03/02/2005

Informe n° 649

Diminuição da mortalidade infantil no MS depende de terra, proteção ambiental e alternativas de produção


 


A alta taxa de mortalidade infantil em Mato Grosso do Sul finalmente conseguiu a atenção da mídia e de órgãos públicos. Na região de Dourados, sul do estado, o número de crianças mortas antes de completar um ano chegou a 140 por mil nascidas vivas em 1999, caiu para 46 em 2003 e voltou a crescer para 64 óbitos por mil em 2004. Em todo o Mato Grosso do Sul, a média indígena ficou em 33,25 óbitos por mil. A média geral de mortalidade infantil no Brasil foi de aproximadamente 24 por mil em 2003.


 


A denúncia sobre as mortes no MS foi feita pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena e está sendo apurada pelo Ministério Público Federal. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome criaram equipes para avaliar e acompanhar a situação.


 



“Os números da mortalidade infantil em Dourados são reveladores da situação caótica pela qual passam os Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul, em função do processo histórico de espoliação quase total dos seus territórios e da falta de vontade política do governo de buscar soluções definitivas para a questão da terra”, afirma Egon Heck, que atua no regional Mato Grosso do Sul, do Cimi.


 


Para Heck, a superação dos problemas de alimentação das crianças passa por três questões fundamentais: a demarcação e homologação das terras, a proteção ambiental e a criação de alternativas para a produção de alimentos dentro dos territórios indígenas. Programas assistenciais como o Fome Zero Indígena podem, bem administrados, amenizar o problema a curto prazo, mas a situação em Mato Grosso do Sul está ligada a uma violência estrutural, gerada pela falta de terra e de atendimento aos direitos básicos dos cidadãos indígenas. “A violência estrutural se reflete na fome, desnutrição e na violência física”, afirma Heck.


 


Na terra indígena Dourados, de 3.475 hectares, vivem cerca de 10.000 indígenas dos povos Guarani-Kaiowá e Terena. A área é pequena para o tamanho da população e os espaços que existem para a produção de alimentos são degradados.


 


A situação de confinamento em áreas pequenas se repete em todo o Mato Grosso do Sul. Entre os exemplos, destaca-se a disputa entre fazendeiros e indígenas que ocorre na terra Nhande Ru Marangatu, onde os índios estão na iminência de serem expulsos de áreas demarcadas, graças a decisões judiciais que favorecem  fazendeiros da região. Ali, a reintegração de posse – que pode ocorrer ainda em fevereiro – levará à destruição de plantações de mandioca feitas pelos indígenas, agravando o problema da falta de alimentos. “Esta terra aguarda apenas a homologação do Presidente da República. Nenhuma área do Mato Grosso do Sul foi homologada neste governo”, afirma o procurador da República em Mato Grosso do Sul, Charles Pessoa.


 


O procurador afirma que são muitas as causas da mortalidade infantil no estado. Há, por exemplo, dificuldades para que os índios recebam cestas básicas. Muitos não possuem documentos, que não são expedidos pelos postos da Funai para crianças com mais de doze anos por uma determinação de gestões anteriores do órgão indigenista oficial. 


 


Em Minas Gerais, criança Maxakali morre por falta de atendimento médico


 


Uma criança indígena do povo Maxakali faleceu em 9 de janeiro, depois de ter apresentado diarréia e febre alta. A equipe do Cimi que trabalha na região esteve na área Maxakali em 12 de janeiro e tomou conhecimento de mais três crianças necessitando de transporte para que fossem atendidas no município de Santa Helena de Minas. Uma das crianças tinha febre alta e diarréia, outra tinha diarréia com sangramento e a terceira apresentava sintomas de catapora.


 


A equipe de saúde que deveria fazer o atendimento nas aldeias está ausente da área Maxakali desde novembro de 2004, e não há veículos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para transportar os indígenas doentes até o município de Santa Helena de Minas, onde fica o pólo-base mais próximo. Pólo-base é a segunda instância de atendimento à saúde, depois dos postos de saúde localizados nas aldeias.


 


“Tem dinheiro pra saúde? Tem plantão? Como é que fica? Antigamente não tinha Funasa e Maxakali não morria doente. Tinha a mata pra fazer remédio. Agora não tem mais mata, tem Funasa, e os Maxakali estão morrendo… como é que fica? Maxakali tem que ser bem tratado. Tem dinheiro pra isso, sim”, questiona a liderança Noêmia Maxakali, da aldeia de Água Boa. 


 


A missionária Gilse Freire informa que entrou em contato com a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) em Governador Valadares e que o órgão alega falta de recursos para manter o transporte na área Maxakali e para garantir o abastecimento de medicamentos no pólo-base.


