparou o projeto com alternativas propostas para a região como as obras do Atlas Nordeste, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas, do próprio governo federal. Enquanto com a transposição se pretende atender 12 milhões de pessoas em 4 estados, o Atlas pode beneficiar 34 milhões de pessoas em 10 estados. Ele reforçou que o projeto de transposição tem fins econômicos, para a produção de frutas para exportação e criação de camarão em cativeiro.
O bispo reafirmou que o governo faz uma propaganda enganosa em torno da transposição. “O projeto é antiético, pois usa a boa-fé das pessoas. A população deveria ser prioridade, se fosse assim, seríamos a favor”, disse.
Ciro Gomes defendeu o projeto, dizendo que há vazão suficiente no rio para se retirar os 26m³/seg previstos para a transposição, sem prejudicar nenhuma funcionalidade do rio. Por outro lado reconheceu que “essa conversa mole de ‘um copo d’água pra quem tem sede’ isso tudo é papo furado. Não é a redenção do nordeste, nem nada, mas resolve a questão da segurança do abastecimento humano e dessedentação animal de 12 milhões de pessoas na área de influência do projeto”, disse o deputado.
“Para chegar a 12 milhões, eles consideram cidades de médio e grande porte como Fortaleza, Mossoró, João Pessoa… cidades que não vivem situações alarmantes de seca. Quando falam de segurança hídrica, significa que a água vai para a onde ela já está concentrada”, rebate Luciano Silveira, da coordenação da Articulação do Semi-Árido (ASA), lembrando que, pela primeira vez, os defensores do projeto assumem que a população difusa no semi-árido continuará excluída.
Mais debates
Ao final das cerca de 5 horas de debates, foi tirado como encaminhamento que um novo debate para maiores esclarecimentos deve ocorrer no Senado. Além disso, uma comissão de senadores deve visitar o São Francisco em julho.
“Hoje foi um dia de cidadania. Pena que está sendo depois das obras terem começado”, disse Dom Luiz ao agradecer a oportunidade. Em 2005, após o primeiro jejum de Dom Luiz em protesto contra a transposição, Lula havia se comprometido a debater o projeto antes do início das obras.
Com informações de Renina Valejo – Cáritas
Brasília, 14 de fevereiro de 2008.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário