• 30/06/2008

    Indígenas e prisões no Mato Grosso do Sul

     



     


    “Nós não queremos continuar enchendo a prisão dos brancos com índios”.


    (Liderança Kaiowá Guarani)


     


    “Espanta-me que deputados dizem que aqui o secretário é sério, o promotor é serio, o juiz é sério. Então como deixaram os presos dormir com porcos? Não me convencem”.


    (Dep. Domingos Dutra, relator da CPI do sistema carcerário – O Estado do MS, 26/06/08)


     


    Em nota paga nos jornais de Mato Grosso do Sul, o governador André Puccinelli (PMDB) procura se eximir da culpa pela caótica situação da criminalização de indígenas dizendo que “Os problemas graves encontrados pela CPI do Sistema Carcerário em Mato Grosso do Sul são de inteira e total responsabilidade do governo anterior”. Dentre os 32 indiciados no relatório, estão o atual secretário de Justiça e de Segurança do Mato Grosso do Sul.


     


    Índios presos


    O Mato Grosso do Sul é o estado que tem mais índios presos. Conforme recente relatório de pesquisa feita pela Universidade Dom Bosco e o Centro de Trabalho Indigenista – CTI, estão atualmente em torno de 200 índios nos presídios e delegacias do estado. Na Audiência Pública realizada no Senado Federal, no dia 26 de junho foi denunciado que: “Um levantamento realizado durante 16 meses, entre janeiro de 2007 e abril deste ano, em Mato Grosso do Sul pela organização não-governamental Centro de Trabalho Indigenista (CTI) revelou que cerca de 100 índios de várias etnias foram condenados pela Justiça do estado e estão presos sem ter podido aproveitar adequadamente o direito de defesa. Segundo o CTI, outros 200 indígenas estão detidos em delegacias e penitenciárias sem acusação formal do Judiciário”. (Correio Brasiliense 26/06/08).


     


    Por ocasião do seminário realizado em Campo Grande sobre esse tema, no mês passado, com a presença de grande número de lideranças indígenas, ficou evidenciado que essa é mais uma das conseqüências brutais do confinamento, especialmente da população Kaiowá Guarani.  E a questão se apresenta ainda mais assustadora quando vemos crescer a violência e os assassinatos. Cada assassinato faz com que mais dois ou três índios sejam levados às prisões da região.


     


    Outro dado revelado pelos pesquisadores foi o rápido crescimento do número de índios presos. No presídio de Amambaí, no inicio da pesquisa, foram encontrados menos de dez índios presos. Já na visita no final de 2007, havia ali mais de 40 índios presos. No presídio de Dourados o número chegava em torno de 70 Kaiowá Guarani presos.


     


    Somando-se a isso a quase total ineficiência da Funai na defesa e acompanhamento aos índios presos, vemos que esse é mais um dos calvários enfrentados pelos povos indígenas no estado.


     


    Militarização da Funai?


    Nos últimos meses tem voltado ao noticiário as articulações e violências em decorrência da administração regional do Cone Sul, da Funai. Um grupo de indígenas de Dourados e de Amambaí insistem em tirar a atual administradora regional Margarida Nicoletti. Não cabe aqui debater as razões alegadas, pois elas estão imbricadas na complexidade extrema das disputas de interesses, internos e externos.


     


    Porém duas coisas são preocupantes neste episódio em curso. A primeira é a proposta do nome do policial militar Terena, Waldison Francisco, para a administração regional. Ainda estão presentes na memória dos povos da região as cruéis conseqüências da Funai militarizada, especialmente na década de 70, durante a ditadura militar, em que o presidente da Funai era um general, o delegado regional, um oficial militar e o chefe de posto um policial militar. Esse esquema gerou um processo repressivo e criminalizador do movimento indígena e de suas lideranças.


     


    Outro fato preocupante é que tudo isso se dá exatamente no momento em que os Grupos de Trabalho da Funai deveriam estar iniciando os trabalhos de identificação de 36 terras indígenas, conforme o Termo de Ajustamento de Conduta, assinado pelo presidente da Funai, Ministério Público e lideranças indígenas. Nunca é demais lembrar que tanto no Incra, quanto no Ibama, interesses políticos e econômicos já conseguiram colocar pessoas afinadas com o governo do estado, que por sua vez dá total apoio ao agronegócio e à implantação de usinas de cana de açúcar. Enquanto a identificação das terras vai sendo protelada, o agronegócio e os fazendeiros realizam a contratação de escritórios de advocacia para trabalhar na sua defesa.


     


    Outro Mato Grosso do Sul é possível


    Ao mesmo tempo em que esse quadro lamentável continua, vemos Campo Grande sediar um importantíssimo evento – VIDEO INDIO BRASIL, onde se procura debater e dar visibilidade à riqueza e à beleza que representam os povos indígenas no país e neste estado. São aproximadamente cem atividades desenvolvidas em cinemas, escolas e aldeias urbanas. É uma mostra de que a resistência desses povos e suas ricas culturas apontam para caminhos diferentes, plurais, em harmonia com a natureza e a diversidade de vida e socialmente mais justa.


     


    Egon Heck – Cimi MS

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  • 30/06/2008

    Comissão Pastoral da Terra : Nota Pública

     


    Comissão Pastoral da Terra – Secretaria Nacional


    Assessoria de Comunicação


    Nota Pública


     


     


    Avança a criminalização dos Movimentos Sociais e de suas lideranças


     


                A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra vem a público para manifestar sua preocupação diante das tentativas de criminalização dos movimentos sociais, sobretudo do campo, e de suas lideranças.  Tudo o que cheire a oposição ao “progresso e desenvolvimento” que as atividades ligadas ao agronegócio e à mineração dizem trazer, tem que ser rechaçado com veemência, pois a economia é mais valorizada do que os direitos humanos e a defesa do meio ambiente.  Os meios de comunicação e o judiciário prestam este serviço ao poder  econômico.


                É neste contexto que entendemos a condenação de José Batista Gonçalves Afonso, advogado da CPT e nosso companheiro na Coordenação Nacional da CPT e que tem destacada atuação na defesa dos direitos humanos na região de Marabá, PA, e de Raimundo Nonato Santos da Silva, ex-coordenador regional da Fetragri, condenados a dois anos e cinco meses de prisão pelo juiz Federal de Marabá, Carlos Henrique Haddad. A sentença ainda lhes nega o direito a pena alternativa, prevista no Código Penal para penas até quatro anos. O processo se refere à ocupação da Superintendência do Incra em Marabá, em abril de 1999, por mais de 10 mil trabalhadores rurais de acampamentos e assentamentos da Fetagri e do MST. Quando, 20 dias depois de iniciado o acampamento, o governo decidiu negociar com os trabalhadores, estes, cansados de esperar por alguma resposta, à noite, entraram nas dependências do Incra, impedindo a saída da equipe oficial de negociação do prédio durante o resto da noite e início da manhã do dia seguinte. Os condenados foram responsabilizados por este ato, sabendo-se que o advogado José Batista cumpria apenas o papel de assessor do MST e da Fetagri nas negociações.


    A sentença contém contradições visíveis. Afirma com relação a José Batista  que “…é possível que não tenha incitado a invasão da sede do Incra pelos trabalhadores rurais e parece crível que não teria condições de controlar a multidão exaltada”, mas mesmo assim agravou a pena em mais três meses sob a alegação de que os acusados teriam “instigado ou determinado a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade”.


                Neste contexto da criminalização dos movimentos sociais vemos estarrecidos que o Conselho Superior do Ministério Publico do Estado do Rio Grande do Sul, por unanimidade, aprovou relatório que propõe :“designar uma equipe de Promotores de Justiça para promover ação civil pública com vistas à dissolução do MST e declaração de sua ilegalidade (…)” e ainda “…intervenção nas escolas do MST”. O movimento que o próprio Ibope, em recente pesquisa sobre os movimentos sociais encomendada pela Vale, considera como uma das “instituições nacionais” é tratado como uma organização criminosa, com ligações com as FARC e grupos terroristas. Ainda mais preocupante é ver que o Conselho se baseou num relatório de procuradores que apresenta textos de Florestan Fernandes, Paulo Freire e Chico Mendes como exemplos da “estratégia confrontacional” do movimento. Não se via nada semelhante desde os tempos da ditadura!


    Com base em relatórios como este, o poder Executivo do estado do Rio Grande do Sul decidiu colocar a Brigada Militar para promover violentíssima repressão contra as agricultoras que protestavam em março em defesa do meio-ambiente, em Rosário do Sul, RS;  contra os acampados em área de terra já desapropriada pelo Incra, no município de São Gabriel, RS, no início de maio; e para despejar centenas de famílias acampadas em áreas cedidas por pequenos proprietários, no município de Coqueiros do Sul, no dia 17/06. São ações muito bem orquestradas entre Ministério Público, Judiciário e Executivo. No caso de Coqueiros do Sul a petição datada em 16 de junho recebeu no mesmo dia despacho favorável de mais de 20 laudas do juiz de Carazinho e já na madrugada seguinte mais de 500 homens da Brigada Militar entravam nos acampamentos, de surpresa, antes da chegada do oficial de justiça. Um dos promotores fez questão de deixar explícitos os objetivos desta ação: “não se trata de remover acampamentos, e sim de desmontar bases que o MST usa”.


    Ao mesmo tempo em que os movimentos são atacados e depreciados e que mais de 30 lideranças dos movimentos sociais são investigadas pela Polícia Federal ou tem processos só na Justiça Federal de Marabá, os crimes contra os trabalhadores rurais e seus aliados continuam impunes.  O único mandante preso no Pará, Vitalmiro Bastos de Moura, Bida, condenado pelo assassinato de Irmã Dorothy foi libertado por decisão de novo julgamento no tribunal do júri. E as suadas conquistas dos povos tradicionais enfrentam barreiras cada vez maiores como é o caso da suspensão pelo STF da retirada dos arrozeiros da Terra  Indígena Raposa Serra do Sol e os constantes ataques de graduados militares do Exército Brasileiro contra a demarcação em área contínua desta área, sob o argumento de defesa da soberania nacional. O mesmo se pode falar dos ataques que acabaram praticamente paralisando as ações de reconhecimento de áreas quilombolas.


