• 11/07/2008

    Operação em Juara retira 51 pessoas de trabalho degradante

     


    “Alojados” em barracas, trabalhadores viviam sem condições de higiene e bebiam da mesma água do gado. Dono da fazenda não quis assinar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e deve responder por dano moral coletivo


    Por Christiane Peres


    Troncos fincados no chão sustentavam a lona preta dos barracões que abrigavam 51 trabalhadores em fazenda no interior do Mato Grosso. As pessoas que viviam no local estavam expostas ao frio, à chuva, a picadas de insetos e a qualquer outra doença que quisesse se aproximar. O “alojamento” também não oferecia água potável, sanitários, armários ou camas. Depois de horas de trabalho no roço e limpeza de pastos, eles descansavam seus corpos em redes amarradas às toras de sustentação do barraco ou mesmo no tecido estendido pelo chão de terra batida. A água que matava a sede, cozinhava e banhava os trabalhadores era a mesma que servia o gado.

    Foi essa a situação encontrada pela fiscalização ao chegar na Fazenda Rio Mutuca, localizada nas proximidades de Juara (MT), entre os dias 19 e 20 de junho. A ação do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 51 trabalhadores de trabalho degradante.


    Todos os resgatados foram conduzidos até o município de Juruena (MT), onde a empreitada concluída foi devidamente registrada em carteira e as guias para o recebimento do seguro-desemprego, preenchidas. As verbas rescisórias somaram R$ 251 mil – R$ 43,5 mil desse total relativos a danos morais individuais. Foram lavrados 16 autos de infração, cujos valores podem chegar a R$ 100 mil. O proprietário da fazenda, Luiz Alcir de Moraes, já com mais de 70 anos, delegava a administração do latifúndio de 12 mil hectares ao filho Luiz André, que esteve presente durante a fiscalização. Contudo, foi Luiz Alcir que se recusou a assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), o que abre espaço para uma ação civil pública por danos coletivos.








    Para procurador do trabalho, o calor debaixo dos barracos de lona era “insuportável” (Foto: MTE)
    “Essas pessoas estavam submetidas a situações desumanas de trabalho e habitação. Era insuportável ficar embaixo daqueles barracos. Fazia um calor imenso. Além disso, eles bebiam uma água turva, completamente imprópria para consumo. Uma situação chocante”, relembra o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campo Grande (MS), Heiler Natali.

    Segundo ele, o dono da fazenda achou o valor proposto no TAC muito elevado. “Não houve consenso com relação aos danos morais coletivos. Então, será ajuizada uma ação civil pública num valor superior a R$ 1 milhão. E em juízo, a gente vai ver no que vai dar”, alerta o procurador. “Pelo filho, ele firmava o TAC, mas o pai não compreendeu a necessidade de reparação da sociedade pelo dano sofrido tendo em seu convívio pessoas que submetem seus iguais a condições análogas ao de escravo em pleno século XXI”.


    Os valores de uma reparação por danos morais, individual ou coletivo, são fixados com base em parâmetros estabelecidos pelos tribunais. Os principais critérios são a gravidade e extensão do dano, potencial ofensivo do dano e o porte econômico do ofensor. “Esses são os requisitos que gravitam na mente de qualquer um que vai fixar indenizações por danos morais. Com base nesses fatores, nas condições dos trabalhadores, eu arbitrei esses valores. Esse é um fazendeiro que tem até avião. Tem sete mil cabeças de gado, outras duas fazendas. É uma família que tem um patrimônio que supera muito os R$ 100 milhões. É inadmissível, com todo esse patrimônio, tratar seus funcionários de tal forma”, explica o procurador. A ação vai ser ajuizada nas próximas semanas pelo Ofício do MPT de Alta Floresta (MT).

    Apesar das péssimas condições de moradia e alimentação, os trabalhadores, segundo o auditor fiscal Gilberto Braga, não eram proibidos de deixar a propriedade e reclamavam mesmo do pagamento. “O fazendeiro pagava com cheque e o único local que trocava esses cheques era um mercado ali perto. Mas o proprietário só trocava se eles fizessem alguma compra”, conta o auditor. Além disso, os salários não eram pagos regularmente: houve ocasiões em que os trabalhadores levaram mais de 60 dias para receber.


    Equipamentos de proteção individual (EPIs) contra acidentes de trabalho também não eram distribuídos pelo dono da fazenda. As botas, compradas pelos próprios funcionários e por valores superiores aos do mercado local, eram a única proteção utilizada, inclusive por aqueles que operavam motosserras. “Essas pessoas que estavam lá trabalhando tinham seus direitos e um desses direitos era trabalhar em segurança. Nenhuma dessas pessoas trabalhava em segurança”, afirma Heiler Natali.


    Houve relatos de acidentes de trabalho e omissão de socorro imediato. “Teve um caso de um homem que andou um dia inteiro sangrando até conseguir alguma ajuda”, conta o procurador. Outro caso foi de um trabalhador que se acidentou e só foi levado até a balsa próxima da fazenda no dia seguinte, “pois ninguém se dispôs a ajudar na hora do acidente”. “Depois disso, os trabalhadores contaram que tinham que pedir carona até o hospital”, complementa Gilberto Braga, com base nos relatos dos empregados.


    Os 51 trabalhadores já voltaram para os municípios de Juara, Juína e Juruena, de onde vieram, na região noroeste do Mato Grosso. A operação foi montada a partir de denúncias encaminhadas ao Ofício do MPT em Alta Floresta.

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  • 10/07/2008

    Informe nº. 824: Mais uma vez, funcionários de arrozeiros ameaçam de morte indígenas em Raposa Serra do Sol

    Informe nº. 824


     


             Mais uma vez, funcionários de arrozeiros ameaçam de morte indígenas em Raposa Serra do Sol


     


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    Mais uma vez, funcionários de arrozeiros ameaçam de morte


    indígenas em Raposa Serra do Sol


     


    Dois jovens indígenas, Clenildo Conceição André e Cassiano Filho, foram ameaçados de morte por Rubilar Jesus e Edmundo Viriato Amaro, funcionários da Fazenda Depósito do arrozeiro Paulo César Quartiero, na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na sexta-feira passada (4) os jovens foram surpreendidos nas proximidades da comunidade Dez Irmãos, a mesma em que um grupo indígenas foi atacado pelos invasores de suas terras no dia 5 de maio. Os agressores estavam embriagados, armados e forçaram os jovens a entrar no carro que conduziam.