 


A equipe do Cimi na região relata que não há plantão de médicos no pólo-base e que falta energia elétrica no prédio, o que faz com que equipamentos médicos e computadores estejam parados.


 


Os indígenas já encaminharam denúncias ao Ministério Público Federal e estão convocando uma audiência pública para 23 de fevereiro de 2005, na terra indígena Maxakali.


 


Conforme dados das lideranças daquele povo, em 2004 morreram 25 crianças na terra indígena Maxakali, que tem uma população de aproximadamente 1.200 pessoas.


 


 


FSM 2005: Povos trocam experiências entre si e buscam diálogo com não índios


 


No penúltimo dia do Fórum Social Mundial, 30 de janeiro, os indígenas saíram do Puxirum de Artes e Saberes – espaço que concentrou grande parte da programação do Fórum ligada a temas indígenas – e caminharam por todo o “território social mundial” distribuindo o segundo manifesto produzido pelos povos brasileiros presentes ao evento, no qual apresentavam propostas para uma mudança efetiva na política indigenista nacional. 


 


Entre as propostas, estava a de reformulação da política indigenista oficial, através da criação de uma secretaria especial, com status de Ministério, diretamente ligada à Presidência da República, e a instituição de um Conselho Nacional de Política Indigenista, com participação paritária dos indígenas. No documento, eles solicitam também “a manifestação pública do governo federal, como responsável pela proteção de todos os bens indígenas, contra a aprovação pelo Congresso do PLS 188, que pretende fazer retroceder todos os procedimentos demarcatórios ainda não concluídos a fase inicial para que os limites das nossas terras possam ser negociados em função dos interesses econômicos e políticos representados no Senado Federal”.


 


No manifesto anterior, lançado em 28 de janeiro, os indígenas denunciavam a persistência, a “omissão,  descaso e morosidade do governo em garantir a demarcação de nossas terras”.


 


A caminhada foi uma tentativa de dialogar com participantes de outros espaços do Fórum, já que o Puxirum ficava em um dos extremos do “território social mundial”, o espaço onde aconteceram as atividades do V FSM, construído na margem do Rio Guaíba, em Porto Alegre.


 


“O Puxirum estava meio isolado e a caminhada marcou a presença indígena no Fórum. Foi uma forma de dizer os povos indígenas estão aqui, estão organizados e lutando pelos seus direitos”, avalia Gilberto dos Santos, missionário do Cimi.


 


A concentração dos indígenas em um só espaço foi avaliada como positiva por diversas lideranças. “Foi boa a oportunidade de estar junto com outros companheiros do continente americano para discutir os problemas comuns que estamos passando, a questão das invasões de território, a não demarcação de terras indígenas, o atropelo do projeto neoliberal que avança sobre as terras”, afirma Antonio Veríssimo Apinajé, de Tocantins.


 


A relação entre os indígenas latino-americanos e a necessidade de aproximação dos indígenas brasileiros com outros movimentos sociais também foram ressaltadas por Antônio Apinajé.


 


Veja abaixo entrevista com o indígena Antônio Apinajé sobre o significado do Fórum:


 


Como o Sr. avalia a participação indígena no Fórum?


Eu senti uma espiritualidade muito grande nesse quinto Fórum. Senti que o povo indígena realmente está vivo e consegue imprimir e escrever sua própria história. Neste momento em que o projeto dominante quer impor sua cultura, seu conhecimento, suas tecnologias, nosso povo indígena mostra também que nós temos conhecimento e este conhecimento pode contribuir para a gente reinventar a situação que a gente está vivendo no mundo, para construir uma terra sem males. O planeta não agüenta mais tanta exploração e podemos contribuir para que ele viva mais.


 


O que foi interessante deste contato com outros povos latino-americanos?


Ouvir testemunhos como os da Bolívia, do Equador, onde os índios são a maioria do povo. No Equador eles tiveram importantes vitórias políticas. Conseguiram tirar um presidente que não correspondia aos interesses dos povos indígenas e colocaram outro, mas este mesmo está sendo subordinado ao grande capital. No Brasil, os povos indígenas são poucos, e eu acho que temos que nos unir também com os movimentos sociais e sermos mais duros nas lutas.


 


O que você acha que fica de mais importante do Fórum?


Acho que sai pouco do Fórum para avançar nas políticas, porque os governos estão bem estruturados com sua máquina. Acho que o Fórum foi mais uma reunião de troca de experiências entre os povos indígenas do mundo inteiro. Mas acho que é importante pra gente avançar e conseguir mostrar para o projeto dominante, para o império que está aí, que estamos mais unidos, mais organizados.


 


 


Brasília, 3 de fevereiro de 2005



 

Fonte: Cimi
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