    A Coordenação Nacional da CPT sente que infelizmente a elite econômica, o agronegócio e a mineração conseguem ditar as ações do Executivo e do Judiciário e em alguns casos do próprio Ministério Público. Repudia veementemente todos os ataques que pretendem denegrir a imagem dos movimentos sociais e manifesta sua solidariedade incondicional de modo especial ao companheiro José Batista, irmão de fé e de luta, ao MST e aos indígenas da Raposa Serra  do Sol.


     


    Goiânia, 26 de junho de 2008


     


    A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra


     


     


     


    Maiores informações:


    Dom Tomás Balduino – (62) 8117-1950


    Irmã Maria Madalena dos Santos – (62) 4008-6466; (62) 8156-3778


    José Batista Gonçalves Afonso  – (94) 3321-2229; (94) 9136-0253


     


     


     

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  • 27/06/2008

    Sombras da ditadura militar pairam sobre Raposa Serra do Sol

               Sombras da ditadura militar pairam sobre Raposa Serra do Sol


     


                                           “O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los. Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.” Norberto Bobbio em “A Era dos Direitos”.


     


                                                 “Na história recente da América Latina, a maioria dos   governos militares não institucionalizados só aceitam retirar-se do poder em troca de certas garantias. Tratam de fixar as regras do jogo. Mais ainda, quando a situação o permite, não vacilam em exigir um lugar para as instituições militares na ordem constitucional democrática e o direito permanente de supervisionar as decisões políticas.” Alain Rouquié em “O Estado militar na América Latina”.


     


     


    Os militares brasileiros, de maneira geral, passaram da ditadura para a democracia formal sem admitir a investigação nem a avaliação de suas práticas ao longo dos 25 anos em que exerceram o poder absoluto no país e sem admitir rever qualquer uma dessas mesmas práticas, nem as concepções que as embasam. Prova disso é a permanente ausência de iniciativas concretas, devido a resistências castrenses, de se abrir os arquivos militares do período ou mesmo de se realizar uma definitiva busca dos corpos dos desaparecidos políticos.


    Sempre que se toca no tema, por exemplo, quando do lançamento da publicação “Direito à Memória e à Verdade”, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, em 2007, os integrantes das Forças Armadas manifestam seu desagrado e reagem de forma pública, destilando o mesmo antigo ódio contra os mortos e desaparecidos e defendendo, no limite, a própria legitimidade da tortura e dos desaparecimentos. Para estes dirigentes militares, diversos ministros e integrantes do atual governo não passam de “ex-terroristas e subversivos”, indignos de confiança, quanto mais de respeito ou obediência. Com relação ao próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sua relação é de discreto desprezo, como alguém que se deve aturar, até que deixe o cargo, mas não acatar integralmente suas decisões políticas, e, sim, resistir àquelas consideradas “inaceitáveis”.


     


                                             Políticas e direitos “inaceitáveis”


     


    Entre as “políticas inaceitáveis” estão as tentativas de abrir os arquivos militares, de busca dos desaparecidos políticos, de esclarecimento das condições em que desapareceram, por um lado, e, por outro, as questões da Amazônia, da política ambiental e da faixa de fronteira; a política indigenista e a demarcação das terras indígenas.


    Com relação a estas últimas, as Forças Armadas, de maneira especial o Exército, acreditam que só elas têm as concepções corretas a respeito das políticas necessárias para a região amazônica e para nossas fronteiras, assim como acreditam que só elas têm a visão correta a respeito de como se relacionar com os povos indígenas. Nesta visão, são repudiados os Artigos 231 e 232, da Constituição Federal de 1988, assim como a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, da Organização das Nações Unidas (ONU), instrumentos legais internacionais dos quais o Brasil é signatário.


    Durante o período da ditadura militar, tentativas foram feitas, como o tristemente famoso “decreto de emancipação”, de 1977, no sentido de liberar as terras indígenas para as grandes empresas. A partir de uma conceituação de indígenas “aculturados” e “não-aculturados”, o governo militar pretendia manter algumas “reservas” e liberar o restante das terras indígenas para madeireiras, fazendeiros, mineradoras, garimpeiros etc. Claro está que as “reservas” seriam temporárias, com o tempo suficiente para se “aculturar” os indígenas ainda “não-aculturados” e, igualmente, expropriar suas terras e entregá-las aos empresários. Durante o Congresso Constituinte, nova tentativa foi feita, com o lobby militar e empresarial junto ao Centrão, maioria de parlamentares coordenada pelo então senador Bernardo Cabral, que tentou viabilizar uma proposta de legislação indigenista que também contemplava as figuras de indígenas “aculturados” e “não-aculturados”, novamente com o objetivo de expropriar seus territórios e entregá-los à exploração dos fazendeiros e das grandes empresas.


    A Constituição de 1988, no entanto, reconheceu “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (Capítulo VIII – Dos índios – Artigo 231 da CF). O Artigo 231 afirma ainda, em seu segundo parágrafo: “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. E no quarto parágrafo: “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. Ou seja, a Constituição de 1988 rompeu com a perspectiva integracionista vigente desde o período colonial no Brasil e abriu uma nova perspectiva, de reconhecimento dos direitos territoriais e culturais dos povos indígenas


    Como se nada houvesse passado nos últimos 20 anos, para os militares os povos indígenas devem “ser plenamente integrados à sociedade nacional”, suas terras e riquezas devem ser colocadas à disposição do mercado e do “desenvolvimento do país”. Para os militares, os povos indígenas não podem ser reconhecidos como tais, pois o seu mero reconhecimento significaria “uma ameaça à soberania nacional”.


    A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é, no momento, a principal vítima da reação militar às políticas de governo e às conquistas constitucionais dos povos indígenas. Na verdade, para os militares, Raposa Serra do Sol deverá ser, numa concepção de guerra, a “cabeça de ponte” de um ataque generalizado às demarcações e homologações de terras indígenas já feitas, sendo feitas ou a serem feitas no Brasil. Trata-se de voltar ao período pré-constitucional, anular demarcações, evitar novas e disponibilizar os territórios indígenas para as grandes corporações nacionais e internacionais, principalmente mineradoras, e para o agronegócio. Só assim, a “Segurança Nacional” estaria garantida.


     


                                                           O processo no STF


     


    Os militares nunca aceitaram a demarcação e homologação das terras indígenas na região amazônica, particularmente dos territórios Yanomami e Raposa Serra do Sol. Com relação à homologação do território Yanomami, em maio de 1992, durante o governo Fernando Collor de Mello, os militares reagiram, protestaram, buscaram impedir de todas as maneiras, inclusive junto ao ministro da Justiça da época, coronel Jarbas Passarinho, mas a terra indígena acabou sendo demarcada e homologada.


    Com relação à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, os militares, assumindo como inadmissível o que consideram uma nova “derrota” de suas posições, buscaram intervir de forma intensa, em todas as áreas possíveis e de maneira planejada, com estratégia e táticas claramente definidas, para que a homologação fosse desconstituída antes que a retirada dos invasores fosse consumada. Para tanto, tornaram-se aliados dos seis grandes arrozeiros e com eles vêm atuando há anos de maneira articulada, na própria terra indígena, junto à sociedade nacional, aos meios de comunicação, a órgãos governamentais, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, particularmente junto ao Supremo Tribunal Federal.


    Em meados de 2006, um membro da Abin (Agência Brasileira de Informações) instalou-se numa sala da prefeitura de Pacaraima (RR), cujo prefeito é o líder arrozeiro Paulo César Quartiero. O objetivo do militar ali era o de assessorar o conjunto dos grandes invasores a resistir de forma armada à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e à desintrusão que deveria ser realizada pela Polícia Federal, ensinando táticas de guerrilha, técnicas de fabricação de bombas incendiárias e de instalação de minas aos pistoleiros dos fazendeiros.


    De 2005 a 2007, o Exército boicotou como pôde as operações de desintrusão planejadas pelo governo federal, repassando sistematicamente informações sobre os planos de retirada dos invasores para estes e seus aliados na mídia e no Congresso Nacional, conseguindo que tais operações fossem seguidamente abortadas.


    A desintrusão foi definitivamente deflagrada em abril de 2008, com a Operação Upatakon 3, com a participação apenas da Polícia Federal, devido a impossibilidade de se contar com a contribuição do Exército. Neste momento, os militares realizaram um movimento duplo: por um lado, atuaram no terreno, dando apoio logístico à resistência armada dos invasores contra os policiais federais; por outro, atuaram no Supremo Tribunal Federal (STF), dando falsas informações a respeito de um iminente confronto armado e sangrento, envolvendo a população civil e a Polícia Federal em Roraima. Conseguiram, assim, disseminando mentiras entre os ministros, a suspensão da Operação Upatakon 3 pelo Plenário do STF,  o que foi feito em poucos minutos, sem debate e de forma unânime. Continuam, até os dias de hoje, de maneira sistemática e diária, desinformando ministros e assessores sobre a realidade dos povos indígenas daquela região.


     


                                                  A “guerra de posições” se expande


     


    Durante os primeiros dias da “resistência”dos arrozeiros, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, comandante do Exército na Amazônia, veio a público destilar todas as críticas dos militares ao governo federal e sua política indigenista. O general fez sua aparição pública no mesmo estilo agressivo em que os militares costumam atacar a política governamental de Direitos Humanos, no que toca à questão dos desaparecidos políticos.


    O general Heleno chegou a afirmar que “não sirvo a este governo, sirvo ao Estado brasileiro”. Brandamente admoestado, continuou no cargo, a dar declarações à imprensa contra a política indigenista e a dar palestras, com uniforme de campanha, para audiências de militares da reserva e da ativa. Associações de militares da reserva e de  militares da ativa passaram a solidarizar-se imediatamente com o general Heleno, tratado como porta-voz do conjunto da caserna.


     Em Roraima, os militares também manifestaram publicamente seu apoio político incondicional aos invasores da terra indígena. O Comandante da 7ª Brigada de Infantaria de Selva (BIS), general Eliezer Girão Monteiro Filho, recebeu, no dia 9 de maio, em pleno quartel, uma manifestação política de arrozeiros e familiares para elogiá-los e incentivá-los a “defenderem suas propriedades” frente a homologação da terra indígena. “Cobrem respeito à propriedade de vocês. A terra que está lá, ainda que dentro da Raposa, ainda está sob o nome de suas famílias. São dos senhores”, disse o general aos manifestantes, repetindo a acusação de que a demarcação de terras indígenas em faixa de fronteira significaria uma “ameaça à soberania nacional”.