     


    “Enquanto viajavam, com um revólver na mão, Rubilar perguntava se os rapazes queriam morrer, se eram a favor de Paulo César ou se eram ligados aos índios do CIR [Conselho Indígena de Roraima], forçava-os a beber cachaça mesmo não querendo”, relata o documento enviado pela Comunidade Indígena do Barro ao administrador regional da Funai em Roraima, Gonçalo Teixeira dos Santos.


     


    Os rapazes, com medo, negavam as acusações e ingeriam forçadamente bebida alcoólica. “Por não acreditar nos indígenas, Edmundo mandava matá-los imediatamente”, diz o documento. De tão bêbados que se encontravam os agressores, os dois rapazes conseguiram fugir do carro quando o motorista parou para falar com pessoas na estrada.


     


    Segundo o CIR, a denúncia também foi encaminhada ao coordenador da operação de desintrusão de Raposa Serra do Sol da Polícia Federal, mas não obteve resposta. “Nem Funai nem a Polícia Federal, ninguém tomou nenhuma providência. Eles continuam soltos e ameaçando os índios da região”, afirmou Dionito Makuxi, coordenador do CIR.


     


    Histórico


    As comunidades indígenas de Raposa Serra do Sol têm sido constantemente agredidas e ameaçadas por funcionários de Paulo César Quartiero, arrozeiro invasor da terra indígena. Apenas este ano, os invasores já destruíram pontes de acesso a comunidades, lançaram bombas caseiras e dispararam tiros em diversas aldeias, armaram barricadas, queimaram casas e fizeram indígenas reféns. Cerca de onze mil alunos das mais de 200 escolas localizadas nas terras indígenas ficaram sem aula por causa dos ataques. No dia 5 de maio, jagunços da Fazenda Depósito investiram contra um grupo de indígenas que construíam casas, lançando bombas e tiros contra eles. Dez indígenas foram baleados. As comunidades indígenas de Raposa Serra do Sol vivem sob constante ameaça.


     



     


     


    Brasília, 10 de julho de 2008.


    Cimi – Conselho Indigenista Missionário


     


     

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  • 10/07/2008

    Agnaldo Xukuru é eleito presidente do Conselho Escolar de Educação Indígena de Pernambuco

    Professor Xukuru é eleito presidente do Conselho Escolar de Educação Indígena


     


    Na segunda reunião do Conselho Escolar de Educação Indígena de Pernambuco, Agnaldo de Souza, professor Xukuru integrante da Comissão de Professores e Professoras Indígenas em Pernambuco (Copipe) foi eleito presidente do órgão responsável por discutir e assessorar tecnicamente ações e projetos de educação escolar desenvolvidos pela Secretaria de Educação junto às comunidades indígenas no Estado. A vice-presidência ficou a cargo de Genilson Marinho, da Gerência de Direitos Humanos, Diversidade e Cidadania (GEDH). 


     


    A eleição aconteceu na manhã desta quinta-feira (10) no auditório da Secretaria de Educação do governo do estado. Apesar de ter chapa única, a votação ocorreu secretamente com eleição dos candidatos apresentados no dia 26 de junho, o que demonstra consenso entre os conselheiros.  


     


    Durante a reunião, foi realizada a apresentação do plano de ação do Conselho, que irá discutir e assessorar tecnicamente ações e projetos de educação escolar desenvolvidos pela Secretaria de Educação junto às comunidades indígenas no estado.  Na ocasião, a conselheira Eliene Amorim, representante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), também apresentou aos demais conselheiros uma análise do contexto da educação escolar indígena no Estado.


     


     “Na apresentação, defendi a necessidade de criação da categoria professor/a indígena e da profissionalização destes professores/as através de um programa de formação continuada que leve em conta a especificidade”, afirmou a educadora.


     


    Para a próxima reunião, que acontece no próximo dia 18 de agosto, foi deliberado que haverá uma discussão sobre o regimento interno do Conselho.


     


     


    Fonte: Centro de Cultura Luiz Freire – www.cclf.org.br

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  • 10/07/2008

    Newsletter nº. 823: Evicted Guarani suffer strong police repression

    Newsletter nº. 823


     


            Evicted Guarani suffer strong police repression


             Demarcation of Guarani area Araça’i continues


     


     


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    Guarani families suffer strong police repression


      


    Four Guarani families suffered strong repression by the Military Police of Rio Grande do Sul last Tuesday (1/7), in Eldourado do Sul, in the Porto Alegre area. On June 1 the families occupied a roadside close to an area they revindicate that is owned by the state of Grande do Sul.


     


    Next to the road where the families were camping is the State Foundation of Agricultural Research (Fepagro), which took the occupation to court on June 26, arguing that the Guarani were occupying land properties of the Foundation. However, the families never crossed the fence that surrounds the Fepagro area.


     


    The eviction order was granted the very same day by judge Luciane Di Domenico without hearing the other side, the indigenous. Five days later a court officer, who was accompanied by the Military Brigade, handed over the order to the indigenous families.


     


    According to their leader Santiago Franco a great number of policemen, police cars and vans arrived to evict the families, mostly composed of women and children, from the area. The police approached the camp violently, pushing people, kicking and destroying the tents and other belongings. They handcuffed Santiago. “I asked them if we could call the Funai to discuss with us, but they told me we didn´t come here to discuss, we came her to comply with the court order.”


     


    CIMI considers the order unlawful, because decisions concerning indigenous rights are a responsibility of the Federative Justice, according to the Constitution. On top of that, the motif for the eviction order was non-existent, as the indigenous enver entered the land of the Research foundation. And the order was legally incorrect, as it addressed the Kaingang families when they were Guarani. Another prerequisite was not complied, as the Funai and the Federal Ministery Public Affairs were not notified about the case and were not accompanying the eviction.


     


    The day after, the Guarani filed a complaint and met with the Procurator of the Republic soliciting that the case be taken to the Federal Justice.



     


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    TRF Rules that demarcation of Araça’i be continued


     


    A Federal judge in the State of Rio Grande do Sul ruled that the demarcation process of the Guarani area of Araça`I be continued. The process had been stopped, when a lower judge suspended the Demarcation order signed by the minister of Justice in April 2007.


     


    Parties contesting the legality of the ministerial demarcation order had requested the suspension of the demarcation. The federal judge however argued that the merit of that case had not been judged yet. Until that happens, the demarcation ought to be continued.