    No dia 18 de abril, o general Gilberto de Figueiredo, presidente do Clube Militar,  manifestou solidariedade ao general Heleno, seguido do presidente do Clube da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Ivan Frota. Este, segundo noticiou a imprensa (Folha de São Paulo, 19/04/08), “ameaçou com o maior movimento de solidariedade militar” caso o presidente Lula “continuasse com a coação ao general Heleno”. O presidente do Clube da Aeronáutica declarou ainda que a declaração do general Heleno “representa a síntese do pensamento castrense atual”.


    No mês de junho, em entrevista ao jornalista Luiz Carlos Azenha, o general Figueiredo voltou a externar seus pontos de vista. Eis parte do depoimento de Azenha, publicado em seu blog, em 26 de junho: “Quando entrevistei o general Figueiredo, em Brasília, ele fez duras críticas à Constituição de 1988. Segundo ele, dois interesses se conjugaram na Constituinte para escrever o capítulo referente aos direitos indígenas: os esquerdistas e o grande capital.


    De acordo com o raciocínio do general, ambos são internacionalistas. O interesse do grande capital, no caso, seria o de reservar grandes áreas do Brasil para futuro uso, através da instrumentalização dos indígenas. Ou seja, os minérios e outros recursos naturais existentes hoje em terras indígenas ficariam à espera do momento em que os países desenvolvidos – França, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha – precisassem deles.


    Quando isso acontecer, os indígenas promoveriam um movimento separatista, entregando o ouro aos bandidos.


     De acordo com o general, os esquerdistas não têm apego à idéia de nação. Fazem parte de um movimento internacional ao qual subordinam o Brasil. Por isso essa esquerda teria apoiado o capítulo que trata dos indígenas na Constituição de 1988.”


    Azenha adianta sua avaliação a respeito dessa posição do militar: “Na minha modesta opinião a teoria dos índios imperialistas serve a interesses inconfessáveis: ajudar o agronegócio a tomar terra dos índios”.


    A posição do general Figueiredo fecha o raciocínio militar, segundo o qual é necessário continuar, nos dias de hoje, a dar combate contra os dois grandes inimigos internos: os esquerdistas e os povos indígenas.


    Decorrem daí os ataques permanentes contra a política do governo federal com relação aos Direitos Humanos, no que se refere aos desaparecidos políticos, por um lado e, por outro, contra a política indigenista oficial. Esquerdistas, mesmo mortos e desaparecidos, e povos indígenas continuam todos alvos militares.


    Esta guerra de décadas foi transferida, devido às manobras dos militares, invasores das terras indígenas e seus aliados políticos, para um novo campo de batalha: o Supremo Tribunal Federal.


     


     


                                            A violência se espalha, impunemente


     


    No dia cinco de maio, um grupo de dez indígenas, que se encontrava trabalhando em sua terra, foi atacado com bombas e tiros pelos pistoleiros encapuzados do invasor Paulo César Quartiero, deixando vários feridos. Identificada a autoria do crime, o arrozeiro teve prisão decretada e as instalações de sua invasão investigadas pela Polícia Federal. Lá foram encontradas mais de 140 bombas incendiárias e material explosivo, de posse exclusiva das Forças Armadas. Dias antes, indígenas que trabalhavam na área viram duas caminhonetes do Exército entrarem na fazenda e ali permanecer até o dia do atentado criminoso.


    As investigações da Polícia Federal levaram à convicção da participação do coronel Gélio Fregapani, ex-chefe da Abin em Roraima, como orientador dos pistoleiros de Quartiero, tanto para a fabricação das bombas incendiárias, como em táticas de guerrilha e na orientação da logística do ataque ao grupo de dez indígenas. Quartiero se refere a Fregapani como seu “amigo pessoal”. Além do ensino em fabricação de bombas, teria partido também de militares a orientação para a colocação de um carro-bomba em frente à sede da Polícia Federal e as orientações para a colocação de minas explosivas na estrada que vai de Boa Vista a Surumu, onde se encastelaram com barricadas  Quartiero e seus pistoleiros, contra a Polícia Federal que pretendia realizar a Operação Upatakon 3.


    Desnecessário lembrar que, se detonados, o carro-bomba, assim como as minas explosivas, teriam causado inúmeras mortes, tanto de policiais federais como de pessoas comuns, transeuntes inocentes, índios e não índios, crianças, mulheres, idosos.


    Seria o caso de nos perguntar se aqui reside a auto-propalada valentia e coragem dos “líderes da resistência”, invasores da terra indígena e seus especializados assessores?


    Apesar de tantas evidências do envolvimento militar em todas as ações dos invasores de Raposa Serra do Sol, nenhuma advertência foi feita, nenhuma investigação concluída, muito menos nenhuma prisão efetuada. Pelo contrário, militares e invasores  continuam fazendo declarações ofensivas aos povos indígenas nos meios de comunicação, continuam também atacando a política indigenista oficial e a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.


    Ou seja, militares se sentem com a autoridade e liberdade suficientes para continuar se insubordinando e atacando o próprio governo ao qual deveriam servir. Mas, como já declarou o general Heleno, eles não reconhecem o governo Lula como autoridade, pois servem somente ao “Estado”.


     


                                                              Conclusão


     


    Agora, transcorre o tempo até o momento, provavelmente no próximo mês de agosto, em que o STF deverá se reunir para decidir sobre a constitucionalidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.


    Não pensemos que militares e arrozeiros estão, de forma serena, esperando o resultado deste debate. Pelo contrário, estão extremamente ativos, tratando de influir decisivamente em tal resultado. Para tanto, além do lobby permanente instalado no STF,  veiculam inverdades e preconceitos com relação aos povos indígenas de Raposa Serra do Sol, em quantidades industriais, nos sites da internet, em blogs de ultra-direita e nos meios de comunicação onde possuem aliados e simpatizantes. Em seus recados à imprensa, os arrozeiros já declararam que não irão admitir serem “roubados pelo STF” e que não irão aceitar uma decisão contrária a seus interesses.


    Os únicos que estão, de maneira pacífica, embora firme e aberta ao diálogo com a sociedade nacional, esperando a decisão da Suprema Corte, são os povos indígenas de Raposa Serra do Sol que, de resto, assim agiram nos últimos 34 anos, sempre à espera da Justiça, sempre respeitando a legalidade e as instituições do Estado brasileiro.


    Diante de tudo isso, não resta dúvida: uma eventual vitória da anulação da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol será uma vitória da força bruta, da violência, da ação clandestina, da disseminação de mentiras e preconceitos contra os povos indígenas e do medo em meio à população. Será, igualmente, uma vitória do retrocesso do Estado brasileiro, numa retomada da perspectiva de “integração dos indígenas à sociedade nacional”, da inviabilização de sua existência como povos culturalmente diferenciados no interior do Estado nacional e da expropriação de suas terras e recursos nela existentes para a exploração pelas grandes empresas nacionais e estrangeiras.


    Pelo contrário, a manutenção da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol irá sinalizar, para toda a sociedade brasileira, que neste país existem leis a serem obedecidas e instituições que devem ser respeitadas – existe, principalmente, uma Constituição que deve ser zelada por todos.


    Fundamentalmente, irá mostrar que o Supremo Tribunal Federal exerce, de fato, o papel de instituição do Estado democrático responsável por assegurar que esta Constituição seja realmente cumprida, em benefício da Verdade, da Justiça e da construção de uma sociedade onde o Direito seja um patrimônio realmente de todos, sem distinção de raça, cultura, etnia ou classe social. 


     


    Brasília, junho de 2008


     


    Paulo Maldos


    Assessor político do Cimi


     


     

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  • 27/06/2008

    Os povos indígenas do Xingu e a hidrelétrica Belo Monte

     


    Dom Erwin Kräutler – Bispo do Xingu e Presidente do Cimi


     


    “É teu povo, Senhor, que eles massacram,


    é tua herança que eles humilham!”


    (Sl 93 (94),5)


     


    Uma história que não é de hoje


    O Xingu é um rio peculiar e único. Não dá para compará-lo com qualquer outro rio da Amazônia. Só ele faz aliança com o majestoso Amazonas através de um largo delta. Na foz, suas lindas águas verde-esmeralda se mesclam com as águas barrentas do rio-mar no qual se perde finalmente acima do Forte de Santo Antônio de Gurupá. Percorreu 2045 km desde o Mato Grosso, onde nasce a 600 metros acima do nível do mar na junção da Serra do Roncador com a Serra Formosa.


     


    O Xingu é misterioso. Seu nome até hoje não tem explicação etimológica. Alguns estudiosos querem traduzi-lo como “casa dos deuses” ou melhor “Casa de Deus”, mas não se tem certeza qual seria a verdadeira raiz subjacente a este nome. Suas águas ora são calmas e pacíficas formando extensos lagos, ora furiosas e indômitas quando se estreitam em perigosas cachoeiras que já ceifaram muitas vidas de viajantes desavisados ou afoitos que teimaram enfrentá-las. Pode ser que não seja a Casa de Deus, mas que é um rio sagrado para os povos que habitam nas suas margens há milhares de anos, quem teria a ousadia de negar!


     


    O Xingu narra a história do paraíso de antanho e repete as palavras divinas “E Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1,31). Mas conta também a história da rebelião contra Deus, da prepotência e arrogância dos homens que queriam ser como deuses (cfr. Gn 3,5). Relata ainda a violência assassina que ceifou a vida do irmão e brada pelos séculos afora a palavra de Deus: “Que fizeste! Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim!” (Gn 4,10).


     


    Na realidade, as águas do Xingu deveriam ter a cor do sangue por causa das inúmeras chacinas que se perpetraram ao longo dos séculos passados. A fúria antiindígena assassinou com armas de fogo a índios munidos apenas de arco e flecha e bordunas. Os invasores misturaram nas praças das aldeias com o barro vermelho também o sangue de indefesas mães e mulheres grávidas, jovens e crianças recém-nascidas. Milhares tombaram!


     


    O mundo que se autodenomina de “civilizado” fechou os olhos, mostrou indiferença diante do sangue indígena bradando por justiça, gritando pelo direito de viver, reclamando a pátria que Deus criou para estes povos, defendendo o chão de seus mitos e ritos, chorando a terra onde sepultaram os antepassados. Até hoje o índio é chamado com desprezo de “silvícola”, um termo que insinua tratar-se apenas de algum bípede a mais, sem inteligência e livre arbítrio. Grande parte da sociedade envolvente vê ainda os povos indígenas como uma horda de malfeitores, de agressores hostis, selvagens, traiçoeiros, bárbaros, cruéis, não-confiáveis.


     


    A história dos índios é uma história de rios de sangue derramado. Assim, tudo que hoje acontece de desfavorável, de adverso faz emergir do inconsciente coletivo destes povos todo o sofrimento do passado, toda hostilidade de que foram vítimas desde que os europeus fincaram o pé neste continente e os bandeirantes avançaram em todas as direções abrindo caminho a ferro e fogo.


     


    Não faz tanto tempo que o próprio órgão governamental encarregado de proteger os povos indígenas, o Serviço de Proteção ao Índio – SPI, participou de massacres. Foi extinto por causa da repercussão no exterior das escandalosas carnificinas e substituído pela Fundação Nacional do Índio – Funai. Em 1967 veio à tona o assim chamado “Massacre do Paralelo 11” que aconteceu em 1965. Um seringalista do Mato Grosso deu ordem para exterminar uma aldeia. Primeiro sobrevoaram o povoado e jogaram bombas, depois entraram na aldeia e mataram a todos. Eu mesmo vi uma fotografia que mostra uma mulher indígena presa pelos pés, de cabeça para baixo, ladeado por dois homens brancos com facões. Esquartejaram a mulher. A mera lembrança da foto me causa arrepios. Isso não aconteceu no tempo dos bandeirantes, mas há apenas pouco mais de quarenta anos.


     


    Naquela mesma década de 60 outra agressão bem planejada aconteceu no Xingu. A ação criminosa nunca foi investigada. Os criminosos não foram identificados e punidos por homicídio qualificado cometido em série. Alguns políticos queriam a todo custo tirar Altamira do ostracismo. A cidade precisava ser ligada através de uma estrada – mesmo que fosse apenas uma picada – com Santarém, o portal a dar acesso ao mundo.


     


    O empecilho para concretizar o intento foram os índios Arara que viviam na região que hoje coincide com os municípios de Medicilândia e Uruará. Mas para não frear o progresso “esses selvagens” tinham que ser “eliminados”. Se a expedição avistasse um índio Arara, a ordem era de executá-lo imediatamente! Não se sabe do número exato de índios Arara mortos naquele tempo. Só se sabe que foram muitos. Morreram até eletrocutados quando se aproximaram do barraco da “força expedicionária” circundado por uma cerca de arame conectada com um grupo gerador. Os índios queriam ver os “brancos”, seguraram no arame e levaram choques de 220 volts.


     


    A história deste povo que vivia sossegado no meio da mata entre Altamira e Santarém culminou em outra tragédia durante a construção da Transamazônica. A nova rodovia passava a três quilômetros da aldeia dos Arara no igarapé Penetecaua. Os índios foram até perseguidos por cachorros. A forçada convivência com o mundo dos brancos trouxe doenças como gripe, tuberculose, malária. Outros tantos morreram. O mundo lá fora, no Brasil e no exterior, nada soube desta desgraça que desabou sobre um povo. Continuava a aplaudir “a conquista deste gigantesco mundo verde”, palavras que constaram da placa afixada no tronco de uma castanheira derrubada quando o presidente da República deu solenemente início aos trabalhos de construção da Transamazônica. A que preço! Nunca me esqueço do dia em corria a notícia de que, finalmente, os “terríveis índios Arara” haviam sido dominados. Como prova de que o “contato” tinha sido um sucesso total, trouxeram uns representantes daquele povo que até então vivia livre na selva xinguara. Nus, tremendo de medo em cima de uma carroça, foram expostos à curiosidade popular como se pertencessem a alguma rara espécie zoológica.


     


    Vivemos em outros tempos. Pelo menos assim pensamos. Celebramos 60 anos de promulgação da Carta Magna dos Direitos Humanos. Qualquer discriminação racial é condenada. É proclamada a igualdade de povos e raças. No Brasil temos desde 1988 uma Constituição Federal em que os direitos indígenas são inscritos no Artigo 231. Foi abolida a tutela de um órgão estatal. Os indígenas, outrora equiparados aos menores de idade e aos deficientes mentais, alcançaram plena cidadania, não precisando mais ser tutelados. Tem todo o direito de ir e vir como qualquer brasileiro. Mesmo assim, enquanto já estamos festejando os 20 anos da Constituição “cidadã”, parte da imprensa ainda não se inteirou desta novidade constitucional e há jornais insistindo que ”a Polícia Federal deverá pedir explicações à Funai (…) já que o órgão é o tutor legal dos índios brasileiros[1].


     


    O salto qualitativo da letra constitucional para o chão concreto da realidade em que os povos indígenas vivem ainda não aconteceu. Se uma demarcação de área indígena é concluída com a homologação pelo presidente, prevista em lei, um clamor ensurdecedor se levanta pelo Brasil afora, reclamando que “há muita terra para pouco índio”. E o pior aconteceu há algumas semanas em Altamira. Uma rádio local se desdobrou em berrar agressões verbais contra os índios, insultos racistas que fazem inveja ao tratamento destinado aos judeus pelo regime nazista. Pensávamos que tais excessos pertencessem a um passado longínquo e tivessem sido há muito tempo extirpados do vocabulário jornalístico. Infelizmente nos enganamos. A onda antiindígena assume novamente proporções alarmantes.


     


    De Kararaô a Belo Monte


    Muitos não recordam o tempo a ditadura militar e, já que a memória tem fama de ser curta, poucas pessoas se lembram dos mandos e desmandos dos presidentes plenipotenciários daquela época. Um deles foi o general Emílio Garrastazu Medici. Tornou-se célebre pelo Projeto de Integração Nacional e a construção da rodovia Transamazônica, inaugurada em setembro de 1972. Foi a década do “Integrar para não entregar” e de outro slogan que desencadeou uma migração sem precedência no Brasil. “Terra sem homens para homens sem terra!” exclamava eufórico o general-presidente, o que não deixou de ser um tremendo insulto aos povos indígenas que há milênios habitam a Amazônia. O presidente simplesmente os ignorou, despojou-os da cidadania, negou-lhes a existência, considerou-os definitivamente mortos.


     


    Milhares de famílias rumaram do Nordeste, Centro, Sudeste e Sul para a Amazônia. No entanto, o Projeto de Integração Nacional previu também a construção de barragens. A rodovia cortou os grandes rios nas proximidades das principais quedas d’água. Já em 1975 a Eletronorte contratou a firma CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar e indicar o local exato de uma futura hidrelétrica. Em 1979 o CNEC terminou os estudos e declarou a viabilidade de construção de cinco barragens no Xingu e uma no rio Iriri, maior afluente do Xingu. Ao povo do Xingu negou-se qualquer informação mais detalhada. Só se sabia que o governo pretendia tocar a construção o quanto antes possível.


     


    Os povos indígenas reagiram pela primeira vez em 1989. Vieram uns 600 índios para Altamira e hospedaram-se no centro Betânia da Prelazia do Xingu. Vieram para protestar contra a decisão do governo de sacrificar o rio Xingu. O encontro que os índios chamaram de “Primeiro Encontro das Nações Indígenas do Xingu” realizou-se entre os dias 20 e 25 de fevereiro de 1989 e alcançou uma enorme repercussão nacional e internacional.


     


    A foto que retratou a cena em que a índia Kayapó Tuyra encostou a lâmina de seu facão no rosto do então presidente da Eletronorte e hoje presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, percorreu o mundo inteiro e virou a logomarca da oposição indígena ao projeto de hidrelétrica. Tuyra tornou-se a mulher mais famosa do mundo Kayapó, mãe carinhosa com seus filhos e ao mesmo tempo guerreira intransigente quando se trata da defesa de sua terra e seu rio. Pouco depois daquele memorável encontro, o Banco Mundial negou o suporte financeiro e o projeto foi arquivado. Nunca, porém, foi abandonado. Já na década de 90 foi desengavetado e veio à tona com mais força.


     


    No inicio do mês de junho de 2007, reuniram-se outra vez representantes de vários povos indígenas do Xingu no Centro Betânia da Prelazia do Xingu e insistiram que colaborássemos com eles para promover um Encontro dos Povos Indígenas semelhante àquele que aconteceu em 1989. Os índios pretendiam chamar a atenção do Brasil e do mundo, condenando o projeto faraônico que ameaça imolar ao deus-progresso o rio Xingu que para eles é sagrado, símbolo da vida, dádiva de Deus.


     


    No dia 3 de junho de 2007, os participantes do encontro foram para a beira do rio, em Altamira, para uma manifestação contra o projeto de hidrelétrica ressuscitado que recebeu o nome “Belo Monte” em substituição à denominação anterior “Kararaô” que equivale a um grito de guerra do povo Kayapó. Mudou apenas o nome! O atual governo o considera prioridade no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O presidente Lula antes de ser eleito manifestou-se contra Belo Monte. Do mesmo jeito vários membros do Congresso Nacional, entre eles o deputado federal Zé Geraldo (PT/PA), eleito pelas comunidades do Xingu, declararam-se visceralmente contrários, quando estavam em campanha eleitoral. Mas que surpresa para todos nós: depois de eleitos mudaram de posição. O que antes condenaram com veemência, de repente, da noite para o dia, passaram a defender com unhas e dentes. O que estaria por trás dessa repentina metamorfose camaleônica?


     


    Doravante, o povo do Xingu é informado de que se trata apenas de uma Unidade Hidrelétrica (UHE) e não mais de um Complexo Hidrelétrico. Não deixa de ser uma mentira deslavada que se propaga sem nenhum pudor, um artifício empregado propositadamente para ludibriar o povo. Todo mundo sabe que seria um incalculável desperdício investir bilhões de reais em uma usina que durante o verão tropical não tem condições de funcionar plenamente quando o volume de águas do Xingu diminui. É a estação em que extensas praias de areia branca e dourada emergem das águas cristalinas transformando a região numa paisagem deslumbrante.