     


    The continuation of the demarcation opens the possibility that Guarani receive the land they revindicate. This might be temporarily though, if the contesting case were to be judged in favor of the contestants.


     


    History



    The Guarani área of Araça’í is located in the municipalities of Saudades and Cunha Porá in the State of Santa Catarina. In the midst of the twentieth century the indigenous were evicted from their land by agricultural entrepreneurs. Since 1998 they have been reclaiming the land they traditionally occupied. They have experienced situations of extreme violence during these years.


     


    Since 2001 these Guarani families have been living in a eight hectares corner of the indigenous land of the Kaingang, Toldo Chimbangue II, in the municipality of Chapecó. This small area of land does not allow sufficient production of food for the village. This, in turn, provokes the strong dependence on governmental assistance.


     


    Na anthropological research published in 2005 identified 2.721 hectares as traditionally belonging to the Guarani. Ever since the community has been waiting anxiously the return to their ancestral land, fundamental for the survival of the physical and cultural survival.


     


     


    Brasília, July 3, 2008.


    Cimi – Conselho Indigenista Missionário


     

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  • 10/07/2008

    Os militares e a questão indígena

     


    Entrevista especial com Paulo Maldos, assessor político do Cimi


     


    Para as Forças Armadas, apenas integrando os índios à sociedade nacional é que o país poderá se desenvolver e ter soberania sobre suas terras.


     


    “Para os militares, soberania é povoar, como fizeram na ditadura, onde a Amazônia era terra para homens sem-terras”, segundo Paulo Maldós, o assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, ele falou sobre a resistência dos militares em defender a União e a Constituição, que prevêem aos índios o direito de manter a sua cultura em uma terra demarcada e homologada. Para as Forças Armadas, apenas integrando os índios à sociedade nacional é que o país poderá se desenvolver e ter soberania sobre suas terras. “Culturas peculiares e singulares, com identidade e territórios próprios, ameaçam a unidade nacional, segundo os militares”, afirmou Maldós.


     


    No próximo mês, o Supremo Tribunal Federal deve decidir sobre Raposa Serra do Sol, ou seja, se permite que os invasores continuem a explorar o território ou se os retira, deixando as terras aos índios. “Percebemos que o STF está sendo muito bombardeado por informações incorretas sobre a situação de Raposa Serra do Sol. Ele não tem um conhecimento à altura daquela história, daquela complexidade cultural para tomar decisão. Ele está muito submetido aos militares, e, por isso, é bombardeado com informações falsas há anos sobre Raposa Serra do Sol”, conclui ele.


     


    Confira a entrevista.


     


    IHU On-Line – Quais são os principais resquícios da ditadura que nós vivemos ainda hoje?


     


    Paulo Maldós – Podemos ver principalmente a atitude pouca cidadã da polícia na relação com a sociedade, com os movimentos sociais. O Rio Grande do Sul é um exemplo atual disso. No geral, as polícias militares estaduais sempre foram vinculadas às Forças Armadas. Desse modo, ainda estão muito presentes, hoje, questões como a violência, o desrespeito, atitudes de preconceito com relação aos mais pobres e a truculência com relação aos movimentos sociais.


     


    IHU On-Line – Por que ainda hoje, depois de tantas barbáries cometidas contra os brasileiros durante a ditadura, as concepções das Forças Armadas ainda prevalecem sobre a política ambiental do país, principalmente no que se refere à Amazônia?


     


    Paulo Maldós – Devido à história das relações das Forças Armadas, particularmente o Exército, com a região amazônica, elas se sentem donas dessa questão, como se tivessem uma autoridade maior. Isso porque a região amazônica tem uma grande faixa de fronteira. Então, percebemos que, por exemplo, lá em Roraima o Exército fica extremamente irritado com qualquer tipo de questionamento sobre sua forma de lidar com as políticas ambientais e sociais. É como se tivesse o direito adquirido de dar a linha da relação da sociedade com o meio ambiente, com a fronteira, com as comunidades ribeirinhas e indígenas, ou seja, tudo que se refere ao meio ambiente e comunidades tradicionais e indígenas. É como, enfim, se tivesse a verdade e ponto.


     


    IHU On-Line – E o que está, verdadeiramente, em jogo em Raposa Serra do Sol?


     


    Paulo Maldós – O que está em jogo é simplesmente o interesse sobre as riquezas que eventualmente possam existir no interior daquela reserva e também sobre aquelas existentes em outras áreas indígenas em faixas de fronteiras. Interessa a eles desconstituir a demarcação já feita, porque isso abre precedentes para outras desconstituições. Então, conhecemos as riquezas da região amazônica e da Raposa Serra do Sol, as quais, inclusive, já foram pesquisadas na época da ditadura pelo governo estadunidense. São riquezas minerais, florestais, hídricas, que foram mapeadas pelos Estados Unidos com a permissão do governo militar da época. Os militares têm conhecimento de todas elas e nunca admitiram que os territórios indígenas fossem identificados e demarcados e ficassem nas mãos da União, com todos os critérios estabelecidos pela Constituição de como usar essas riquezas.


     


    A visão militar é de entrega do patrimônio público para a exploração, querendo desenvolvimento a qualquer custo e ritmo. Para os militares, soberania é povoar, como fizeram na ditadura, onde a Amazônia era terra para homens sem-terras. Durante a ditadura, eles levaram camponeses pobres do Sul para lá e chamaram isso de vivificar. Hoje, querem povoar a região com pessoas e empresas de qualquer maneira, porque isso seria assegurar o desenvolvimento. O que eles verdadeiramente querem, no entanto, é entregar os territórios indígenas para as grandes empresas, porque acham que isso está garantindo a presença da sociedade nacional ali. Então, o que está em jogo é que os militares querem que os índios sejam integrados à sociedade.


     


    IHU On-Line – Para alguns militares, o usufruto pelos índios de terras que ocupam milenarmente ameaçaria a soberania nacional. O intuito deles é totalmente nacionalista, ou seja, utilizar as riquezas e integrar os índios à sociedade em prol do país?