     


    Mas os barrageiros não se deixam impressionar pela beleza exótica do Xingu. Já baixaram a sentença e fim de papo. O rio tem que ser sacrificado! É o preço a pagar! Outras barragens serão necessárias e estão programadas! Para adiantar o serviço, a Eletrobrás já dispõe de todo o “inventário” do Xingu com o respectivo mapa que prevê os barramentos e as áreas alagadas até acima da cidade de São Félix do Xingu. Parece tratar-se de estudos clandestinos, pois não são acessíveis ou revelados ao público, algo que deve estar levando o carimbo “matéria altamente confidencial” ou “segredo de Estado”. Por que todo esse sigilo?


     


    No mesmo dia 3 de junho de 2007 um cacique Kayapó subiu num caminhão estacionado na avenida que margeia o Xingu, pegou o microfone e indagou gritando: “O que será de nossas crianças?” e acrescentou: “Não permitimos que as sepulturas de nossos ancestrais vão para o fundo!”. Enquanto empresários e comerciantes defendem Belo Monte na acalentada esperança de “chuvas de dinheiro” desabando sobre Altamira e não se preocupam com as consequências perniciosas para a vida de milhares de pessoas – mormente a população das baixadas que terá suas casas e propriedades alagadas, enquanto os membros desse consórcio empresarial abertamente demonstram que não lhes causa nenhuma inquietação se áreas indígenas demarcadas e homologadas são alagadas e o povo ribeirinho prejudicado – enquanto essa gente que em sua grande maioria veio de outros estados não tem nenhuma dor de consciência diante de um programado desastre ecológico irreversível, um índio, até hoje considerado um supérfluo resíduo da idade da pedra lascada, esse índio discriminado e tratado com desdém ou desprezo, é quem dá uma lição a toda a sociedade. Esse consórcio “comercial, industrial e agropastoril” só pensa em si. Não mantém laços nem com o passado, nem os estabelece com as futuras gerações, não se relaciona nem com quem vivia antes nem com quem vem depois. É uma associação de gente imediatista, interesseira e egoísta que aposta apenas em lucros fabulosos e declara guerra a quem tiver a petulância de se opor a sua ambição e ganância que não respeita nada e ninguém.


     


    De repente, um índio chama a atenção para o direito das futuras gerações que também querem viver e estabelece ainda uma ponte com os antepassados, de quem herdamos este mundo que Deus criou. O índio teve a coragem de alertar para as consequências nefastas de um projeto megalomaníaco. À beira do rio, indígenas e não-indígenas se deram as mãos para selar o pacto de lutar contra a destruição do rio e da vida: Xingu Vivo para Sempre!


     


    Em 1989 os índios se manifestaram, em 2007 insistiram de novo num grande encontro e mostramo-nos sensíveis ao pedido de todos os povos indígenas da bacia do Xingu.


     


    Por que representantes da Eletrobrás ou Eletronorte nunca passaram por uma única aldeia para ouvir os índios a respeito de Belo Monte? Por que não pediram ajuda de quem realmente entende do mundo Kayapó para manter contatos com esses povos que são os primeiros a habitar esta terra? Por que essa discriminação, exclusão, marginalização dos povos autóctones? Por que?


     


    Nas audiências chamadas “públicas” não se fala a verdade nem existe real possibilidade para o povo manifestar as suas dúvidas, fazer indagações e apresentar críticas. Essas audiências são apenas parte de um ritual em que os enviados da Eletrobrás ou do governo recitam o rosário de vantagens e benefícios. Só vantagens! Só benefícios! Parece terminantemente proibido criar no povo a sensação de que possa haver alguma sequela negativa ou algum dano irreparável. Se alguém se atrever em insistir e opor-se ao discurso oficial, a resposta repetida até criar náuseas é e será sempre: “É o preço a ser pago pelo progresso!” “É a exigência do desenvolvimento”.


     


    Instados a explicar o que entendem por desenvolvimento e progresso, recusam-se a responder. Dizem que não não vieram para discutir questões “ideológicas”. Fato é que a Eletrobrás sabe o que convém à sociedade, não ao zé-povinho. Causa realmente espécie a repetição de slogans, chavões pré-fabricados não com a intenção de esclarecer, mas de cooptar.


     


    Veja-se o caso da índia Xipaia que está sendo aplaudida pelo pessoal do Consórcio e filmada afirmando que está a favor de Belo Monte, porque “o índio está no escuro”. Sei quem é essa senhora. Ela mora há décadas na cidade e há luz na casa dela desde que a energia elétrica chegou a Altamira. “Cimi não dá dinheiro! Dom Erwin não dá dinheiro! Eletronorte dá dinheiro, paga conta! Por isso somos a favor de Belo Monte!” são frases que foram ouvidas na aldeia de determinado grupo que se distanciou dos outros povos indígenas do Xingu e não participou mais de nenhum evento. Que maneira mais esdrúxula de defender a “UHE Belo Monte”, cooptando índios menos avisados e ainda acenando com vantagens financeiras aos que prometem defender o projeto.


     


    Obcecado pela idéia de acelerar o crescimento da economia, o próprio presidente Lula identificou como “entraves” a esta medida a questão dos índios, dos quilombolas, dos ambientalistas e até do Ministério Público. Considerou ainda “penduricalhos” os artigos da legislação ambiental pois estes parâmetros legais estariam travando o desenvolvimento do país. Por isso a ordem é de desconsiderar ou, pelo menos, não dar tanta importância a impactos sociais e ambientais. Caso contrário, o país estaria condenado à estagnação.


     


    Mas, já que são exigidos estudos preliminares no caso de uma hidrelétrica, o governo encarrega os primeiros interessados no projeto, os grandes empreendedores, de providenciar os estudos de viabilidade ou de impacto ambiental e social. Terão a seu dispor cientistas de sua inteira confiança que na mais cega obediência aos ditames superiores corroborarão a tese que já é definida antes do estudo: o impacto ambiental e social será mínimo ou praticamente nulo. Alega-se: “O Brasil não pode esperar!” Ou alguém pensa que uma dessas empresas esteja interessada em apontar impactos ou danos sociais e ambientais? Isso equivaleria a cortar o galho em que estão sentadas.


     


    A pergunta chave é: A quem mesmo interessa Belo Monte? Ao Brasil? Vai melhorar o padrão de vida dos paraenses, dos xinguaras, do povo de Altamira, Vitória do Xingu, Souzel, Anapu, da Transamazônica, do Baixo Xingu? A energia, a quem será destinada? Todos sabemos que serão mais uma vez beneficiadas as multinacionais que vivem às custas do Brasil com todas as mordomias fiscais e facilidades energéticas.


     


    O preço da energia para a família brasileira é escandaloso, é exorbitante, mas as empresas transnacionais contam com a benevolência magnânima dos sucessivos governos. O Pará, a Amazônia é considerada mera “província” energética, mineral, madeireira, última fronteira agrícola… Nunca saiu dessa categoria de “província”. A metrópole, o centro nevrálgico das decisões e deliberações, sempre se encontra alhures! Pouco interessa à metrópole se os povos da “província” passam bem ou vão de mal a pior. Algumas migalhas sempre caem, mais por descuido do que por amor aos pobres.


     


    E os nossos políticos, em vez de questionar esse sistema iníquo, de criticar estruturas prejudiciais aos povos da Amazônia, de exigir direitos e “royalties”, aplaudem de pé e não hesitam em apelar até para a terminologia teológica quando falam em “salvação”, “redenção” da região, do Pará e da Amazônia. Infelizmente nada entendem da máxima do grande Santo Tomás de Aquino: “Gratia supponit naturam” (a graça pressupõe a natureza). No contexto da Amazônia, jamais haverá redenção se a criação for arrasada, destruída, aniquilada. Aí só vai sobrar a desgraça, o caos, o apocalipse.


     


    Xingu Vivo para Sempre


    No dia 19 de maio de 2008 tive o privilégio de fazer a abertura do encontro Xingu Vivo para Sempre no Ginásio Poliesportivo de Altamira. Mais de 600 indígenas, mulheres, homens e crianças, entraram solenemente no recinto, cantando e dançando, erguendo suas lanças, bordunas e facões. Quem não se emocionou quando os índios Kayapó cantaram o Hino Nacional em sua língua materna! A platéia aplaudiu entusiasmada.


     


    Apresentei todos os caciques das 24 etnias presentes e saudamos os outros participantes do evento chamando-os por município. O ar foi festivo, animado, algo excepcional, pois não é todo dia que se vê tantos indígenas, pintados segundo suas tradições, dançando de acordo com os seus ritos milenares e cantando num idioma ancestral enquanto se movimentam num ritmo tão peculiar. Volta e meia, uma ou um Kayapó levanta para fazer sua dança individual erguendo um facão ou mostrando borduna e lança, os homens com seus barítonos volumosos e fortes, as mulheres com vozes elevadas, incisivas, às vezes até estridentes. A beleza exótica das expressões culturais comove e impressiona. A juventude, presente nas arquibancadas, vibra com as danças e aplaude com prolongadas salvas de palmas.


     


    Na manhã do segundo dia continuou a apresentação. Faz parte do ritual indígena que cada cacique fale, mesmo que repita argumentos ou opiniões anteriormente já expressos por um parente. Aliás, todos se entendem como parentes. A procedência geográfica não conta, nem sequer a etnia ou o tronco linguístico a que pertencem. Todos se tratam de “õbikwa”, familiares!  Se um sofre ou é agredido, todos se sentem atacados. Quando se apresentam, falam primeiro em sua língua materna e depois traduzem, eles mesmos, a fala para o português. Uns tem mais facilidade de expressar-se em português, outros não conseguem fazê-lo de modo correto.


     


    Percebe-se a sua alegria, mas muitas vezes também a angustia ou indignação por causa de alguma decisão do governo contrária a eles ou do avanço de latifundiários, mineradoras, madeireiras, garimpeiros para as terras habitadas por eles desde tempos imemoriais. São muito sensíveis a qualquer falta de consideração da parte da sociedade envolvente. Não ocultam a sua decepção. “Já estamos cansados de ouvir e não ser ouvidos. Já estamos cansados de escutar ameaças de construção de barragens na volta grande do Rio Xingu. Não estamos só defendendo o rio Xingu, mas os rios da Amazônia: moradia dos povos indígenas” reclama um dos caciques.


     


    Debates e o incidente


    Ao término das apresentações foi composta a mesa de trabalho para os debates. Foram chamados o professor Oswaldo Sevá Filho, da Universidade de Campinas (Unicamp); o engenheiro Paulo Fernando Viana Rezende, da Eletrobrás; Roquivan Alves da Silva, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB); Jean Pierre Leroy, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e Glenn Switkes, diretor do Programa Latino-americano do International Rivers Network (IRD).


     


    Oswaldo Sevá é conhecido nosso e dos indígenas. Veio para mais uma vez alertar sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu. Foi ele quem organizou o livro Tenotã-Mo, lançado em 11 de agosto de 2005, uma coletânea de artigos de especialistas de diversas áreas que pretendia provocar um amplo debate sobre as hidrelétricas na Amazônia. Fui convidado a escrever o prefácio para este livro. Para nossa total decepção, a Eletrobrás nunca respondeu às indagações e críticas da parte do mundo científico. Percebe-se nitidamente a arrogância de alguns órgãos do governo. Nós apelamos para argumentos, eles para o “poder”, ostensiva e cinicamente manifestado.


     


    Entrei no ginásio já no final da palestra do professor Oswaldo Sevá. Chegou a vez do representante da Eletrobrás, o engenheiro Paulo Rezende. Tive a impressão de que não encontrou tempo para se preparar. Assim optou por uma sessão “Power Point” como a Eletrobrás costuma fazer quando é solicitada por prefeitos, vereadores, comerciantes e empresários. Na tela apareceram números e estatítiscas, dificilmente identificáveis por causa da claridade do ambiente. A platéia começou a ficar inquieta e reagiu quando o engenheiro desqualificou o professor Oswaldo Sevá, chamando-o de “desatualizado”. As vaias se tornaram cada vez mais incisivas. Falei para a professora Mônica sentada ao meu lado: “Por que esse homem não pára, com todas essas vaias?”. Pareciam antes estimular o engenheiro. Alteou a sua voz, elevando-a a um tom provocador.


     


    O engenheiro cumpriu seu papel dentro do ritual previsto. Nada de admitir que o projeto possa trazer também consequencias adversas, irreversíveis. Aulas de pedagogia não devem constar da grade curricular de uma faculdade de engenharia. Assim o engenheiro não teve nenhum preparo para lidar com situações diferentes das que ele conhece no âmbito empresarial. Não conseguiu envolver a platéia, de modo especial os indígenas presentes. Perdeu as estribeiras e apelou para a arrogância. Por que não fez uma exposição mais simples para todo mundo entender? Por que não dividiu sua palestra em duas partes? Poderia, se assim o quisesse, falar primeiro das vantagens e dos benefícios que Belo Monte pode trazer. Em seguida abordaria com sinceridade e simplicidade as desvantagens, os prejuízos que, sem dúvida, a hidrelétrica irá causar. Mas nada disso aconteceu. Faltava franqueza e imparcialidade. O engenheiro transmitiu à platéia a sua convicção de que, haja oposição ou não, Belo Monte vai sair de qualquer jeito!


     


    Quando após a palestra do engenheiro, o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens, iniciou sua fala dizendo que os índios irão defender o Xingu para protegê-lo, ressoou de repente pelo ginásio um terrível grito de guerra. Os índios se levantaram e ergueram bordunas e facões e, em seguida, iniciaram uma dança movimentando-se em direção ao engenheiro. Vi os índios gesticular com facões e bordunas. Simbolizaram um ataque. Do lugar, onde eu estava, não pude observar que um dos fações resvalou no braço do engenheiro, ferindo-o. Quando consegui ficar mais próximo, percebi o corte no braço direito do engenheiro. Vi também como ele derramou toda uma garrafa de água mineral sobre o corte que sofreu. A intenção que teve, foi sem dúvida a de limpar a ferida, mas o resultado foi uma imensa poça d’água misturada com sangue que causou a tétrica impressão de que alguém havia sido esquartejado ou guilhotinado naquele mesmo instante. Inúmeras vezes esta mesma cena foi repetida nas reportagens de televisão. Sangue espalhada por toda parte. O engenheiro foi encaminhado para o hospital. Levou seis pontos e recebeu alta. Padre Renato Trevisan que tem uma larga experiência com o povo Kayapó, além de falar muito bem seu idioma, solicitou a um cacique que apaziguasse na língua Kayapó os espíritos excitados. O cacique pegou prontamente o microfone e falou a seu povo.


     


    Nós, da coordenação e responsáveis pelo evento, ficamos espantados, muito aflitos e angustiados ao extremo. Imaginávamos logo a repercussão do acidente nos meios de comunicação. Havia gente nossa chorando convulsivamente. Ninguém se conformara com o acontecido. Tudo estava correndo tão bem, sem sobressaltos. E agora?


     


    Afirmo com toda a ênfase e convicção que o corte com o facão que o engenheiro sofreu foi acidental. Muito lamentável, sem dúvida, mas jamais foi tentativa de homicídio, pois se os índios quisessem matar o engenheiro não o teriam atingido apenas no braço. Aliás, o próprio engenheiro em entrevista gravada para o programa “O Fantástico” da TV-Globo admitiu que foi um acidente. Repúdio e rejeito por uma questão de consciência a afirmação de que a agressão foi premeditada ou programada. São as forças antiindígenas que mais uma vez vêm à tona e agora se deleitam no macabro prazer de sustentar essa tese absurda.


     


    A coordenação do evento veio imediatamente a público e falou do incidente lastimável. Redigimos uma nota em que lamentamos profundamente o ocorrido. Fui procurado por jornalistas e dei várias entrevistas a diversos canais de televisão. Mesmo assim, parte da mídia optou pela divulgação sensacionalista dos fatos o que engendrou todo tipo de comentário ao longo dos dias e semanas subsequentes. Condenaram sumariamente a Prelazia do Xingu e o seu bispo e as outras entidades coordenadoras do evento.


     


    Pensávamos por alguns momentos até em encerrar o encontro, julgando que não houvesse mais clima para a continuação, mas, finalmente, decidimos cancelar apenas a passeata pelas ruas da cidade de Altamira e substitui-la por uma manifestação à beira do rio Xingu.


     


    No dia 23 de maio representantes dos povos indígenas e gente que vive ao longo do Xingu e seus afluentes, gente do campo e da cidade e representantes dos movimentos sociais se deram mais uma vez as mãos à beira do rio Xingu. Mais uma vez os índios discursaram e dançaram. As mulheres com as crianças entraram n’água para demonstrar como amam o rio e como dependem dele.


     


    Acabou o encontro Xingu Vivo para Sempre mas não acabou a luta em defesa desse rio maravilhoso e dos povos do Xingu. Foi lido o documento final em que os índios fazem questão de manifestar-se como “cidadãos e cidadãs brasileiras”. “Vimos a público comunicar a nossa decisão de fazer valer o nosso direito e o de nossos filhos e netos a viver com dignidade, manter nossos lares e territórios, nossas culturas e formas de vida, honrando também nossos antepassados, que nos entregaram um ambiente equilibrado. Não admitiremos a construção de barragens no Xingu e seus afluentes, grandes ou pequenas, e continuaremos lutando contra o enraizamento de um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente degradante, hoje representado pelo avanço da grilagem de terras públicas, pela instalação de madeireiras ilegais, pelo garimpo clandestino que mata nossos rios, pela ampliação das monoculturas e da pecuária extensiva que desmatam nossas florestas”.


     


     “Queremos o Xingu vivo para sempre!”






    [1] Por exemplo, O Liberal”  em sua edição de 26 de maio de 2008

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  • 27/06/2008

    Newsletter nº. 822: Execution of two Truká continues unpunished

    Newsletter nº. 822


     


    – Execution of two Truká continues unpunished


    nine Pirahã die because of absent healthcare


     


     


    ***


    Execution of two Truká continues unpunished


     


    The 30th of June it has been three years that Adenilson dos Santos and his son Jorge dos Santos of the Truká people were executed by military policemen. In spite of the evidence the assassins have never been punished.


     


    Adenilson, Dena for his friends, and Jorge were in the middle of a festive event in their village, within the Truká área, when four military police officers invaded the party celebration shooting in the air. Deno, who was in the middle of the crowd was hit. When Jorge saw his father hurt he tried to defend him and was shot as well, dying instantly.


     


    Lenient


    “When the indigenous wanted to take them to the hospital the police stopped them and shot the tires of the car that was going to transport them,” Pretinha Truká relates. She also tells that in these three years there have been only two interrogations. One with the four accused and, only one month ago, six witnesses were called.


    The Truká community does not want the trial to be in Cabrobó, nor that it is done by a state court. The argument: there is clear evidence that the murders are linked to a land conflict. This makes it a case for a Federal court. A local court is easily influenced and is likely to be lenient. While the case is lingering in the drawers of a state court, the murderers remain unpunished.


     


    Rice producers


    Acts of repression, assassins and criminalization of indigenous leaders are motivated by the reconquest of land that the Truká claim to belong to them traditionally. They evicted farmers and owners of marihuana plantations of their land and developed into major rice producers.


    As every year, the Truká community will remember the murders of Dena and Jorge with a public manifestation and protest against the impunity of the assassins.



     


    ***


     


    nine Pirahã die because of absent healthcare


     


    Eight children and one adult of the Pirahã people have died of malaria between January and June this year, due to the lack of healthcare for the communities along the Maici and Ipixuna rivers (Amazon region).


     


    The Pirahã are an indigenous people that maintains little contact with the surrounding society and count approximately 230 individuals. Because of this small number the death of nine members is even more worrisome.


     


    The indigenous in the region have reported the lack of healthcare in the city of Humaitá, at 450 kilometers of Manaus, several times. The municipality of Manicoré is responsible for the health service in these villages..