     


    Paulo Maldós – Então, com relação às terras indígenas, de maneira geral, os militares não vêem com bons olhos, porque não gostaram dos artigos 231 [1] e 232 [2] da Constituição Federal. Esses artigos reconhecem aos índios o direito aos seus territórios, formas próprias de vida, projetos próprios enquanto povos diferenciados no interior do Estado nacional. Eles não gostaram disso e nunca aceitaram a Constituição brasileira, no que diz respeito aos direitos indígenas. Eles também têm uma leitura equivocada dos instrumentos internacionais que o Brasil assinou, no caso a Declaração da ONU dos direitos dos indígenas e a Convenção 169 da OIT [http://www.institutoamp.com.br/oit169.htm].


     


    A visão deles é essa: integrar os povos indígenas à sociedade nacional. Em 1967, a ditadura brasileira tinha um projeto de até o ano 2000 não ter mais índios no Brasil. Isso estava claro em um documento que vazou na época e causou um escândalo muito grande no interior do país e lá fora, pois essa era a meta do governo. Na verdade, eles mantiveram essa concepção de zerar os povos indígenas no Brasil, integrando-os como camponeses pobres. No geral, a visão dos militares é que as terras indígenas não devem ser dos povos indígenas.


     


    Com relação à soberania, me parece que essa concepção militar de que qualquer comunidade que tenha uma identidade própria, que não é coincidente com a hegemonia cultural do país, é ameaçadora. Qualquer diferenciação cultural é, portanto, ameaçadora para eles. Os  militares estadunidense estão desenvolvendo toda uma concepção de que, na América Latina, as comunidades culturais diferenciadas são perigosas. É um balanço que eles fazem do neoliberalismo, por ter devastado as sociedades latino-americanas. Culturas peculiares e singulares, com identidade e territórios próprios, ameaçam a unidade nacional, segundo os militares. Isso vem do próprio Pentágono. Se antes a classe operária era ameaçadora ao status quo, hoje são os povos indígenas a grande temeridade do futuro. Isso veio reforçar essa visão nacional de que aqui também temos povos ameaçadores, que são as comunidades com identidade própria, arraigada e milenar, e que no limite, na medida em que têm seus territórios demarcados, irão se sentir senhores desses territórios e, dentro de décadas, reivindicá-los como próprios. Então, para os militares, o melhor é desestruturá-las como comunidades, dissolvê-las e impedir que esses territórios sejam demarcados.


     


    No debate sobre Raposa Serra do Sol com os militares, eles sempre falam: “É isso agora, mas daqui a algumas décadas eles vão queres ser donos daqui”. Isso é uma fantasia! No entanto, muitos pensadores, até no Pentágono, têm essa questão como certa. Os índios, hoje, ameaçam a estabilidade dos governos e do capitalismo.


     


    IHU On-Line – E como você teve acesso a essas pesquisas, por exemplo, feitas pelo Pentágono?


     


    Paulo Maldós – As intenções dos militares brasileiros descobri através da internet, de textos de jornal e informações que recolhemos em Roraima, conversas com os índios, com missionários, nas dioceses. A Polícia Federal fez muitos levantamentos e identificou toda a presença da Agência Brasileira de Informações em Roraima, produzindo muitas informações. Tivemos acesso a algumas delas. Sobre a questão do Pentágono, há estudiosos que pesquisam a questão da militarização da América Latina e investigam a relação dos militares e territórios no Terceiro Mundo. Essas são algumas fontes.


     


    IHU On-Line – Onde podemos chegar com essa intervenção do Exército em relação às terras indígenas?


     


    Paulo Maldós – O Exército precisa se colocar no seu lugar constitucionalmente. No momento, ele está abusando, transgredindo o seu lugar. No caso de Raposa Serra do Sol e no caso geral da política indigenista, o governo vem buscando rigorosamente aplicar a Constituição, mas com muita lentidão. Do ponto de vista do Cimi, este governo, como os governos anteriores, é extremamente lento nos processos de identificação, demarcação e homologação das terras indígenas. A Constituição de 1988 estabeleceu um prazo de cinco anos para que todos os territórios indígenas fossem demarcados no país. Então, isso seria em 1993. Imagina! Ainda faltam algumas centenas de terras para serem identificadas e demarcadas. O governo, como falei, vem sendo extremamente lento, mas onde se move vem fazendo conforme o critério constitucional.


     


    Então, as Forças Armadas precisam se colocar no seu lugar na cadeia de comando deste país, pois não vivemos mais na Ditadura Militar. Elas devem acatar a política governamental. Mas o que elas têm feito é se insurgir. Você vê general após general dando declarações à mídia dizendo que os índios devem ser integrados. Isso significa que eles têm idéias francamente anticonstitucionais na maior tranqüilidade. O presidente do Clube Militar simplesmente afirmou, numa entrevista, que os artigos da Constituição estão errados. Onde já se viu isso? Um militar com essa irresponsabilidade diz que a Constituição está errada e nada acontece com ele? Outro general foi ao Jornal Nacional dizer que o governo tem uma política indigenista equivocada e nada aconteceu com ele também. O que estamos vivenciando é um abuso! Os generais, as Forças Armadas e o Exército devem se colocar na posição que a Constituição definiu para eles. Há uma cadeia de comando neste país e eles precisam acatar isso. Como cidadãos, podem mudar o governo votando em outras opções, outros presidentes, mas não ficar se insurgindo contra a Constituição.


     


    IHU On-Line – Em sua opinião, o que o STF deve decidir em relação às terras de Raposa Serra do Sol?


     


    Paulo Maldós – Esse é outro problema, porque notamos como o poder Legislativo está muito desprestigiado. O governo federal é muito frágil em tomar decisões e implementá-las. O STF acaba tomando para si um lugar que não é dele, ou seja, ocupando espaços de outros na tomada de decisão. Percebemos que o STF está sendo muito bombardeado por informações incorretas sobre a situação de Raposa Serra do Sol. No entanto, ele não tem um conhecimento à altura daquela história, daquela complexidade cultural para tomar decisão. O STF se submete excessivamente aos militares, e, por isso, é bombardeado  com informações falsas há anos sobre Raposa Serra do Sol. Então, percebemos todos muito sensibilizados por essas teses, por falta de informações próprias e pela pressão brutal por parte dos militares. Os militares pegaram Raposa Serra do Sol por uma questão de honra, já que perderam Ianomâmi [3], na visão deles. Por isso eles vêm bombardeando o Judiciário, há anos, com informações falsas. Estamos muito preocupados!


     


    Uma prova concreta dessa falsa de informações foi essa viagem que o presidente do STF fez junto com dois ministros, de avião, de um dia, à Raposa Serra do Sol. Sem comunicar as partes envolvidas no conflito, eles foram até lá quase por conta própria, com o avião da FAB, ou seja, só com os militares sabendo. Numa área daquele tamanho, com aquela complexidade cultural e econômica, é um tanto pretensioso você viajar de avião, ter alguns contatos e achar que isso pode esclarecer muita coisa. O STF tem informações precárias e muitas falsas e está sendo muito pressionado para que se tome uma posição favorável em relação à Roraima. Temos receio por isso.


     


    Não sabemos qual será a resolução deles e estamos preocupados pela desigualdade em relação a essa situação. Estamos preocupados com o que a decisão do STF pode significar, pois existem informações, através dos missionários do Cimi em todo o país, e percebemos como isso repercute em diferentes regiões. Há fazendeiros em Santa Catarina dizendo que, quando sair o resultado em Raposa Serra do Sol, eles vão partir para cima dos indígenas deste estado. No Mato Grosso do Sul, está acontecendo a mesma coisa, assim como no Nordeste. Raposa Serra do Sol virou um símbolo, um marco jurídico, pois mexer com ela vai enfraquecer um processo em que os índios têm usufruto daquela terra. É importante enfatizar isso: a terra é da União, e os índios têm apenas usufruto dela. Se a decisão não for favorável aos índios, voltaremos a uma situação de antes da Constituição. A situação seria a de integrar os índios na sociedade nacional e desrespeitar seus direitos históricos. É voltar à perspectiva integracionista e, do ponto de vista antropológico e cultural, esse é um processo de genocídio.


     


    Notas:


     


    [1] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º – O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.§ 4º – As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º – É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º – Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.


     


    [2] Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo


     


    [3] A Terra indígena ianomâmi: foi homologada pelo presidente Fernando Collor em 25 de maio de 1992. Em sua maior parte, o território está coberto por densa floresta tropical úmida. As aldeias, que podem ser constituídas por uma ou várias casas, mantêm entre si vários níveis de comunicação, desenvolvendo-se relações econômicas, matrimoniais, rituais ou de rivalidade, percorrendo distâncias que podem atingir um raio de 150 km. O Pico da Neblina está localizado dentro da Terra Indígena Ianomâmi e do Parque Nacional do Pico da Neblina, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Essa área tem sido invadida desde o fim dos anos 1980 por garimpeiros atraídos pelas reservas de ouro, cassiterita e tantalita


     


     

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  • 10/07/2008

    Via campesina contesta comunicado final do G8

     


     


    Ante a declaração dos líderes do G8 sobre segurança alimentar global publicada anteontem, em Hokkaido, o Sr Yoshitaka Mashima, líder camponês membro da Via Camponesa, comentou: “Não entendemos como os líderes do G8 pretendem solucionar a crise alimentar com mais livre comercio, visto que é a liberação da agricultura e dos mercados de alimentos que está nos levando à crise atual. Para proteger-se da instabilidade dos mercados mundiais, a população deve consumir comida local. Não necessitamos de mais comida importada”.


     


    Em uma coletiva de imprensa ocorrida hoje, os líderes camponeses afirmaram que os governos do G8 estão utilizando a atual crise alimentar e climática para promover um programa de livre comércio que beneficia as grandes empresas em vez dos produtores ou consumidores. A declaração dos líderes do G8 insiste em reanimar as negociações moribundas da OMC, e em impedir que cada país regule a exportação de alimentos.


     


    Contudo, os pequenos camponeses de todo o mundo têm experimentado os efeitos devastadores das políticas de livre comercio e da OMC em suas vidas e na produção local de alimentos. Defendem o direito de cada país proteger seus mercados locais, a apoiar a agricultura familiar sustentável, e a comercializar os alimentos no lugar em que são produzidos.


     


    A declaração dos líderes do G8 tampouco menciona duas das causas principais da atual crise de preços dos alimentos: a especulação por parte de grandes comerciantes e empresas transnacionais, e o desenvolvimento de agrocombustiveis como nova fonte de energia. É importante levar em consideração que estas causas profundas da crise alimentaria são conseqüência das políticas neoliberais que promovem os governos do G8, a OMC, o Banco Mundial e outras instituições.


     


    “Perguntamos-nos como as nações mais ricas do mundo pensam apoiar aos pequenos camponeses se nem sequer lhes permitem entrar nos países em que se reúnem”, afirmou Mashima. Dezenove camponeses coreanos da rede internacional da Via Campesina foram deportados do aeroporto de Hokkaido no dia 5 de julho, passaram 48 horas detidos com o pretexto de que podiam perturbar as reuniões oficiais.


     


    Segundo o comunicado da Via, os camponeses e pequenos produtores de alimentos atualmente produzem a maior parte dos alimentos do planeta; promovem a produção local de alimentos à pequena escala para os mercados locais, o que cria emprego e protege a saúde dos consumidores e o meio ambiente, respeitando as diversas culturas e comunidades; Além disso não se encontrará solução nenhuma para a crise atual sem escutar as vozes dos camponeses.


     

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  • 09/07/2008

    Carta sobre a viagem a Europa da delegação do CIR

     


     


    CARTA ABERTA


    Nós, Jacir José de Souza Macuxi e Pierlangela Nascimento da Cunha Wapichana, líderes indígenas enviados por nossas comunidades e organizações à Europa para divulgar a Campanha Anna Pata, Anna Yan, vimos nesta carta relatar e declarar os resultados de nossa visita. Iniciamos nossa viagem no dia 16 de junho de 2008, e durante três semanas percorremos os países de Espanha, Inglaterra, Bélgica, França, Itália e Portugal.


     


    O objetivo era trazer ao conhecimento da sociedade européia e suas autoridades a situação de aflição que se vive hoje na Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima e solicitar apóio e solidariedade com nossos povos. No mês de Agosto, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar 34 ações que ainda contestam a homologação de nossa terra, assinada pelo Presidente da República em abril de 2005, fruto de nosso trabalho, nossa união e do sangue de muitos a quem tiraram a vida nestes anos.


     


    Em nossa viagem, fomos recebidos por Autoridades dos diversos Governos nacionais, bem como Representantes Políticos de Parlamentos e pelo Presidente do Senado italiano. Tivemos também audiências com Autoridades da Comissão e do Parlamento Europeu. Todos eles nos receberam como lideranças indígenas, mostrando com este gesto seu respeito e consideração a nossos povos.