     


    “Nobody knows why the medical team won´t come to our areas, whether it is because of a lack of resources, or because these resources are diverted,” informs the indigenous Júnior Tenharim. “It hás been a long time that the team came to the área and, when they were here, it was a flash visit: they arrive one day and leave the next day again.” He is afraid that “Without the presence of health professionals other deaths may occur.”


     


    The District Council for indigenous Healthcare notified the regional Funasa Office of cases of malaria, tuberculosis, leprosis, diarrhea, among other diseases as well as malnutrition, causing the death of fourteen Indians in that region. Besides the nine Pirahã also five persons of other indigenous people.


     


    The regional Funasa coordinator, Narciso Cardoso Barbosa, confirmed that malaria in the region is endemic. However, the Funasa encounters difficulties to control the situation on its own. “We are trying to work out a cooperation with the State Health Authorities, the municipality of Manicoré.” Another obstacle, according to him, is the difficult access to the indigenous villages.


     


     


    (Source: J. Rosha of the Cimi Norte I team) 



     


    Brasília, June 27, 2008.


    Cimi – Indianist Missionary Council

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  • 27/06/2008

    Newsletter nº. 821: Presidents orders ministers to attend indigenous demands

    Newsletter nº. 821


     


    Presidents orders ministers to attend indigenous demands


     


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    Presidents orders ministers to attend indigenous demands


    In his first ever appearance at a meeting of the National Committee for Indigenous Policies (CNPI) on June 19, president Lula ordered his ministers to attend to the needs of the indigenous population. Indigenous leaders reminded him of the unfulfilled promises he made in the past.


     


    Besides president Lula, fifteen ministers and several representatives of the government were present at the CNPI meeting. Márcio Meira, president of the Fundação Nacional do Índo (Funai) and the indigenous coordinators of the ten subcommittees presented the major problems faced by the indigenous communities.


     


    In response, Lula urged his ministers to effectively 


    obrou que os ministros se articulem para efetivar as ações necessárias para melhorar a situação povos indígenas no país. Lula indicou o Ministro da Justiça Tarso Genro para coordenar as ações do Executivo voltadas para os povos. As lideranças indígenas cobraram promessas feitas por Lula, o cumprimento da legislação que garante os direitos dos povos e uma postura mais firme do presidente diante de pressões antiindígenas regionais.


     


    Além de Lula, 15 ministros e diversos representantes de órgãos do Governo estavam presentes. No início da reunião, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, expôs os principais problemas que afetam os povos indígenas e, na seqüência, os indígenas coordenadores das 10 subcomissões da CNPI apresentaram os debates dos primeiros dias da CNPI (17 e 18 de junho).


     


    As falas de Meira e dos indígenas destacaram o caos na saúde indígena, os problemas estruturais da Funai, a necessidade de se aprovar o Estatuto dos Povos Indígenas, o direito dos indígenas serem consultados em relação à ações ou empreendimentos em suas terras, entre outras questões. Todas as falas também lembraram o significado histórico daquela reunião, onde o Presidente da República e os ministros ouviram as lideranças indígenas em torno de uma mesma mesa.


     


    Em relação à saúde indígena, Meira lembrou que dentre os diversos segmentos da população, os povos indígenas têm os piores indicadores de saúde, citando que o índice de mortalidade entre crianças indígenas é mais que o dobro da média nacional. José Aarão, do povo Guajajara, coordenador da Subcomissão de Saúde, pontuou que o problema da saúde não é falta de verbas, mas problemas de gestão e de ingerência política nas nomeações e controle dos recursos. A autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) seria a forma dos indígenas exercerem o controle social da saúde sem depender de interesses políticos.  


     


    Em relação às questões fundiárias, os indígenas lembraram que pressões de governos estaduais têm atrapalhado a regularização das terras, principalmente em Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Também lembraram que a ausência de técnicos da Funai atrasa os processos de demarcação. Por conta disso, Meira e os indígenas requereram concursos para novos servidores e reestruturação da carreira dos atuais servidores.


     


    Os indígenas também solicitaram que Lula se empenhe, junto aos parlamentares da base governista, para que eles voltem a tratar do Estatuto dos Povos Indígenas, cuja tramitação está parada há 14 anos.


     


    Em resposta às demandas apresentadas, Lula disse que os ministérios precisam informar, por que as políticas não se concretizam, mesmo quando há recursos disponíveis. “Agora, os ministros ouviram tudo e daqui a dois meses vão ter que ter a resposta do que evoluiu.”, determinou o presidente. Lula lembrou que só há mais 2 anos e 6 meses de mandato, por isso há que se ter avanços a cada reunião, de dois em dois meses. Ele indicou o Ministro Tarso Genro para coordenar a articulação dos diversos ministérios que realizam as ações voltadas para os povos indígenas.


     


    Cobranças e pressões


    Para alguns indígenas, a reunião foi importante, pois os ministros foram cobrados para agir. Entretanto, sabem que há setores antiindígenas muito influentes, então preferem esperar as mudanças acontecerem para fazer avaliações. 


     


    Na reunião, os indígenas lembraram de promessas não cumpridas. Ak´Jabor Kayapó fez Lula recordar do encontro que eles tiveram antes das eleições de 2002. “O senhor foi falar comigo e eu disse: o senhor tenta, tenta ganhar e não consegue. Agora, o pajé vai ajudar e o senhor vai ganhar, mas eu não quero ver vender a Vale, vender a Amazônia, vender a energia, igual o Fernando Henrique fez. O senhor lembra?” E completou: “O senhor disse: ‘quando eu for presidente, vai ter saúde, educação, vou arrumar a Funai, demarcar a terra…’ Mas, o senhor não fez isso. E por que o senhor não faz? Eu não entendo quem manda: o senhor no Ministro do Planejamento ou o Ministro do Planejamento que manda no senhor?”, completou o Kayapó, sob aplausos.


     


    Durante a reunião da CNPI, Lula se referiu ao extremo confinamento em que vivem os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Ele disse que não é possível que tantas pessoas vivam em tão pouca terra. “Há seis anos quero resolver essa história e não conseguimos”, afirmou o presidente. Desde março, a Funai promete iniciar 36 Grupos Técnicos para identificação na região. No entanto, por conta das fortes pressões de fazendeiros e políticos locais, os trabalhos ainda não começaram.


     


     


     



    Brasília, June 20, 2008.


    Cimi – Indianist Missionary Council


     


     


     

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  • 25/06/2008

    Informe nº. 822: Impunidade: execução de indígenas Truká segue impune

    Informe nº. 822


     


             Impunidade: execução de indígenas Truká segue impune


             Desassistência à saúde causa a morte de nove indígenas do povo Pirahã


     


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    Impunidade: execução de indígenas Truká segue impune


     


    Na próxima segunda-feira (30) faz três anos que Adenilson dos Santos (Dena) e seu filho Jorge dos Santos, indígenas do povo Truká, foram executados por policiais militares dentro da terra indígena Truká, em Cabrobó, Pernambuco. Apesar da evidência de que os assassinatos ocorreram em decorrência de conflitos relacionados à posse de terra, o processo está tramitando na justiça comum e os autores dos disparos seguem impunes.


    Dena e Jorge participavam de um evento festivo da aldeia quando quatro policiais militares à paisana invadiram a festa atirando. Dena, que se encontrava no meio do salão foi baleado. Quando Jorge viu o pai ferido, foi tentar defendê-lo e acabou sendo morto na hora. Os indígenas que estavam no local ainda tentaram levar Dena ao hospital, “mas os policiais não deixaram e estouraram os pneus do carro que ia socorrer Dena”, relata Pretinha Truká.


    Pretinha conta que após esses três anos aconteceram apenas duas audiências. A primeira com os quatro acusados e, no mês passado, foram chamadas a depor seis testemunhas do crime. Segundo ela, a comunidade não quer que o julgamento aconteça em Cabrobó, nem que seja conduzido pela justiça comum. Os indígenas estão se articulando com entidades de direitos humanos para que o processo seja encaminhado à justiça federal.


    Os atos de repressão, assassinatos e criminalização de lideranças indígenas têm suas origens no processo de retomada das terras tradicionais pelos Truká. O povo expulsou de suas terras fazendeiros e plantadores de maconha, tornando-se um dos maiores produtores de arroz do Brasil.


    Como acontece todos os anos, a comunidade Truká fará no dia em que marca a data do assassinato de Dena e Jorge – 30 de junho – um ato público em memória dos dois e em protesto pela impunidade dos assassinos.



     


    ***


     


    Desassistência à saúde causa a morte de nove indígenas do povo Pirahã


     


    Oito crianças e um adulto do povo Pirahã (Amazonas) morreram, de janeiro a junho deste ano, vitimados provavelmente pela malária. A falta de assistência à saúde das comunidades localizadas ao longo dos rios Maici e Ipixuna, no município de Humaitá (distante 450 Km de Manaus), tem sido apontada pelos indígenas como causa dos óbitos. A Prefeitura Municipal de Manicoré é responsável pelo atendimento àquelas aldeias.


     


    “Ninguém sabe se a equipe não vai para a área por falta de recursos ou se esses recursos são desviados”, indaga o indígena Júnior Tenharim. “A equipe não vai na área há muito tempo e,  quando eles vão, fazem trabalho relâmpago: entram em um dia e saem no outro”, reclama ele acrescentando que “sem a presença de profissionais de saúde, outras mortes poderão acontecer”.


     


    Os conselheiros do Conselho Distrital de Saúde Indígena encaminharam documento à coordenação regional da Funasa relatando que foram diagnosticados casos de malária, tuberculose, hanseníase, diarréias, desnutrição e outras doenças. Segundo eles, 14 indígenas morreram naquela região, somando os nove Pirahã e cinco de outros povos indígenas da localidade.


     


    O coordenador regional da Funasa, Narciso Cardoso Barbosa, afirmou que tem conhecimento de que a região é endêmica de malária. “A Funasa está buscando estratégias para atuar de forma cooperada com a Superintendência Estadual de Saúde, a Fundação de Vigilância em Saúde e a prefeitura de Manicoré. A Funasa sozinha encontra dificuldades para atuar”, disse ele, acrescentando que o atendimento é precário devido à “dificuldade de acesso às aldeias”.


     


    Os Pirahã que vivem nesta região são indígenas de pouco contato, que somam 230 pessoas.  As mortes ao longo deste ano afetaram 3,9% da população.