     


    Fomos acolhidos e apoiados também por respeitadas personalidades como o ex-presidente português Mário Soares, sua esposa Maria Jesus Barroso e a Senhora Danielle Miterrand, outrora lideranças políticas européias e que hoje continuam trabalhando no âmbito de Fundações de caráter cultural e de defesa dos Direitos Humanos. Igualmente, representantes da Fundação do Príncipe Charles de Inglaterra honraram nossa viagem.


     


    Encontramos a solidariedade e apóio de diversas entidades e organizações de reconhecido prestígio por sua defesa dos Direitos Humanos, da Justiça e da Paz em todo o mundo. Dentre elas, Amnistia Internacional, CAFOD, Cáritas Espanhola e Portuguesa, Survival International, Uyamaa, Manos Unidas, ICRA, Entreculturas, Conselho Pontifício de Justiça e Paz do Vaticano, Comissão Nacional de Justiça e Paz de Portugal, Associação Empenhar-se Serve e diversos Institutos religiosos. Junto a eles, recebemos o carinho, a solidariedade e o apóio de muitas pessoas que se somaram ao nosso trabalho e nossa Campanha.


     


    Recebemos, em particular, o apóio do Papa Bento XVI, em Audiência realizada no dia 02 de julho, em que lhe entregamos nosso Documento e recebemos dele o compromisso de ajudar na proteção de nossa terra.


     


    Em todas estas visitas e audiências fomos ouvidos com atenção e generosidade, e de todos eles, com a particularidade de cada encontro e cada responsabilidade, recebemos a seguinte mensagem:


     


    1.- Uma solidariedade profunda com os Povos Indígenas, com nossa vida e com nossos direitos, historicamente adquiridos e legalmente reconhecidos na Constituição Federal do Brasil de 1988, na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU de setembro de 2007. Solidariedade e respeito pela diversidade que representamos para o mundo todo e por nossa contribuição com a preservação e cuidado desta Casa Grande que é a Natureza.


     


    2.- A solidariedade e apóio firme ao Decreto de Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, assinado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em 15 de Abril de 2005, como garantia de nossos direitos e sinal inequívoco de firmeza das instituições brasileiras e da nossa Constituição.


     


    3.- O compromisso de acompanhar os próximos acontecimentos que envolvem à Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Compreenderam a transcendência da decisão que ocorrerá em Agosto, porque ela poderá determinar a sorte de outras terras indígenas em nosso país. 


     


    4.- O repúdio aos atos de violência ocorridos contra as comunidades indígenas, agora e durante todo o processo de reconhecimento de nossa terra, assim como a determinação de lutar contra qualquer sinal de impunidade diante da evidente violação dos direitos humanos.


     


    5.- A denúncia dos atos criminosos contra o Meio Ambiente causados pela ocupação ilegal de grandes empresários agrícolas produtores de arroz em nossa terra Raposa Serra do Sol.


     


    6.- O repúdio às práticas políticas  de governantes e representantes políticos que utilizam seu poder e influência para trabalhar pela redução de nossos direitos e transmitem à população a idéia de que nossa terra e nossa vida são um empecilho para o desenvolvimento de Roraima.


     


    Em todos os países visitamos as Embaixadas do Brasil, onde explicávamos os objetivos de nossa viagem e solicitávamos seu apóio. Os diversos Embaixadores e Embaixadoras que encontramos confirmaram a posição do Governo brasileiro de defender o Decreto de Homologação de nossa terra e expressaram seu desejo de que essa fosse também a orientação da decisão final na Justiça.


     


    Conseguimos transmitir nossa palavra através dos meios de comunicação, seja em grandes agências ou em pequenos grupos, seja em rádios, televisões ou jornais. Isto é importante para nós, porque nem sempre conseguimos ser ouvidos pelos meios de comunicação brasileiros que, na sua maioria, de modo sistemático transmitem uma imagem distorcida de nossa realidade e nossas comunidades.


     


    Diante de tudo isto, DECLARAMOS que:


     



    • Nossa terra é nossa Mãe, não se tira os filhos de sua Mãe. É a terra de nossos antepassados, que deixaram marcas para nós, e nós devemos repassá-la para nossos filhos.

     



    • A questão fundamental hoje não é mais defender ou fundamentar os nossos direitos, mas sim exigi-los e garanti-los, de modo a que não fiquem apenas escritos nas Constituições de nossos países ou nas grandes declarações. Exigimos que seja respeitada a lei, e a lei reconhece e protege nossos direitos e nossa terra.

     



    • O decreto de Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol deve ser mantido, e isso significará um passo importante na consolidação de nossos direitos e dos direitos de todos os homens e mulheres.

     



    • Manter o atual decreto de Homologação significa fortalecer a Constituição Federal do Brasil frente aos interesses particulares de fortes poderes econômicos que nos fazem crer que representam os interesses de todos.

     



    • Nossa terra está homologada e registrada. Foi um processo longo. Sofremos por muito tempo as invasões de fazendeiros, garimpeiros e agora dos grandes empresários de arroz. Mas Raposa Serra do Sol é terra indígena e qualquer outra ocupação não descrita no decreto de Homologação se trata de uma invasão que deve ser combatida.

     



    • É necessário e fundamental que se apurem todos os casos de violência contra a vida e patrimônio dos povos indígenas, bem como os crimes cometidos durante a resistência na retirada de nossos invasores.

     



    • Acreditamos na importância e relevância da solidariedade e apóio que temos recebido durante nossa viagem por Europa. É fundamental, e assim o transmitimos em nossos encontros, que todos os países europeus ratifiquem a Convenção 169 da OIT, como instrumento normativo de reconhecimento internacional de nossos direitos.

     


    Agradecemos a todas as Autoridades, personalidades, entidades e organizações que receberam-nos, ouviram nossas palavras e apoiaram nossas comunidades e nossa terra.


     


    Agradecemos especialmente a todas as pessoas e entidades que trabalharam junto a nós nesta viagem. Aquelas pessoas que nos acompanharam desde o início da viagem até o final; aquelas que facilitaram os contatos e audiências em cada país; aquelas que nos proporcionaram hospedagem em suas casas. Nós, povos indígenas, temos o direito e a liberdade de estabelecer amizade e alianças com outros na defesa de nossa vida e nossa terra. E temos a certeza de que os direitos de cada homem e cada mulher serão garantidos com a união e o trabalho de muitos.


     


    Retornamos ao Brasil, em definitivo, felizes de nossa viagem, esperançados e mais firmes na defesa de nosso povo e de nossa terra.


     


    Lisboa, 07 de julho de 2008


     


    Jacir José de Souza Macuxi


    Pierlangela Nascimento da Cunha Wapichana


     


    Mais informações: www.cir.org.br


     

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  • 09/07/2008

    Ato contra a criminalização dos movimentos sociais na Câmara dos Deputados

     


     


    A Comissão de Legislação Participativa recebeu representantes da CNBB, OAB, Via Campesina, Quilombolas, Indígenas e do Movimento Nacional de Direitos Humanos para grande audiência pública.


     


    Nesta quarta-feira (09/07), às 14h, no plenário 4, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu audiência pública para debater a corrente criminalização dos movimentos sociais e de seus dirigentes. Na ocasião, o advogado presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Passo Fundo (RS), Leandro Scalabrin debateu sobre o tema da criminalização dos Movimentos Sociais e Democracia.


     


    Estiveram presentes representantes de diversas entidades religiosas e de classe, tais como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB). A Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, ligado à Presidência da República, também se fará presente.


      


    A sugestão aprovada por unanimidade foi de iniciativa do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). Para a entidade, “Movimentos como um todo estão respondendo a processos judiciais e ainda são desqualificados publicamente. Pode-se dizer que houve uma agudização dos conflitos, se antes as manifestações públicas, ocupações de terra, e de moradia, a luta contra violência policial geravam repressão, hoje setores do Estado respondem com a utilização da judicialização indevida e buscam institucionalizar e dar legitimidade a esta criminalização. Todo esse conjunto de situações trouxe para dentro dos poderes públicos a versão de que Movimentos e suas lideranças cometem crimes, colocando assim claramente a sociedade contra os Movimentos Sociais”.


     


    “Além disso, a militância do MNDH diretamente vem sofrendo com a criminalização em especial por conta de nossa atuação nos presídios e casas de internação de adolescentes, nas favelas contra violência policial, contra tortura e execuções sumárias e contra o crime organizado. Por conta deste ativismo temos vários/as militantes ameaçados/as de morte e sendo processados e desqualificados publicamente como defensores de bandidos pela mídia, setores do poder público e judiciário”, completa.


     


    O Presidente da CLP, Deputado Adão Pretto (PT/RS), lembrou da situação de criminalização pela qual passam os movimentos sociais de seu Estado, alertando que essa situação crítica não atinge apenas os gaúchos, tendo reflexos em todo o país e na própria noção de democracia e participação popular.


     


    Histórico


    O caso de maior repercussão nacional aconteceu no Rio Grande do Sul. No último dia 24 de junho, durante uma diligência da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal na Assembléia Legislativa (AL) em Porto Alegre, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Passo Fundo, Leandro Scalabrin divulgou documentos que comprovam a tentativa do Conselho Superior do Ministério Público de “dissolver” o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).


     


    O documento, comprovado por uma ata da sessão ordinária do Conselho do MP/RS, ocorrida em 3 de dezembro de 2007, defende medidas para declarar a ilegalidade do MST, como proibir qualquer deslocamento de trabalhadores Sem Terras, incluindo marchas e caminhadas, intervir em escolas de assentamentos, criminalizar lideranças e integrantes, cassar os títulos eleitorais de todos os membros do movimento e “desativar” todos os acampamentos do Rio Grande do Sul.


     


    Entretanto, não só o MST sofre com esse tipo de ação. No dia 12 de junho, o juiz da Justiça Federal de Marabá (PA), Carlos Henrique Haddad, condenou o advogado da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Gonçalves a uma pena de dois anos e cinco meses de prisão por assessorar movimentos camponeses durante uma negociação com o Incra daquela região, logo após um protesto de agricultores sem terra organizados pela Contag, MST e Fetragri.


     

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  • 04/07/2008

    Representantes do Ministério da Cultura visitam presidente do STF para pedir a demarcação contínua de RSS

     


    O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, recebeu para uma audiência no início da noite desta quinta-feira (3) o ministro interino do Ministério da Cultura e presidente do Conselho Nacional de Políticas Culturais, Juca Ferreira. Ele estava acompanhado por Sérgio Mamberti, ator consagrado e atual secretário da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério, e por representantes das comunidades indígenas da área indígena Raposa Serra do Sol.


     


    Juca Ferreira disse, em entrevista após o encontro, que veio entregar ao presidente do STF um documento, aprovado recentemente pelo conselho, que defende a manutenção da área indígena Raposa Serra do Sol na forma em que se encontra atualmente. “A manutenção da estrutura cultural dos povos indígenas, da sua identidade e do conjunto que caracteriza essa identidade, necessita da dimensão territorial, senão você inviabiliza a sobrevivência desses povos indígenas”, afirmou Ferreira.


     


    Ilhas inviabilizam cultura indígena


    A possibilidade de mudança do critério de demarcação para uma forma fragmentada, em ilhas – com uma redução territorial significativa, vai significar a inviabilização da cultura e dos povos da região, disse o ministro interino da Cultura. Ele lembrou exemplos de outros territórios no Brasil que foram demarcados em ilhas, ressaltando que nessas áreas o índice de suicídios é enorme, o que acaba levando a uma “inviabilização total da sobrevivência”, frisou.


     


    “Viemos reforçar a idéia de que o Brasil é um país plural, com uma diversidade cultural imensa, e de que essa diversidade cultural é um patrimônio, não ameaça nossa integridade, ao contrário”. Juca Ferreira salientou, por fim, que veio colocar o ministério à disposição para reforçar a presença do Estado democrático brasileiro junto aos povos indígenas, por meio de políticas culturais.


     


    Expectativa


    Ferreira confirmou que a expectativa do ministério, com relação ao julgamento previsto para agosto, é muito positiva. “Acho que mais uma vez a expectativa da sociedade, não só nossa, é de que se resolva da melhor maneira possível, e se garanta essa diversidade cultural e essa pluralidade que caracteriza o Brasil”.


     


    Sérgio Mamberti


    “Raposa Serra do Sol é o resultado de uma grande luta”, acrescentou Sérgio Mamberti. Ele disse que aproveitou o encontro para falar com o ministro Gilmar Mendes sobre a importância de se manter a reserva indígena da forma como está demarcada atualmente. “Ela é o repositório de todos os seus mortos, de sua cultura, da sua visão de mundo, e ao mesmo tempo é o espaço de sobrevivência, porque eles vivem da natureza”, resumiu.