     


    (Com informações de J. Rosha – Cimi Norte I) 


     



     


    Brasília, 26 de junho de 2008.


    Cimi – Conselho Indigenista Missionário


     


     

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  • 24/06/2008

    EM DEFESA DA DEMOCRACIA

    EM DEFESA DA DEMOCRACIA


    EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


    EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


     


     


     


    Ilustríssima Senhora  Yeda Crusius


    M.D.Governadora do Estado do Rio Grande do Sul


     


    Palácio Piratini,


    Praça Marechal Deodoro s/n CEP 90010-282 – Porto Alegre/RS


    Gabinete-governadora@gg.rs.gov.br


     


     


    Nós abaixo-assinados, vimos, à presença de Vossa Excelência manifestar nosso mais vêemente repúdio à iniciativa do Estado Maior da Brigada Militar do RS – PM 2, à iniciativa do Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, e à iniciativa do Ministério Público Federal, pelos motivos a seguir indicados.


     


    No dia 20 de setembro de 2007 o então Subcomandante Geral da BM Cel. QOEM – Paulo Roberto Mendes Rodrigues, encaminhou o relatório n. 1124-100-PM2-2007 cuja elaboração havia sido por ele determinada, ao comandante geral da BM, onde emite parecer sugerindo sejam tomadas todas as medidas possíveis para impedir que as três colunas do MST que rumavam ao Município de Coqueiros do Sul, fossem impedidas de se encontrar. No relatório houve uma investigação secreta sobre o MST, seus líderes, número de integrantes e atuação no RS. O relatório foi remetido ao Ministério Público do Estado do RS e ao Ministério Público Federal.


     


    O relatório da força militar do RS caracteriza o MST e a Via Campesina como movimentos que deixaram de realizar atos típicos de reivindicação social mas sim atos típicos e orquestrados de ações criminosas. Na conclusão do relatório é condenada a “corrente que defende a idéia de que as ações praticadas pelos movimentos sociais não deveriam ser consideradas crimes, mas sim uma forma legítima de manifestação”. As investigações também foram dirigidas sobre a atuação de deputados estaduais, prefeitos, integrantes do INCRA e supostos estrangeiros.


     


                Em função desta ação da Brigada Militar, o MPE ingressou com ACP impedindo as colunas do MST de entrarem nos quatro municípios da comarca de carazinho no RS, e foram ingressadas com várias ações para retirar as crianças das famílias que marchavam.


     


    As iniciativas da Brigada Militar não ocorriam no Brasil deste o término da ditadura militar brasileira e são atentatórias a constituição federal de 1988 que proibiu as policias militares de atuarem na investigação de infrações penais e de movimentos sociais ou partidos políticos. O art. 144 da constituição federal estabelece que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. A brigada militar invadiu a competência da policial civil e da polícia federal.


     


    No dia 3/12/07 o Conselho Superior do Ministério Público aprovou o relatório elaborado pelo promotor Gilberto Thums (processo nº 16315-09-00/07-9), referente ao procedimento administrativo instaurado pela Portaria 01/2007.


     


    O grupo de investigadores tinha por objetivo fazer um levantamento das informações sobre o MST.


     


    O relatório final do grupo de investigadores merece repulsa de toda a sociedade. Uma das decisões tomadas pelo Ministério Público foi no “ (…) sentido de designar uma equipe de Promotores de Justiça para promover ação civil pública com vistas à dissolução do MST e declaração de sua ilegalidade (…)”


     


    Como não bastasse a tentativa de declarar o MST ilegal, o Ministério Público decidiu “  (…) pela intervenção nas escolas do MST a fim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST.”.


     


    A decisão do Ministério Público ofende o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, especialmente o artigo 22, nº 1. Este pacto foi reconhecido pelo Governo brasileiro através do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992.


     


    A decisão também ofende a Constituição Federal. O artigo 5º, inciso XVII, diz que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.”


     


    No dia 11 de março de 2008, o Ministério Público Federal denunciou oito supostos integrantes do MST por “integrarem agrupamentos que tinham por objetivo a mudança do Estado de Direito, a ordem vigente no Brasil, praticarem crimes por inconformismo político, delitos capitulados na Lei de Segurança Nacional da finada ditadura brasileira, referindo na sua denúncia que os acampamentos do MST constituem “Estado paralelo” e que os atos contra a segurança nacional estariam sendo apoiados por organizações estrangeiras como a Via Campesina, as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, além de estrangeiros que seriam responsáveis pelo treinamento militar.


     


    As teses constantes na denúncia foram formuladas pelo proprietário da Fazenda Guerra, integrante da FARSUL em 2005, e ratificadas pelo Coronel da Brigada Militar Valdir Cerutti Reis, que participou da ditadura militar brasileira, tendo inclusive, atuado como infiltrado por dois, no acampamento natalino, sob o codinome de Toninho, onde tentava convencer acampados a abandonar o movimento e aceitares lotes de terra oferecidos em Lucas do rio vede, no mato grosso, pela ditadura militar.


     


    A ação do MPF foi impetrada contrariamente as conclusões do inquérito penal da Polícia Federal que investigou o MST durante todo o ano de 2007, e concluiu inexistirem vínculos do movimento com as FARC, presença de estrangeiros realizando treinamento de guerrilha nos acampamentos e inexistir a pratica de crimes contra a segurança nacional.


     


     


     


    O MST vem se notabilizando como um dos movimentos sociais mais importantes da nossa história, justamente pela sua opção de luta utilizando a não-violência.


     


    Portanto, receba nosso mais veemente repúdio pela decisão tomada no Conselho Superior do Ministério Público, pelo seu Estado Maior da Brigada Militar e pela decisão do Ministério Público Federal.


     


    Declaramos  nosso apoio à luta do MST.


     


     


    Assinatura.


     


     


    C/copia para


    Procurador Geral de Justiça Dr. Mauro Renner


    Endereço eletronico:  pgj@mp.rs.gov.br


     

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  • 24/06/2008

    MST oferece denúncia na Comissão de Direitos Humanos do Senado

     


     


    O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) ofereceu hoje (24) denúncia formal na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, que se deslocou a Porto Alegre para acompanhar a situação. Em comunicado, o MST denuncia que o “movimento está sofrendo uma verdadeira ofensiva de forças conservadores no Rio Grande do Sul, que não só não querem ver a terra dividida, como manda a constituição, mas querem criminalizar os que lutam pela reforma agrária e impedir a continuidade do MST”.


     


    O documento apresentando ontem (23), uma ata do Conselho Superior do Ministério Público, de dezembro do ano passado, revela que o MPE pretende proibir qualquer deslocamento de trabalhadores do MST, incluindo marchas e caminhadas, intervir em escolas de assentamento, criminalizar lideranças e integrantes e “desativar” todos os acampamentos do Rio Grande do Sul.


     


    De acordo com a ata, o MST é visto como uma organização criminosa “que utiliza táticas de ‘guerrilha rural’ para tomada de território estrategicamente escolhido por seus líderes”. Ainda segundo a ata, “as ações predatórias do MST estão a exigir uma imediata e vigorosa ação representada por um conjunto de providencias que levem à neutralizaçao de suas atividades e declaração de ilegalidade do movimento”.


     


    Para o advogado do MST e autor da denúncia, Leandro Scalabrin, a decisão do Ministério Público ofende o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, especialmente o artigo 22, nº 1, reconhecido pelo Brasil em 1992. Além disso, ofende também a Constituição Federal. O artigo 5º, inciso XVII, diz que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.”


     


    Na denúncia apresentada pelo MST, estão todos os detalhes sobre a estratégia do Ministério Público. “Desde a formulação destes relatórios, perceberam-se mudanças nas ações da polícia civil e brigada militar, em relação a protestos realizados por professores, pequenos agricultores, sindicalistas, trabalhadores, acusados de delitos, pessoas pobres e principalmente contra os integrantes da via campesina”, afirma a denúncia.


     


    Em vista disso, o MST pede que todos enviem cartas de protestos à Governadora Yeda Crusius, e ao procurador geral de Justiça, que é nomeado pela governadora e coordena o Ministério Publico Estadual. As mensagens devem ser enviadas com cópias para dhmst@uol.com.br e imprensa@mst.org.br.


     


    EM DEFESA DA DEMOCRACIA


    EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


    EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


     

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  • 24/06/2008

    Indígenas realizam mobilização no norte do RS

     


    Um grupo de indígenas do povo Kaingang voltou a realizar na manhã de hoje (24) uma mobilização no município  de Cacique Doble, no norte do Rio Grande do Sul, distante 150 km de Passo Fundo. Os indígenas bloquearam a rodovia RS-343, que liga os estados do Rio Grande do Sul a Santa Catarina, liberando o trecho apenas de meia em meia hora. As manifestações repetem-se de duas a três vezes por semana desde o início de junho.


     


    Os Kaingang reivindicam melhorias na condição de vida da comunidade e a demarcação total de seu território. A terra indígena Cacique Doble foi demarcada em 1910 com 5.450 hectares, porém só foi homologada em março de 1991, com somente 4.426 hectares. Há que ser homologado ainda 1.024 hectares e é esse restante que a comunidade está reivindicando.


     


    Outro motivo da mobilização é a exigência do cumprimento de uma promessa feita ao cacique, quando este esteve em Brasília, durante o Acampamento Terra Livre realizado em abril. O cacique afirma que lhe foi prometido a destinação de verba para construção de habitações na comunidade, já que existem famílias em precárias condições de moradia.


     


    Além disso, a mobilização também visa conseguir veículos para a serem utilizados no atendimento à saúde. Atualmente, só existe um e em péssimas condições, tornando-se inviável para o atendimento de toda a comunidade.


     


    Nessa comunidade Kaingang vivem mais de 180 famílias, com aproximadamente mil pessoas. O grande objetivo da mobilização é chamar a atenção dos meios de comunicação e das autoridades para a problemática daquele povo, informou uma agente da pastoral indigenista, que acompanhou a mobilização.


     


    A Funai de Passo Fundo sinalizou para a realização de uma reunião entre indígenas e representantes do órgão indigenista para amanhã (25).


     


    Cimi Sul – Equipe Iraí

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