     


    Para o ator, o Brasil não pode voltar as costas para sua origem. “Nós todos somos muito mais indígenas do que nós poderíamos acreditar. Não é à toa que Mário de Andrade fez Macunaíma. E Macunaíma é lá na Raposa Serra do Sol”.


     


    O ator disse ter saído feliz e esperançoso do encontro com Gilmar Mendes. “Senti que o ministro foi bastante sensível. Fiquei muito feliz com o diálogo que nós estabelecemos e tenho certeza que o STF vai estar muito sensível a essa questão”.


     


    Crescimento


    Dejacir Melquior da Silva, índio macuxi da reserva indígena Raposa Serra do Sol, lembrou que tudo que a comunidade da região quer é continuar podendo trabalhar livremente. “Trabalhamos unidos, não temos cercados”. Ele disse acreditar que com a manutenção da reserva da forma como se encontra hoje, a população indígena na região, atualmente de cerca de 19 mil índios, vai crescer nos próximos anos. Mas que a demarcação em ilhas, pelo contrário, pode acabar com a cultura indígena. Além disso, concluiu Dejacir, “temos que proteger lugares sagrados, que vêm de nossos antepassados, que nós estamos preservando, e vamos preservar”.


     


    Fonte: Supremo Tribunal Federal

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  • 02/07/2008

    Informe nº. 823: Famílias do povo Guarani sofrem repressão da Polícia Militar do Rio Grande do Sul durante despejo

    Informe nº. 823


     


             Famílias do povo Guarani sofrem repressão da Polícia Militar do Rio Grande do Sul durante despejo


             Decisão do TRF da 4ª Região determina a continuação da demarcação da terra indígena Guarani do Araça’i


     


     


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    Famílias do povo Guarani sofrem repressão da


    Policia Militar do Rio Grande do Sul durante despejo


      


    Quatro famílias do povo Guarani sofreram, na última terça-feira (1/7), forte repressão da Polícia Militar do Rio Grande do Sul, no município de Eldourado do Sul, próximo a Guaíba, na grande Porto Alegre. Desde o dia primeiro de junho, as famílias iniciaram uma ocupação acampando nas margens de uma estrada próxima às terras que reivindicam como de ocupação tradicional e que se encontram em posse do estado do Rio Grande do Sul.


     


    Ao lado da estrada onde as famílias acamparam situa-se a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), que ajuizou uma Ação de Reintegração de Posse, no dia 26 de junho, alegando que os Guarani estariam ocupando terras de propriedade da fundação. Porém, as quatro famílias não chegaram a ultrapassar a cerca que dá acesso à área da Fepagro.


     


    A Ação foi proposta na Comarca de Eldorado do Sul e no mesmo dia a juíza Luciane Di Domenico deferiu a medida liminar de reintegração de posse sem ouvir a parte contrária, os indígenas. Na segunda-feira (30 de junho) foi expedido o mandado de reintegração de posse e no dia seguinte os Guarani receberam o mandado do oficial de justiça que foi ao local acompanhando da Brigada Militar fortemente armada.


     


    Segundo a liderança Guarani Santiago Franco, um numeroso contingente de policiais, viaturas e camburões foi enviado até o local para retirá-los de lá. As quatro famílias, formadas na maioria por mulheres e crianças, ficaram bastante assustadas. Os policiais investiram para cima do pequeno acampamento com violência. Chegaram a algemar Santiago. “Perguntei se não dava pra chamar a Funai pra conversar com a gente e eles disseram: a gente não veio pra conversar com ninguém, mas pra cumprir a ordem da juíza”, relatou.


     


    O Cimi considera a decisão da juíza descabida, pois cabe à União decidir sobre direitos indígenas, conforme determina a Constituição Federal. Além disso, o objeto da liminar era inexistente, na medida em que os indígenas não transpuseram as cercas que limitam a “propriedade da fundação”; eles não eram do povo Kainganag (como dizia a Ação) e sim Guarani; e Funai e Ministério Público Federal não foram avisados e não acompanharam o despejo.


     


    Hoje (2) os Guarani estiveram com representantes da Procuradoria da República em Porto Alegre para solicitar que o caso seja levado à competência da Justiça Federal.



     


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    Decisão do TRF da 4ª Região determina a continuação da


    demarcação da terra indígena Guarani do Araça’i


     


    Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no Rio Grande do Sul determinou que o procedimento de demarcação da terra indígena Guarani do Araça’i tenha continuidade até que a ação seja julgada definitivamente. A decisão dá a possibilidade para que os índios tomem posse de áreas especificas da terra indígena Araça’i, onde não incidam títulos de ocupantes não-indígenas.


     


    A decisão foi tomada a partir de um recurso movido pela Funai e União contra a decisão liminar concedida pelo juiz federal Narciso Baez que suspendia os efeitos da Portaria Demarcatória nº 790, de 19 de abril de 2007, assinada pelo Ministro da Justiça.


     


    A partir dessa decisão, a Funai pode continuar com o procedimento demarcatório da terra indígena Araça’i realizando o levantamento fundiário e a demarcação física da área como determina o decreto 1775/96, que regulamenta o procedimento administrativo de terras indígenas.


     


    Histórico



    A terra indígena Guarani do Araça’í está localizada nos municípios catarinenses de Saudades e Cunha Porã. Em meados do século XX, os indígenas foram expulsos de suas terras por empresas colonizadoras. Desde 1998 eles reivindicam seu território tradicional. Já enfrentaram situações extremas de violência ao longo desses anos.


     


    Desde 2001, os Guarani vivem em oito hectares da terra indígena do povo Kaingang Toldo Chimbangue II, no município de Chapecó. O reduzido espaço ocupado não permite o cultivo suficiente para garantir a alimentação na aldeia. Com isso, a dependência da assistência dos órgãos governamentais é acentuada.


     


    Um relatório antropológico, publicado em outubro de 2005, identificou e delimitou 2.721 hectares como sendo tradicional do povo Guarani. Desde então a comunidade aguarda com ansiedade o retorno para as terras ancestralmente ocupadas e que os Guarani consideram fundamental para sua sobrevivência física e cultural.


     


     


    Brasília, 02 de julho de 2008.


    Cimi – Conselho Indigenista Missionário


     

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